Moradores relatam que é difícil encontrar quem não tenha sido vítima da criminalidade na região
Carla Rodrigues
carla.rodrigues@jornaldebrasilia.com.br
Eles já são reféns do medo. Há pelo menos dois meses, moradores das QNL de Taguatinga enfrentam diariamente a onda de assaltos às suas residências.
Assustados com a situação, muitos acabam transformando suas casas em verdadeiras fortalezas: são grades, alarmes, câmeras, tudo que possa coagir a ação dos bandidos.
E mesmo assim ainda correm o risco de serem abordados nas ruas e becos da região, como já vem acontecendo. Algumas pessoas relatam que perderam tudo nos roubos, desde chapinhas de cabelo a passarinhos de estimação.
“Parecia uma casa protegida. Saímos do Recanto das Emas devido à violência e aconteceu isso. Levaram tudo o que podiam. Vivemos cercados pelo medo agora”, conta a professora Ionete Oliveira, 44 anos, moradora da QNL 5. Quando voltaram de viagem, ela, o marido e os três filhos foram surpreendidos com a notícia de que ladrões haviam invadido a casa.
“Foi um susto muito grande. Nós não dormimos naquela noite. Todo mundo ficou apavorado, pensando que eles podiam voltar e querer mais”.
O marido lembra que os bandidos levaram até seu antigo cavaquinho. “Isso é para você ver o nível dessas pessoas”, ressalta o agente dos Correios Genival Oliveira, 41 anos. A sorte, afirma ainda, “é que deixamos o carro na casa da nossa sobrinha”.
Os bandidos, que até agora não foram encontrados, usaram um Fiat Punto para carregar as coisas. “De acordo com vizinhos, eles estacionaram o carro de ré na garagem e foram levando as coisas. Ninguém percebeu o que estava acontecendo”, conta a professora.
Sem rumo
Agora, a família não sabe o que fazer. “Estamos há dois meses aqui. Dá vontade de voltar para o Recanto, porque lá, pelo menos, nunca fomos roubados. Mas, acredito que o primeiro passo deve ser investir mais na segurança. Quero instalar uma câmera pequena na garagem e reforçar o portão elétrico, que, segundo a Polícia Civil, é um dos mais fáceis de abrir”, acrescenta Ionete.
Cada dia mais vítimas
Nas QNLs, difícil mesmo é achar quem ainda não teve a casa
assaltada. “Aqui é todo dia. Pelo menos uns quatro vizinhos dessa rua
foram roubados. Inclusive, aqui do lado, o ladrão se deu ao trabalho de
subir no telhado para levar as calopsitas de um senhor que morava ali.
É
absurdo. Está um caos”, narra a professora Claudenis Alves, 40 anos,
moradora da QNL 11. Só a casa dela já foi invadida quatro vezes.
Situação piorou
Os roubos só pararam depois que a família instalou uma cerca
elétrica por toda a grade que cerca a residência. “Mesmo assim, depois
disso, tentaram entrar aqui mais algumas vezes. Eles não desistem.
A
gente dorme pensando que alguém pode entrar. Graças a Deus, pelo
menos, nunca agrediram ninguém da casa”, diz Claudenis. Ela ressalta
ainda que “depois do início da Operação Tartaruga ficou muito pior”. De
acordo com a professora, as “patrulhas” que costumam fazer ronda na
área não são mais vistas em nenhuma hora do dia.
Pense nisso
A população não aguenta mais a falta de segurança, e essa situação
não ocorre apenas por conta da mobilização da Polícia Militar, com a
chamada Operação Tartaruga. É fácil entender como os ladrões conseguem
agir com tranquilidade, a qualquer hora do dia: quase não se vê viaturas
nas ruas, policiais rondando as quadras.
O policiamento ostensivo inibe
ações criminosas. Não adianta só prender suspeitos de cometer delitos. É
preciso evitar que os crimes aconteçam. E se não bastasse a população
ficar refém dos bandidos, a sociedade agora está à mercê também da crise
entre a polícia e o governo. Quem sai ganhando com tudo isso são,
apenas, os ladrões
Ponto de vista
Hartmut Gunther, especialista em violência urbana, chega a
contestar as informações oficiais que mostram queda nos índices de
criminalidade. “À medida em que você tem mais postos fechados e menos
policiais trabalhando, é óbvio que vai ter queda nos registros. O
cidadão não tem a quem recorrer. Os dados informais, que a população tem
e percebe todos os dias, é que a coisa está ficando cada dia mais
problemática”, salienta.
Insegurança se confirma em números
Algumas quadras abaixo da QNL 11, moradores relatam que bandidos
invadiram a casa de uma senhora pelo telhado e assaltaram uma jovem
embaixo de um prédio. Tudo à luz do dia. “Eles vieram lá de trás,
pulando de casa em casa pelo teto e, finalmente, chegaram aqui. A sorte é
que meu filho viu a cena”, conta a aposentada Janina dos Santos, 77
anos. Para a senhora, “a situação está incontrolável”.
A idosa diz ainda que mora no local há 35 anos e nunca viu tanta
violência na área como acontece hoje. “Os bandidos estão tomando conta.
Esses dias, ligamos para a polícia porque tinha um carro parado aqui há
três dias. Quando os agentes chegaram, confirmaram que o veículo tinha
sido roubado no hospital regional. E nós chegamos a ver um casal tirando
as peças dele, mas não imaginamos que era roubo”, relata.
Depois da invasão à sua residência, dona Janina e os filhos
decidiram investir em aparatos de segurança, como a cerca elétrica.
“Vamos ter que fazer isso, né? Meus filhos já decidiram a reforma aqui
do lado de fora. Eles têm medo de tudo isso que está acontecendo e eu
também. Na verdade, dá medo sair até aqui no pátio. Tudo dá medo”,
lamenta a senhora.
Dados
E o sentimento de insegurança dos moradores é confirmado nos
números da Secretaria de Segurança Pública do DF. A violência disparou
nas ruas da capital nos últimos meses, desde que foi iniciada a
Operação Tartaruga. Só em janeiro houve um aumento de 28% nos casos de
homicídio em relação ao mesmo período do ano passado. Em Taguatinga
houve um homicídio, duas tentativas, um latrocínio e três tentativas de
latrocínio, conforme as estatísticas.
Comércio também não escapa
Os roubos ao comércio na região também são outro problema grave. No
final de dezembro, a gerente de um supermercado da QNL 13 quase perdeu a
vida quando se negou a entregar as chaves do cofre aos bandidos.
Em
meio a lágrimas, ela lembra do episódio. “Foi horrível. Eles colocaram a
arma na minha cabeça. Um deles disse para me 'apagar' caso eu
continuasse negando as chaves. Por alguns minutos, achei que fosse
morrer”, relata K.S., 36 anos.
Para a supervisora do mercado, a ausência de policiais na região
provocou a ação dos bandidos. “Eles se sentem à vontade para fazerem o
que quiserem. E a gente fica refém disso. Eles chegaram aqui no final do
expediente e poderiam, se quisessem, ter levado muito mais coisas além
do dinheiro. Ninguém ia ver”, afirma.
Procuradas para comentar a onda de violência na QNL, nem a
Secretaria de Segurança nem a Polícia Militar se posicionaram sobre o
assunto.
“Cidade está um caos”
Para a especialista em violência urbana Tânia Montoro, a população
deve cobrar soluções das corporações de segurança e do Estado. “Não acho
que a PM ganha mal. Eles têm motivo para reivindicar? Acredito que
sim, mas isso não pode significar abrir mão do serviço básico deles que é
proteger e atender o cidadão. A cidade está um caos”, opina.
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília
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