sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Projeto que cria cota de 20% para negros em concursos públicos gera polêmica


24/02/2014 - 11h51


Quem defende a proposta diz que ela corrige uma injustiça histórica. Quem é contra diz que a reserva é inconstitucional. 

Apesar da controvérsia, a proposta já foi aprovada em duas comissões. Agora, aguarda votação no Plenário.
José Jorge de Carvalho
Roberto Fleury/Agência UnB
 
O professor José Jorge de Carvalho defende as cotas, mas ressalta que não resolvem a desigualdade racial.
 
Cotas para negros em universidades e agora em concursos públicos.

A Câmara dos Deputados deve votar neste ano o Projeto de Lei 6738/13, do Executivo, que reserva 20% de vagas para negros, por um período de dez anos, em concursos realizados no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

Os defensores acreditam que a proposta seja uma reparação pelo abandono em que a população negra foi deixada após o fim da escravidão. 

Afinal, a maior parte da população brasileira é descendente de pessoas que foram escravizadas. Mas ainda hoje eles ocupam os piores postos de trabalho e poucos chegam à universidade ou aos cargos mais cobiçados em concursos.

Quem é contra acredita que esse tipo de ação pode gerar uma resposta racista e mudar a relação entre negros e brancos no Brasil, um país onde nunca existiu segregação ou apartheid de forma oficial.

Para o antropólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) José Jorge de Carvalho, essa é uma possibilidade. 

Mas, como não é possível testá-la, é mais importante resolver o racismo real, que existe hoje em todo o Brasil. 

“Os negros estão praticamente em 1% em todas as categorias mais altas, como na classe médica, na classe diplomática, dos professores universitários, dos juízes. 

Se continuarmos assim, vamos passar o século 21 como uma das sociedades mais racistas do mundo. As cotas em concursos são uma forma de diminuir esse panorama de desigualdade racial, mas não vão resolver o problema, vamos demorar muito mais para resolver isso”, ressalta.

José Jorge de Carvalho foi quem propôs a primeira dessas ações: o sistema de cotas adotado pela UnB. Esse sistema inspirou o governo a criar a lei de cotas em universidades, a primeira ação afirmativa, como são chamadas essas reparações a uma parte da população que se encontra em desvantagem. Na UnB, o vestibular reserva 20% das vagas para candidatos negros há 10 anos, e esse número permaneceu mesmo depois da aprovação da Lei de Cotas (12.711/12).

Critério de renda

Uma opção, defendida por muitos, é beneficiar pessoas de baixa renda. Para o professor Ernani Pimentel, fundador da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos, cotas poderiam beneficiar pessoas pobres, vindas da escola pública. 


“Eu não sou contra uma reparação da sociedade por tudo o que fizeram com os negros. Na verdade, acho que o Estado tem de reconhecer e recompor esses dados. Agora, não pode ficar só para os negros. A rigor, não são só os negros que devem ser olhados, mas todos aqueles que não têm condições de disputar cargos que demandam educação.”

Essa ideia faz parte hoje da lei de cotas para universidades, aprovada em 2012 e que é mais restritiva que a adotada originalmente pela Universidade de Brasília. Entre os alunos que se declaram descendentes de negros, apenas os vindos de escolas públicas de ensino médio têm direito às vagas. 

Negros de classe média, que estudaram em escolas particulares, não são beneficiados.


 

A coordenadora das Ações Afirmativas da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Mônica Alves de Oliveira Gomes, considera, porém, que o problema a ser atacado é o racismo, e por isso outras questões devem ser separadas. 

“Já está largamente comprovado que o racismo não atinge apenas as pessoas pobres. O racismo é uma realidade que está nas relações de todas as classes sociais. As pesquisas indicam que as pessoas negras em condições semelhantes de renda não são atingidas pelas desigualdades da mesma maneira. A medida visa enfrentar tanto desigualdades sociais quanto desigualdades raciais, que se cruzam nas vidas de pessoas negras fazendo com que elas vivam situações de maior desigualdade que pessoas brancas pobres.”

Na verdade, o governo federal está nacionalizando um movimento que já existe no Brasil.

Atualmente, quatro estados têm leis que reservam vagas para candidatos negros (mapa acima). Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso do Sul têm cotas em seus concursos, e alguns incluem vagas para indígenas.


Debate na Câmara

Na Câmara, o PL 6738/13 já causou polêmica, nem tanto entre governo e oposição, mas entre deputados que enxergam a questão de forma diferente.
 
Arquivo/Luis Macedo
Silvio Costa
Silvio Costa diz que discutiria uma cota social, mas que a reserva de vagas para negros é inconstitucional.
 
O deputado Silvio Costa (PSC-PE) acha que a proposta é inconstitucional. “A única cota que – em tese – eu até toparia discutir seria uma espécie de cota social. Mas essa questão da cota para negros é uma coisa que tem de ser mais bem discutida. Esses projetos são inconstitucionais. Na Constituição está escrito que todos são iguais perante a lei. E aí você está penalizando os pobres brancos.”

Mas o líder do PT, deputado Vicentinho (SP), defende a medida dizendo que as cotas nas universidades já vêm se provando úteis. 

Hoje os alunos que entraram pelo sistema de cotas estão tendo resultado melhor ou igual em comparação com outros alunos”, ressalta.

Apesar da controvérsia, a proposta, apresentada em novembro do ano passado, foi aprovada nas comissões de Direitos Humanos e Minorias, e de Trabalho, de Administração e Serviço Público, além de ter parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). 

O projeto aguarda votação no Plenário da Câmara, onde tranca a pauta por tramitar em regime de urgência constitucional.

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