quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Violência: O medo ronda a QNL de Taguatinga

Moradores relatam que é difícil encontrar quem não tenha sido vítima da criminalidade na região


Carla Rodrigues
carla.rodrigues@jornaldebrasilia.com.br


Eles já são reféns do medo. Há pelo menos dois meses, moradores das QNL de Taguatinga enfrentam diariamente a onda de assaltos às suas residências.

Assustados com a situação, muitos acabam transformando suas casas em verdadeiras fortalezas: são grades, alarmes, câmeras, tudo que possa coagir a ação dos bandidos.

E mesmo assim ainda correm o risco de serem abordados nas ruas e becos da região, como já vem acontecendo. Algumas pessoas relatam que perderam tudo nos roubos, desde chapinhas de cabelo a passarinhos de estimação.

 “Parecia uma casa protegida. Saímos do Recanto das Emas devido à violência e aconteceu isso. Levaram tudo o que podiam. Vivemos cercados pelo medo agora”, conta a professora Ionete Oliveira, 44 anos, moradora da QNL 5. Quando voltaram de viagem, ela, o marido e os três filhos foram surpreendidos com a notícia de que ladrões haviam invadido a casa.

 “Foi um susto muito grande. Nós não dormimos naquela noite. Todo mundo ficou apavorado, pensando que eles podiam voltar e querer mais”.

 O marido lembra que os bandidos levaram até seu antigo cavaquinho. “Isso é para você ver o nível dessas pessoas”, ressalta o agente dos Correios Genival Oliveira, 41 anos. A sorte, afirma ainda, “é que deixamos o carro na casa da nossa sobrinha”.

Os bandidos, que até agora não foram encontrados, usaram um Fiat Punto para carregar  as coisas. “De acordo com vizinhos, eles estacionaram o carro de ré na garagem e foram levando as coisas. Ninguém percebeu o que estava acontecendo”, conta a professora.

 Sem rumo

 Agora, a família   não sabe o que fazer. “Estamos há dois meses aqui. Dá vontade de voltar para o Recanto, porque lá, pelo menos, nunca fomos roubados. Mas, acredito que o primeiro passo   deve ser investir mais na segurança. Quero instalar uma câmera pequena na garagem e reforçar o portão elétrico, que, segundo a Polícia Civil, é um dos mais fáceis de abrir”, acrescenta Ionete.

Cada dia mais vítimas
 
Nas QNLs, difícil mesmo é achar quem ainda não teve a casa assaltada. “Aqui é todo dia.  Pelo menos uns quatro vizinhos dessa rua foram roubados. Inclusive, aqui do lado, o ladrão se deu ao trabalho de subir no telhado para levar as calopsitas de um senhor que morava ali. 
 
É absurdo. Está um caos”, narra a professora Claudenis Alves, 40 anos, moradora da QNL 11. Só a casa dela já foi invadida quatro vezes. 
 
Situação piorou
 
Os roubos só pararam depois que a família instalou uma cerca elétrica por toda a grade que cerca a residência. “Mesmo assim, depois disso, tentaram entrar aqui mais algumas vezes. Eles não desistem. 
 
A gente dorme   pensando que alguém pode entrar. Graças a Deus, pelo menos, nunca agrediram ninguém da casa”, diz Claudenis. Ela ressalta ainda que “depois do início da Operação Tartaruga ficou muito pior”.  De acordo com a professora, as “patrulhas” que costumam fazer ronda na área não são mais vistas em nenhuma hora do dia. 
 
Pense nisso
 
A população não aguenta mais a falta de segurança, e essa situação não ocorre apenas por conta da mobilização da Polícia Militar, com a chamada Operação Tartaruga. É fácil entender como os ladrões conseguem agir com tranquilidade, a qualquer hora do dia: quase não se vê viaturas nas ruas, policiais rondando as quadras. 
 
O policiamento ostensivo inibe ações criminosas. Não adianta só prender suspeitos de cometer delitos. É preciso evitar que os crimes aconteçam. E se não bastasse a população ficar refém dos bandidos, a sociedade agora está à mercê também da crise entre a polícia e o governo.  Quem sai ganhando com tudo isso são, apenas, os ladrões
 
Ponto de vista
 
Hartmut Gunther,  especialista em violência urbana, chega a contestar as informações oficiais que mostram queda nos índices de criminalidade. “À medida em que você tem mais postos fechados e menos policiais trabalhando, é óbvio que vai ter queda nos registros. O cidadão não tem a quem recorrer. Os dados informais, que a população tem e percebe todos os dias, é que a coisa está ficando cada dia mais problemática”, salienta. 
 
Insegurança se confirma em números
 
Algumas quadras abaixo da QNL 11, moradores relatam que bandidos invadiram a casa de uma senhora pelo telhado e assaltaram uma jovem embaixo de um prédio. Tudo à luz do dia. “Eles vieram lá de trás, pulando de casa em casa pelo teto e, finalmente, chegaram aqui. A sorte é que meu filho viu a cena”, conta a aposentada Janina dos Santos, 77 anos. Para a senhora, “a situação está incontrolável”. 
 
 A idosa diz ainda que mora no local há 35 anos e nunca viu tanta violência na área como acontece hoje. “Os bandidos estão tomando conta. Esses dias, ligamos para a polícia porque tinha um carro parado aqui há três dias. Quando os agentes chegaram, confirmaram que o veículo tinha sido roubado no hospital regional. E nós chegamos a ver um casal tirando as peças dele, mas não imaginamos que era roubo”, relata.
 
 Depois da invasão à sua residência, dona Janina e os filhos decidiram investir em aparatos de segurança, como a cerca elétrica. “Vamos ter que fazer isso, né? Meus filhos já decidiram a reforma aqui do lado de fora. Eles têm medo de tudo isso que está acontecendo e eu também. Na verdade, dá medo sair até aqui no pátio. Tudo dá medo”, lamenta a senhora. 
 
Dados
 
E o sentimento de insegurança dos moradores é confirmado nos números da Secretaria de Segurança Pública do DF. A violência disparou nas ruas da capital nos últimos   meses, desde que foi iniciada a Operação Tartaruga.  Só em janeiro houve um aumento de 28% nos casos de homicídio em relação ao mesmo período do ano passado. Em Taguatinga houve um homicídio, duas tentativas, um latrocínio e três tentativas de latrocínio, conforme as estatísticas.
 
Comércio também não escapa
 
Os roubos ao comércio na região também são outro problema grave. No final de dezembro, a gerente de um supermercado da QNL 13 quase perdeu a vida quando se negou a entregar as chaves do cofre aos bandidos. 
 
Em meio a lágrimas, ela lembra do episódio. “Foi horrível. Eles colocaram a arma na minha cabeça. Um deles disse para me 'apagar' caso eu continuasse negando as chaves. Por alguns minutos, achei que fosse morrer”, relata K.S., 36 anos.
 
Para a supervisora do mercado, a ausência de policiais na região provocou a ação dos bandidos. “Eles se sentem à vontade para fazerem o que quiserem. E a gente fica refém disso. Eles chegaram aqui no final do expediente e poderiam, se quisessem, ter levado muito mais coisas além do dinheiro. Ninguém ia ver”, afirma. 
 
 Procuradas para comentar a onda de violência na QNL, nem a Secretaria de Segurança nem a Polícia Militar se posicionaram sobre o assunto. 
 
 “Cidade está um caos”
 
Para a especialista em violência urbana Tânia Montoro, a população deve cobrar soluções das corporações de segurança e do Estado. “Não acho que a PM ganha mal.  Eles têm motivo para reivindicar? Acredito que sim, mas isso não pode significar abrir mão do serviço básico deles que é proteger e atender o cidadão. A cidade está um caos”, opina.
 
  
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília

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