Falta d'água
Há onze anos governador foi
alertado sobre necessidade de obras no sistema Cantareira. Gravidade de
queda no nível do reservatório e falta de recursos pintam cenário
perigoso para próximos anos
Jorge Araújo/Folhapress
São
Paulo – Um verão quente e seco como nunca soa como a explicação
perfeita para uma queda alarmante nos níveis do reservatório Cantareira,
o principal responsável por abastecer de água a Grande São Paulo.
Mas não é a São Pedro nem ao desperdício que se deve culpar pela ameaça de desabastecimento. Ou não apenas: falta de planejamento por parte do governo estadual é o resumo da história que deixa sob suspense o oferecimento de um serviço fundamental para dez milhões de pessoas nas zonas norte, leste, oeste e central de São Paulo, além de moradores de dez municípios da região metropolitana da capital.
Voltando um pouco mais no tempo, desde 2009 o reservatório
Cantareira, composto por quatro represas, atua no limite. O
armazenamento máximo é de 990 milhões de metros cúbicos de água, mas
trabalha com uma média entre 65% e 70% disso. O sistema é capaz de
tratar e remeter até 33 mil litros por segundo.
O relatório final do Plano da Bacia do Alto Tietê, de dezembro de 2009, elaborado pela Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (FUSP), já apontava a “necessidade de contar com regras operativas que evitem o colapso de abastecimento das regiões envolvidas e minimizem a influência política nas decisões”, porque o sistema tem “altas garantias de atendimento (de água), porém com déficits de grande magnitude”, o que indica que a possibilidade de queda do nível da represa era conhecida.
O mesmo relatório aponta o fato de o reservatório estar no seu limite. Isso há quatro anos. “Outra análise importante em relação ao Sistema Cantareira é que este já se encontra no seu limite de exportação. (...)
Desta forma, outras medidas devem ser elaboradas para atender ao acréscimo de demanda na RMSP, como a transposição de água de outras bacias mais distantes.”
Segundo o presidente do Conselho Mundial da Água e professor de Engenharia Civil e Ambiental da Escola Politécnica (Poli) da USP, Benedito Braga, o problema é mais antigo e o relatório de 2009 seria uma reafirmação de questões colocadas há ao menos dez anos.
“A USP trabalhou para o Comitê do Alto Tietê em um plano de recursos hídricos nos idos de 2003 e lá já se falava das obras que era preciso realizar para ter segurança hídrica na região metropolitana de São Paulo. E o que é que foi feito?”
Para Braga, a demanda por água não está sendo afetada simplesmente pelo baixo índice de chuva, embora este seja um componente importante. O problema é a falta de planejamento e realizações em determinadas áreas. “A infraestrutura não acompanhou o crescimento da demanda.
Não só pelo crescimento demográfico, mas também pela melhoria do padrão de vida da população, que agora usa mais água, mais energia, gera mais resíduo sólido.”
Uma parcela dessa dificuldade em se adequar à demanda pode ter relação com o buraco nos investimentos da companhia no ano de 1999.
A Sabesp vinha em um crescente nos anos 1990, atingindo um pico R$ 1,18 bilhão em 1998. No ano seguinte, o valor foi menos da metade disso: R$ 457 milhões. O mesmo patamar só foi retomado – e superado – em 2008, quando ela investiu R$ 1,85 bilhão.
Desde então vem subindo e deve chegar a R$ 2,62 bilhões neste ano.
A pluviometria – quantidade em milimetros cubicos (mm³) de chuva – dos meses também vem em queda, desde agosto de 2013. Naquele mês, choveu 6 milímetros cúbicos, frente a uma média de 36,9. Foram quatro meses de queda seguidos, até a menor relação do que deveria chover sobre o que realmente choveu em dezembro: 59,4 mm³ de 226,8 mm³ – menos de 30% do total.
Mas não é a São Pedro nem ao desperdício que se deve culpar pela ameaça de desabastecimento. Ou não apenas: falta de planejamento por parte do governo estadual é o resumo da história que deixa sob suspense o oferecimento de um serviço fundamental para dez milhões de pessoas nas zonas norte, leste, oeste e central de São Paulo, além de moradores de dez municípios da região metropolitana da capital.
Observando os dados e conversando com quem acompanha o
setor, conclui-se que a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo
(Sabesp) deveria ter iniciado ainda no ano passado uma campanha para
redução de consumo.
A queda no nível é contínua desde maio de 2013, mas
só no dia 1º de fevereiro a gestão Geraldo Alckmin (PSDB) decidiu propor
à população que passasse a reduzir o consumo em troca de um abatimento
no valor da conta. Com mais três semanas de seca, chegou-se ontem (16)
ao menor nível da história: 18,5% do total.
O relatório final do Plano da Bacia do Alto Tietê, de dezembro de 2009, elaborado pela Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (FUSP), já apontava a “necessidade de contar com regras operativas que evitem o colapso de abastecimento das regiões envolvidas e minimizem a influência política nas decisões”, porque o sistema tem “altas garantias de atendimento (de água), porém com déficits de grande magnitude”, o que indica que a possibilidade de queda do nível da represa era conhecida.
O mesmo relatório aponta o fato de o reservatório estar no seu limite. Isso há quatro anos. “Outra análise importante em relação ao Sistema Cantareira é que este já se encontra no seu limite de exportação. (...)
Desta forma, outras medidas devem ser elaboradas para atender ao acréscimo de demanda na RMSP, como a transposição de água de outras bacias mais distantes.”
Segundo o presidente do Conselho Mundial da Água e professor de Engenharia Civil e Ambiental da Escola Politécnica (Poli) da USP, Benedito Braga, o problema é mais antigo e o relatório de 2009 seria uma reafirmação de questões colocadas há ao menos dez anos.
“A USP trabalhou para o Comitê do Alto Tietê em um plano de recursos hídricos nos idos de 2003 e lá já se falava das obras que era preciso realizar para ter segurança hídrica na região metropolitana de São Paulo. E o que é que foi feito?”
Para Braga, a demanda por água não está sendo afetada simplesmente pelo baixo índice de chuva, embora este seja um componente importante. O problema é a falta de planejamento e realizações em determinadas áreas. “A infraestrutura não acompanhou o crescimento da demanda.
Não só pelo crescimento demográfico, mas também pela melhoria do padrão de vida da população, que agora usa mais água, mais energia, gera mais resíduo sólido.”
Uma parcela dessa dificuldade em se adequar à demanda pode ter relação com o buraco nos investimentos da companhia no ano de 1999.
A Sabesp vinha em um crescente nos anos 1990, atingindo um pico R$ 1,18 bilhão em 1998. No ano seguinte, o valor foi menos da metade disso: R$ 457 milhões. O mesmo patamar só foi retomado – e superado – em 2008, quando ela investiu R$ 1,85 bilhão.
Desde então vem subindo e deve chegar a R$ 2,62 bilhões neste ano.
No entanto, diferente do que seria esperado, a Sabesp
reduziu a previsão de investimento para os próximos anos, projetando R$
2,41 bilhões em 2015 e R$ 2,27 em 2016.
O relatório é uma projeção
realizada em 2013 e não considera a atual situação. Em relação a
investimentos específicos para o Sistema Cantareira, a Sabesp deverá
apresentar uma estratégia para melhorar o controle dos níveis do
reservatório e de descargas hidráulicas apenas em fevereiro de 2015, de
acordo com a minuta de renovação do direito de uso das águas do sistema.
A renovação da outorga, que deve ser assinada em agosto de 2014 e pode
sofrer alterações até lá, também prevê a modernização dos postos de
monitoramento de chuva, vazão, sedimentação e qualidade da água nas
bacias do Cantareira.
Chuva e política
Disponível para consulta pela internet, o índice de armazenamento e pluviometria das represas que abastecem a Região Metropolitana de São Paulo da Sabesp demonstra que o problema era previsível com base na queda do volume de água da Cantareira. Em maio do ano passado, a represa tinha 59,1% do volume total. Em setembro, o índice havia caído para 40,3%. E em dezembro já estava em 27,4%.
A pluviometria – quantidade em milimetros cubicos (mm³) de chuva – dos meses também vem em queda, desde agosto de 2013. Naquele mês, choveu 6 milímetros cúbicos, frente a uma média de 36,9. Foram quatro meses de queda seguidos, até a menor relação do que deveria chover sobre o que realmente choveu em dezembro: 59,4 mm³ de 226,8 mm³ – menos de 30% do total.
O presidente do Instituto Trata Brasil, Edison Carlos,
especializado em saneamento, avalia que a Sabesp errou o tempo de agir e
afirma que a questão agora tomou um caráter político e econômico que se
sobrepõe ao técnico.
“Acontece que é muito difícil para um governante
tomar uma decisão dessas em ano eleitoral. A Sabesp é uma empresa de
capital misto, tem ações na bolsa, não pode abrir mão de vender seu
único produto. Tem de dar satisfação aos investidores”.
Talvez por isso o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin
(PSDB), tenha esperado até 20 de janeiro para fazer o primeiro
pronunciamento sobre a situação. E mesmo assim descartando veementemente
a possibilidade de racionamento, um otimismo que não encontra
correspondência nos dados disponíveis.
As ações realizadas até agora foram somente o anúncio de
descontos na conta de água, de até 30% para quem economizar 20% em
relação ao gasto de janeiro. E as cinco frustradas tentativas de fazer
chover na região da Cantareira com o uso de aviões.
A empresa ModClima
foi contratada, sem licitação, por R$ 4,4 milhões, para realizar o
trabalho, numa operação que a RBA já adiantava estar fadada ao fracasso.
Fato é que a recomposição do reservatório Cantareira pode
não ser tão simples quanto faz crer a propagando oficial. “O governo
está tendo uma atitude muito otimista, de que a partir do dia 15 vai
começar a chover e estará tudo resolvido.
Não é verdade. Mesmo que
chova, a situação é tão grave que não vai encher o reservatório”, alerta
Benedito Braga.
Como exemplo do tempo que os reservatórios levam para se
recuperar após um evento grave de desabastecimento, basta observar as
consequências da estiagem que teve início em 1951 e que é considerada,
até hoje, a mais grave pela qual as regiões metropolitanas de São Paulo e
Campinas já passaram.
Durante a produção do Plano Diretor de Recursos
Hídricos do estado, aquele evento foi utilizado pela Sabesp para
projetar os efeitos de uma seca grave hoje em dia.
No momento mais crítico de uma seca com a mesma intensidade
da década de 1950, a macrorregião São Paulo-Campinas teria capacidade
para atender a apenas 56% da demanda.
O município de São Paulo ficaria
em situação ainda mais grave, com capacidade para atender a apenas 40%
da população, e Campinas entraria em situação de emergência, com acesso a
água suficiente para apenas 10% dos moradores.
Nesses casos, de acordo
com as projeções, os reservatórios levam de três a cinco anos para
começar a se reestabelecer.
O mais recente ingresso de um braço de água para o
sistema de abastecimento da Sabesp foi realizado em 1993, ainda na
gestão de Luiz Antônio Fleury Filho (PMDB) no governo paulista. Desde
então a população do estado cresceu em pelo menos 10 milhões de
habitantes.
A próxima inauguração prevista é a obra do Sistema Produtor
São Lourenço, no Vale do Ribeira, que está na fase de instalação dos
canteiros. O novo sistema tinha previsão inicial de inauguração em 2016,
mas o governo estadual afirma que só deverá ficar pronto em 2018.
Embora não tenha relação com o sistema Cantareira, a
situação permite ter uma ideia da lentidão de crescimento da oferta de
água tratada em São Paulo.
Racionamento é perigoso
Outro problema para o qual alerta o presidente do Conselho
Mundial da Água é que o racionamento pode apresentar riscos de
contaminação, em virtude de fissuras nos dutos do sistema de
distribuição. “A tubulação tem perdas, ela não é 100% fechada.
Quando
você tem pressão, sai água limpa de dentro do duto e vai para o solo.
Quando não tem a água que estava fora pode adentrar o encanamento. E
essa água pode vir de um solo contaminado. Então o racionamento é uma
coisa arriscada.”
Em São Paulo, a Sabesp admite perdas de aproximadamente 25%
do volume de água que circula nos canos. No entanto, segundo o
relatório de 2013 do Plano Diretor da Macrometrópole, elaborado pelo
Departamento de Água, Esgoto e Eletricidade (DAEE), a Região
Metropolitana de São Paulo perde 38% da água que deveria abastecer as
cidades.
O mesmo plano projeta que até 2035 a Sabesp deve atuar com
um parâmetro de perdas entre 20% e 30%. Ou seja, em 20 anos não há uma
perspectiva de redução significativa nas perdas de água.
“Nesse Plano
Diretor da Macrometrópole, não foram consideradas reduções abaixo de
20%, pois, abaixo deste patamar, entende-se que seriam necessárias
tecnologias e aportes financeiros diferentes daqueles necessários para
que as perdas se enquadrem nos limites de 20% a 30%”, descreve o
relatório.
Para alcançar perdas de 28% nas duas macrorregiões
(Campinas e São Paulo) até 2035, seriam necessários investimentos de R$
11,4 bilhões. Levando-se em conta a economia da empresa, o
empreendimento causaria um prejuízo de cerca de R$ 540 milhões,
prossegue explicando o documento. Ou seja, não ter atacado o problema
antes o tornou mais complexo e mais caro de resolver.
Outros problemas
O Plano Diretor de Recursos Hídricos do estado aponta que o
ritmo de crescimento da economia brasileira tem efeito direto sobre a
demanda de água tratada.
Se o crescimento anual médio do Produto Interno Bruto (PIB)
do país for de 2,5% até 2018, por exemplo, a demanda das regiões
metropolitanas de São Paulo e Campinas por água será de 123 m³/s. Mas,
se o ritmo de crescimento no mesmo período for de 4% ao ano, a demanda
salta para 261 m³/s – variação que não está contemplada nos dados
públicos sobre os investimentos da Sabesp.
Outro fator que revela a baixa de investimentos em
estrutura da Sabesp, e que pode afetar a prestação de seus serviços, é a
relação entre funcionários próprios e terceirizados.
Segundo Renê
Vicente, presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Água, Esgoto e
Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema), hoje há 15 mil
funcionários próprios da Sabesp e outros 20 mil terceirizados.
O número de empregados próprios é praticamente o mesmo
desde 2008, o que aponta que a companhia não tem investido em formação
de mão de obra qualificada.
“Você pega o setor de fraudes, por exemplo,
que averigua a origem da perda de água, e são todos terceirizados”,
aponta Vicente. Para ele, essa situação fragiliza o poder fiscalizador
da Sabesp.
“Quando o governo terceiriza, contrata empreiteiras. Então os
trabalhadores são da construção civil, e não da área de saneamento.”
A Sabesp não se manifestou sobre os questionamentos apresentados na última sexta-feira (14) pela RBA.
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