domingo, 23 de março de 2014

Livro aponta os aspectos históricos que influenciam na visão depreciativa brasileira e que tornaram a principal colônia portuguesa em nação “vira-lata”



Brasil: “o país é um beleza, mas o povo…” 


Escritor Nelson Rodrigues e pesquisador Aurélio Schommer (no detalhe): 
um atribuiu o termo “vira-lata” aos brasileiros, o outro buscou na história fatos que comprovassem os motivos para isso

Marcos Nunes Carreiro--- Jornal Opção
  Sabe aquela piada em que Deus, em resposta a um maravilhado pela beleza natural brasileira, responde: “Espera só para ver o povinho que vou pôr lá”? Então, é provável que ela tenha surgido de um texto escrito pelo grande escritor brasileiro Nelson Rodrigues, em 1958. 

O título: “Complexo de vira-latas”, que fazia alusão à derrota da seleção brasileira para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950, sediada no Brasil. Para ele, ainda em 58, o povo brasileiro lamentava o fracasso e sentia o temor por uma nova desilusão na Copa da Suécia daquele ano, o que não ocorreu, visto que o país ganhou seu primeiro título mundial em 58.



 


Porém, ninguém acreditava. E a isso, Nelson Rodrigues chamou “complexo de vira-latas” brasileiro. Em suas palavras, ele entendia ser por “complexo de vira-latas a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol”. 

Pois bem. O Brasil foi campeão naquele ano, mas a expressão ficou, uma vez que o sentimento representado por ela também. Mas por quê? Por que o brasileiro tem um “complexo de vira-latas”?


 

Aurélio Schommer, escritor e pesquisador gaúcho radicado em Salvador (BA), escreveu “História do Brasil Vira-Lata” para explicar as razões históricas para essa percepção autodepreciativa, que começa com os índios, os eternos estrangeiros massacrados pelos invasores europeus. 

Essa assertiva gerou, segundo o pesquisador, a faceta extremamente danosa da tradição autodepreciativa nacional: a ideia de que a terra do Brasil não pertence aos brasileiros e sim aos brasilianos (os índios).


 

“Além de afetar a autoestima do brasileiro, tal ficção histórica consolidada há mais de um século, espelhada no bom selvagem de Rousseau, que nunca esteve na América do Sul, tem um efeito pouco observado, mas muito presente: se a casa não é nossa, não somos responsáveis por mantê-la ou por limpá-la. 

Jogar lixo na rua não seria um acinte à convivência civilizada, apenas a velha despreocupação do inquilino para com o patrimônio do senhorio, quanto mais quando está com o aluguel atrasado, devendo ao silvícola dono da terra”.


 

Entretanto, a história não é bem de massacre do português para com o índio. Os próprios números da miscigenação entre os europeus –– não apenas portugueses estiveram no Brasil desde o início do século XVI –– e os índios mostram isso. Nos primeiros 50 anos de colonização já havia milhares de mamelucos juntando-se ao aproximadamente 1 milhão de índios –– população estimada. 

Outro fator aponta para a aliança entre índios e europeus. A guerra que resultou na expulsão dos neerlandeses (holandeses) do Nordeste brasileiro, por exemplo, foi travada quase que unicamente por índios que apoiavam um lado ou outro.

 

“O Rio de Janeiro, como outras vilas e cidade brasileiras, nasceu e desenvolveu-se mais como obra nativa do que europeia. Mas os nativos recusavam a primeira identidade, sempre que possível, optando pela segunda. Por isso o gentílico carioca (casa de branco, em tupi) foi tomado como depreciativo até o século XIX, quando os topônimos e gentílicos tupis entraram na moda”, relata Schommer.

 

A presente matéria mostrará alguns pontos levantados por Schommer. 


Especificamente os mais polêmicos, como a desmistificação de heróis nacionais, como Tiradentes, o problema (histórico?) da educação brasileira e a questão sexista-escravocrata das mulatas brasileiras no paraíso do sexo chamado Brasil.


O mito do herói mineiro Tiradentes


Nelson Rodrigues afirmou: “O brasileiro não tem motivos pessoais ou históricos para a autoestima”. 

Aurélio Schommer escreveu “História do Brasil Vira-Lata”, de certa forma para desmistificar essa visão. 

Porém, concede razão ao primeiro quando alude aos feriados nacionais cívicos –– 21 de abril, 7 de setembro e 15 de novembro. 

O pesquisador aponta que a história delas, da forma como são contadas nas escolas, têm problemas, a começar pela primeira, a “mais problemática”.

 


Schommer diz que a história de Tiradentes foi falsificada, pois “remete a um herói sem causa e possivelmente sem caráter, um Macunaíma sem méritos dignos de nota ou, na melhor das hipóteses, um doidivanas”. 


Aqui transcrevo as questões levantadas pelo pesquisador brasileiro em relação a essa história:


 

“Luís Antônio Furtado de Castro do Rio de Mendonça e Faro, visconde de Barbacena, governador de Minas Gerais a partir de 1788, ao ser informado de falas revolucionárias atribuídas a Joaquim José da Silva Xavier, rui e comentou: 

‘Só se for uma revolução de meretrizes. Deem nesse maroto com um chicote. Ele é um bêbado’. Então por que foi enforcado? Porque era um inconveniente, não no sentido de representar algum perigo às esferas de poder local, muito menos do Brasil ou de Portugal, longe disso. 

Tiradentes era inconveniente por ser um falastrão, um tanto amalucado, que vivia a pregar leviandades contra tudo e todos. A pena por ele recebida, porém, não se justifica. Foi um erro, ato final de uma sequência de erros mal-entendidos.

 

Para entender o processo encerrado no enforcamento e esquartejamento do suposto líder patriota, é preciso colocar a Conjuração Mineira em seu devido lugar.

 Na altura da década de 1780, o ouro e os diamantes escasseavam em Minas Gerais. Em compensação, o contrabando e a sonegação cresciam. 

Fugir do quinto, imposto sobre a mineração, era, evidentemente, interessante para os mineradores, comerciantes e para as autoridades locais, quase sempre envolvidas em ilicitude. Quando não eram possíveis essas saídas, atrasava-se o pagamento.


 
Visando diminuir o problema, a Coroa dava ordens aos sucessivos governadores para a repressão ao descaminho e para a cobrança das dívidas tributárias. 

Em 1783, o ministro da Marinha e do Ultramar, Martinho de Melo e Castro, nomeou Luís da Cunha Menezes para o posto. Cunha Menezes era então governador de Goiás. 

Ao assumir o novo cargo, em Vila Rica, capital de Minas Gerais, ele afastou de posições de mando alguns próceres da terra, como o administrador Cláudio Manoel da Costa e o poeta e ouvidor Tomás Antônio Gonzaga, gerando grandes insatisfações.

 


Os que se acharam prejudicados na nova ordem de Cunha Menezes passaram a acusá-lo como corrupto, líder ele próprio, de uma corja de contrabandistas. 

Não por esses protestos, alardeados à voz baixa ou escritos em poesias não dadas à publicação, mas pela ineficácia do governador, incapaz de manter a arrecadação de impostos nos níveis anteriores, resolveu Melo e Castro nomear o visconde de Barbacena, homem tido e havido como de muitos predicados, intelectual de grande respeito, para substituí-lo no governo de Minas.

 


Correu então em Vila Rica o boato de que Barbacena vinha para proceder à derrama, à cobrança de todas as dívidas tributárias vencidas, e combater com vigor o contrabando. 

Alguns dos mineradores, militares de alta patente e eclesiásticos passaram a se reunir com o fim de organizar um levante, caso houvesse mesmo a derrama, tendo como lema a restauração do status quo ante, tempos do Marquês de Pombal, liberal e pródigo em concessões à nobreza da terra, o poder local.

 

Tomás Antônio Gonzaga, líder civil dos conspiradores, tentou envolver os camaristas de Vila Rica na revolta, mas não obteve respaldo. Sua pregação fez mais sucesso entre os militares, entre eles o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, filho natural de um membro da alta nobreza lusa. 

Na casa desse último, ocorreram algumas reuniões, onde as divagações eram muitas, mas não se chegou, até onde sabe a historiografia, a se preparar um plano concreto e crível de rebelião.

 

Tiradentes entra na história nesse momento. Chegando do Rio de Janeiro, onde tentara sem sucesso instalar, à custa do Tesouro e na condição de concessionário, uma moenda de grãos, o alferes (patente mais baixa do oficialato) procurou o colega de farda e deu conta de ter arregimentado importantes apoios no Rio de Janeiro para a causa da restauração. Era mentira, se veria depois.

 

Freire de Andrade não acreditou muito na história contada por Joaquim José, um boêmio falastrão que ninguém levava a sério, pouco letrado e dado a empreendimentos fracassados. 


Até ali também não fora Tiradentes admitido na conspiração, não seria chamado por nenhum dos líderes, antes nada por sua pouca serventia em caso de rebelião efetiva. Não tinha liderança entre os colegas de arma nem credibilidade junto a quem quer que fosse. 

Talvez tivesse alguma junto às prostitutas que visitava com frequência, a quem prometia cargos na ‘república’, a ser instalada pelos revoltosos, em troca dos serviços delas. Mas, julgaram Freire de Andrade e outros que, se Tiradentes sabia de algo, melhor tê-lo no grupo, sob controle.

 

Muito antes desse momento, em fevereiro de 1788, sem ter ainda assumido efetivamente o governo de Minas, Barbacena recebera carta de Melo e Castro, em que esse recomendava que ‘se fosse causar sérios distúrbios entre os moradores da capitania’, não se fizesse derrama alguma. […] 


Em 22 de março de 1789, Barbacena dirigiu-se às câmaras da capitania, deixando claro que derrama não haveria. Apertasse-se o cerco ao contrabando e era o bastante. 


Àquelas alturas, já sabia da conjuração, liderada por Gonzaga, que, nomeado desembargador para a relação da Bahia, adiava a partida. Tiradentes era um dos que falava em rebelião por todo canto. Até aí, não seria levado a sério. Mas outros também falavam, e o burburinho deu conta de o ato de cancelamento da derrama ser uma reação à conspiração.

 

Cauteloso, Joaquim José pediu licença e um adiantamento pecuniário a seu superior e partiu rumo ao Rio de Janeiro, acompanhado de seu escravo mulato. 

No caminho, pregou a rebeldia, insistindo sempre no termo ‘restauração’ e ‘república’. Uma vez na capital do Brasil, passou a ser seguido por dois homens e temeu por sua vida. 

Pediu então o auxílio de amigos para uma fuga e enquanto não vinha a autorização para se instalar no sítio, ocultou-se na casa do amigo de um amigo na zona urbana. Ali foi preso, em meados de maio de 1789, sem resistência.

 

Antes, em março, tivera lugar em Vila Rica a última reunião entre os conspiradores, concluída com a triste observação de Tomás Antônio Gonzaga:

 ‘A ocasião para isso perdeu-se’. Tiradentes foi preso por insistência do coronel Joaquim Silvério dos Reis junto ao vice-rei. […] Naquele tempo, as autoridades coloniais não perdiam a oportunidade de mostrar serviço à rainha. 


Era como se dissessem à Corte, à época sobressaltada pela recente independência dos Estados Unidos da América: ‘Vejam o perigo que habilmente debelamos e rigorosamente haveremos de julgar’.

 

[…] Assim se fez no Rio, em maio, e em Vila Rica, em junho. […] O inconveniente, o maluco, o falastrão, o covarde, afinal fora o primeiro a dar no pé de Vila Rica quando ficou claro que Barbacena sabia das conversas conspiratórias”.

Educação como base para base alguma 


 














Um fator que mistifica a imagem do brasileiro tanto para ele próprio quanto para o mundo é a educação. Na verdade, a falta dela. 


Os últimos dados divulgados em relação ao Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) mostraram que o Brasil amarga a 58ª posição entre os 65 países avaliados. 


O Pisa avalia estudantes de 15 anos a cada triênio para analisar até que ponto aprenderam conceitos e habilidades consideradas essenciais para participação completa nas sociedades modernas –– matemática, leitura e ciência.

 

O resultado dos brasileiros foi: 391 pontos em matemática, 410 em leitura e 405 em ciência. China e Xangai, os primeiros colocados, alcançaram 613, 570 e 580 nos mesmos quesitos, respectivamente. 

Esses dados ainda não haviam saído quando o livro de Aurélio Schommer foi publicado. Porém, servem de base para introduzir a discussão que ele pontua em sua obra. A de que os problemas educacionais brasileiros não estão em sua origem.


 

Para ele, a fundação do Brasil, embora preceda o debate sobre a conveniência de suprir de letras a totalidade da população, é marcada por constantes esforços nesse sentido, sobretudo nos dois primeiros séculos. 

Ressalta-se, por exemplo, o Regimento de Tomé de Sousa, escrito por Dom João III em 1548. Suas ordens eram para levar a civilização ocidental aos nativos em sua integridade, incluindo a catequese e a educação. 

O esforço deveria ser estendido até aos escravos, pois escravos letrados valiam mais. Obviamente, as ordens do rei não foram bem cumpridas. Os jesuítas tentaram. Marquês de Pombal, com seu pensamento iluminista, também. Mas…

 

Em 1900 –– 352 anos após o Regimento ––, segundo Schommer, 65% da população brasileira acima de 15 anos era analfabeta. Contudo, a situação de Portugal não era muito distinta. Pelo contrário, pior. Em 1911, o índice de analfabetismo era de 75,1% caindo muito pouco nos anos que se seguiram. 

Tanto é que em 1930, 67,8% da população portuguesa ainda não era letrada. Assim, conforme aponta o pesquisador, não se pode falar em vício de origem para os problemas da educação brasileira. Então, onde e quando o Brasil ficou para trás?

 

“O brasileiro era ignorante porque aprendia menos, ou aprendia menos por que sua ignorância era um vício genético e cultural? Valia a pena insistir no jeca tatuzinho? 

Tanto os intelectuais quanto os jecas tatuzinhos tendiam a responder não à pergunta. Para que insistir em repetidos fracassos? O contraste com certas comunidades imigrantes reforçou o traço autodepreciativo e fatalista: o brasileiro não levava jeito para a coisa. 

Se alguém virasse os olhos para a lastimável situação de Portugal na primeira metade do século XX, talvez emendasse: ‘Estão vendo? Quem descende dessa ‘raça’, além de tudo, aqui no Brasil, misturada à bugrada, não pode mesmo querer ser doutor”.


 

Aqui surgem alguns pontos, que, segundo Schommer, valeram ao Brasil o 58° lugar no ranking Pisa. 

O quadro geral do país era de pessoas mais interessadas em conquistas materiais que intelectuais –– salvo alguns que efetivamente se encaminhavam aos estudos na Universidade de Coimbra, já que no Brasil, as universidades só surgiram sistematicamente no século XX. Mas a transformação do Brasil numa “nação de ignorantes” começou a tomar forma após a independência.

 

Comecemos pelo fator mais levantado por grande parte dos analistas da educação brasileira: o ensino superior e a falta de educação técnica. Schommer diz: “No ano de início do processo de separação Brasil-Portugal, 1822, existiam 26 universidades na América hispânica. 


No Brasil, nenhuma. A primeira a ter continuidade surgiria quase 100 anos depois, a Universidade do Rio de Janeiro, em 1920. A comparação, porém, é enganosa. 

O Brasil esteve representado em Coimbra durante todo período colonial e seria um brasileiro, Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, quem estaria à frente da modernização daquela universidade a partir de 1772, sendo dela reitor por longos períodos até 1821.”


 

Além disso, o pesquisador aponta que cursos superiores já funcionavam no Brasil desde pelo menos 1671. Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco e Vila Rica –– Ouro Preto (MG) –– sediaram cadeiras de economia, medicina e engenharia, entre outras, entre 1808 e 1821. “Até Paracatu, no noroeste de Minas, teve sua escola superior de filosofia e retórica instalada nesse período”, relata. 

Contudo, mesmo após a inauguração da Universidade do Rio de Janeiro, apenas a Universidade de São Paulo (USP), criada em 1934, se preocuparia com o desenvolvimento da pesquisa e “com a quebra do paradigma dos departamentos estanques, isolados”.
 


Dessa forma, para Schommer, se Portugal não tinha o melhor ensino superior do velho continente, também não fazia feio. “E a elite brasileira ali formada não pecava por falta de erudição e espírito científico no final do período colonial em comparação com as elites das demais paragens do Ocidente”. 


Faltava-lhe, porém, formação técnica-industrial. O pesquisador conta: “Na Bahia e Pernambuco, na década de 1870, o uso de arado era raro, a adubação inexistente e a produtividade dos banguês, tecnologia do século XV, e engenhos a vapor declinava. 

O governo imperial resolveu financiar então os modernos engenhos centrais, liberando crédito de até 60 mil contos de réis. Foram instalados 87 engenhos centrais, dos quais só restavam 12 em funcionamento em 1889. 

Diversos problemas afetaram a iniciativa, um dos maiores, como era de se esperar, foi a falta de mão de obra especializada. Em 1890, surgiram as usinas de açúcar, mas os banguês só viriam desaparecer depois de 1950”

 

Apenas em 1942 surgiria o ensino técnico ligado diretamente à indústria: o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), “desde o início voltado à busca de novos conhecimentos no exterior, enviando técnicos para serem treinados fora”, diz o escritor. 

Aliás, caminho esse adotado pelos governos nas décadas de 1960 e 1970, quando enviaram brasileiros pelo mundo para fazer pós-graduações, especialmente nas áreas de exploração de petróleo, pesquisas agropecuárias e design de aviões.

 

“Não por acaso, tempos depois o país passou a dominar tecnologias de ponta nas três áreas. No caso da aviação, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica –– ITA, que começou a se formar em 1939, com o Curso de Engenharia Aeronáutica, atuou como multiplicador de conhecimentos e formação de profissionais locais. É a joia da coroa de uma tradição iniciada ainda no governo de Dom João VI com as escolas militares de engenharia”.


O contraponto com as escolas de imigrantes


 

O que também ajudou bastante na cultura depreciativa do Brasil em relação à educação foi o bom desempenho das escolas fundadas pelos imigrantes na colônia portuguesa. 

As três etnias que mais instalariam escolas privadas e comunitárias por aqui, embora minoritárias quando comparadas com os italianos e portugueses, seriam os alemães, japoneses e poloneses. “Eles não esperaram providências do estado”, conta Schommer.

 

Segundo ele, principalmente os alemães e poloneses foram responsáveis pelo bom desenvolvimento do Sul do país, em que os índices de analfabetismo são pequenos. Nota-se, no caso alemão: “Foram formadas associações de professores, com fins de auxílio mútuo, troca de experiências e edição de material didático. 

As associações acabariam se unindo para formar o RHGK= Ruhe and Hnterbliebene Gehaltskasse, fundo de pensão e aposentadoria. Os imigrantes davam especial atenção à imprensa. 

Em 1938, circulavam 37 periódicos (jornais, revistas, folhas) na comunidade teuto-brasileira, três deles dedicados especialmente à educação”.

 

É importante pontuar que os alemães não são superiores aos portugueses nem geneticamente nem foram originalmente mais letrados. Contudo, nesse caso, sobrou vontade aos alemães onde a faltou aos portugueses. 

E o mesmo ocorreu com os polacos, que igualmente associados esmeraram-se na pedagogia e formação de professores. “Fizeram imprimir diversos livros didáticos e criaram duas escolas para mestres, uma no Paraná, outra no Rio Grande do Sul”.

 

E mais: o pesquisador ressalta que nas escolas comunitárias polonesas no Brasil, o salário dos professores era pago pelos pais. “O valor atribuído pelos imigrantes e descendentes à educação media-se pelo esforço em sustentar os estabelecimentos de ensino, quase sempre com grandes sacrifícios pessoais. É evidente que esses mesmos pais cobravam empenho de seus filhos na escola, não admitindo desleixo ou repetência”.



As mulatas no país do sexo


Mulatas! Ah! As mulatas! Capazes de fazer perder muitos dos seres humanos que tenham mulheres como preferência sexual, independente da etnia ou da nacionalidade. 


Afinal, foram elas até pouco tempo os principais motivos para a vinda de estrangeiros para o país. 


Sexista, talvez, mas uma verdade. Pelo menos ao que aponta o pesquisador Aurélio Schommer. 

O motivo da atração estrangeira pelas mulatas brasileiras é histórico. Porém, a mulata como produto de exportação e a atração de turistas sexuais é recente.

 

Antiga é a visão estrangeira do Brasil como o paraíso do sexo fácil –– não necessariamente pago –– e da prostituição. É nesse olhar em que se baseia o selo da “brasileira puta”, atual na Espanha, em Portugal e outros países europeus. 

Porém, esse selo não corresponde a uma tradição histórica, até porque a prostituição no Brasil não foi especialmente mais difundida que no resto do mundo. “Já o selo ‘brasileira dadivosa’, sim, é histórico, mas não necessariamente verdadeiro”, afirma Schommer.

 

Vamos ao histórico brasileiro nessa área: atualmente, ainda há o entendimento do turista sexual europeu que busca a mulata no Brasil, enquanto o brasileiro prefere a europeia, branca de olhos claros. Esse entendimento já foi maior, mas ainda persiste. 

Analisemos a febre do ouro em Minas Gerais e Goiás, para onde veio a imensa massa masculina saída da metrópole para o sonho da fortuna fácil. 

Que lugar mais propício haveria para prosperar na profissão mais antiga do mundo? Fato curioso é que não havia bordéis no Brasil até o século XVIII. Para isso existiam as propriedades rurais autônomas, isoladas e autossuficientes em opções eróticas.

 

“Neles e nos pousos de viajantes, abundavam os alcoviteiros e alcoviteiras, hábeis em providenciar mulatas desde o momento em que começaram a existir mulatas, no final do século XVI. 

Havia também as casas de alcouce, que podiam ser residências de mulheres pobres ou forras ou estabelecimentos comerciais de secos e molhados ou tabernas, cujos proprietários exploravam a prostituição alheia como forma de aumentar suas rendas. 

Por serem discretos, passaram a ser muito procurados. Existiam nas vilas e nos povoados”.
 


Schommer aponta que na Cidade de Goiás –– à época, Vila Boa ––, em 1753, a Inquisição registrou o caso de Domingas “preta forra”, “que exigia de sua cativa jornal de três oitavas de ouro por semana, obtidas em troca de serviços sexuais, o dobro do que ganharia em outras atividades eventuais. 

Ela foi denunciada porque chamava a atenção da sociedade local o fato de a maioria dos clientes serem negros. Se fossem brancos, talvez não houvesse tanto incômodo”.

 


Casos assim eram comuns nas regiões de garimpo, principalmente em Minas Gerais, onde os migrantes portugueses e brasileiros mergulharam no apelo sexual de africanas, crioulas e pardas. Esse fator foi o responsável por transformar Minas Gerais em uma sociedade profundamente mestiçada. 

“Elas [as negras] souberam transformar tal apelo em trunfo, obtendo não apenas um grande número de alforrias, como mobilidade social para negros e mulheres”, diz o escritor.

 


A propensão nacional –– e internacional –– pela beleza da mulata virou negócio, efetivamente falando, nas décadas de 1960 e 1970, quando a estatal Empresa Brasileira de Turismo (Embratur) tratou de espalhar fotos das mulatas em biquínis tamanho nacional –– “o menor padrão conhecido do mundo” –– por vários países. 


“Estava lançado o turismo sexual de massa no Brasil e, na mão inversa, as portas da Europa abriram-se para as brasileiras e seus alardeados dotes, não apenas o corpo perfeito, mas o arsenal de manhas eróticas, fazendo concorrência às espanholas, italianas e francesas, antes detentoras exclusivas da mesma fama em terras nórdicas”.
 


Daí veio o pensamento e a má fama da brasileira no exterior –– que acaba reforçada pelo carnaval. Porém, pensar que todas as brasileiras são prostitutas é o mesmo que imaginar macacos andando pelo país, como dito pelo jornalista italiano. 

O mesmo é imaginar que as brasileiras são infiéis, embora, assim como o outro estereótipo, também haja motivos históricos para isso. Mas não só as mulheres.

Fornicação, mestiçagem e os pardos brasileiros


 


“A cultura impõe ao homem a busca de uma mulher semelhante para esposa, enquanto a biologia move-o à busca da mulher diferente para uma noite só”. Teria então uma explicação biológica para a suposta infidelidade conjugal exacerbada no Brasil oitocentista e que acabou impregnando a cultura do país –– pelo menos na visão dos estrangeiros? 

É certo que a regra, desde o Brasil Colônia era o casamento entre iguais: ricos brancos com ricas brancas; pobres brancos com pobres brancas; mamelucos com mamelucas, índias ou mulatas; pardos com pardas; libertos com libertas; e escravos com escravas. Pelo menos quando se tratava de matrimônios oficializados.

 

Porém, essa lógica não explica o grande número de pardos que nasceram desde sempre por aqui. Isto é, se brancos só se casavam com brancos, como surgiram os pardos? 

Aqui entram os fatos apresentados por Schommer no capítulo “Sexo”. Segundo ele, a genética humana impele à exogamia, pois “o sexo entre portadores de genes não aparentados é mais gostoso”. 

A razão natural seria simples: sistemas imunológicos diversos levam à geração de indivíduos mais fortes. Por isso, no primeiro censo brasileiro, realizado em 1872, conta quase 10 milhões de habitantes, sendo 38,28% pardos e 3,9% mamelucos, embora esses números tenham sido provavelmente subdimensionados.

 


A razão para o surgimento de tantos pardos é, aparentemente, óbvia: senhor possuindo a escrava. De fato, isso ocorria, assim como estupros. 

Porém, não era regra. Schommer aponta: “Pelas regras da escravidão negra no norte da África, o filho de uma escrava com outro escravo nasceria escravo, mas o rebento de uma escrava com um homem livre não apenas nasceria livre como a mãe seria automaticamente alforriada. […] 

No Brasil, não era legalmente assim, mas na prática acabava ocorrendo muitas vezes. Então os senhores se fartaram e formaram haréns em seus plantéis de escravas? Não. Por diversas razões.”

 


Isto é, embora os senhores ricos tenham sido pais de gerações de pardos, o grosso dos quase 40% da população brasileira de 1872 não vieram deles. As principais razões:


1) Os grandes proprietários de escravos eram senhores de engenho. Fornicavam regularmente com as domésticas –– na cidade, na casa grande ou no mato. Porém, esses homens poderosos, como os demais brancos e mamelucos, preferiam as mulatas. Schommer reproduz um ditado registrado em Salvador em meados do século XVII: “as brancas são para casar; as negras, para trabalhar; as mulatas, para foder”;
 

2) Nas grandes propriedades rurais, havia dois motivos para um senhor não fornicar com suas cativas, além de eventual inapetência: a necessidade de reproduzir o plantel e garantir a paz na senzala, afinal se estuprasse uma escrava comprometida, poderia se expor a uma rebelião ou um golpe traiçoeiro por parte do escravo comprometido com ela;
 

3) Os mineradores também possuíam muitos escravos, contudo, quase todos do sexo masculino. A solução: compravam negras, que, alforriadas, compravam outras para atender à inevitável demanda. Isso mesmo. As “cafetinas” eram negras.


 

Então, de onde vêm os pardos? Para Schommer, o principal cruzamento entre brasileiros ocorreu onde havia mais brasileiros –– livres ou escravos: nas pequenas propriedades rurais. No Recôncavo baiano, para ficarmos em um exemplo, para cada senhor de engenho havia até 20 pequenos lavradores dependentes do primeiro. Alguns tinham escravas, outros não. Mas é certo que todos ansiavam por companhia feminina. 


Eis a questão: se as mulheres brancas, nesses tempos, eram difíceis até para os ricos, quanto mais para os pobres. Logo, as negras e mulatas livres estavam mais disponíveis e não apenas para os solteiros.


 

“Entre pobres e ricos, no Brasil como em qualquer lugar do mundo, também havia relações extraconjugais, favorecidas no início da colonização pelo grande desequilíbrio entre homens e mulheres”. 


Afinal, “numa terra de viajantes, conquistadores e padres, esparsamente povoada e com mata por todo lado, a ocasião fazia o ladrão”. 

Contudo, não é o fator miscigenação comprovador do título de promíscuo que assombra o brasileiro. 

Miscigenação é um traço de interculturalidade e não de lascívia.  

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