O Ministério da Justiça divulgou há uma semana os números da Pesquisa Nacional de Vitimização, levantamento destinado “a
captar as ocorrências de eventos criminais junto à população com o fim
de comparar os dados oficiais registrados pelas polícias com a
ocorrência efetiva dos crimes, classificando-os por localidade, estrato
social, cor da pele, idade, sexo, renda e outros critérios sociológicos
de mensuração.“
O resultado é terrível, e pode ser baixado aqui.
A
violência em nosso país leva o brasileiro a ter medo de morrer
assassinado e medo de caminhar. E é tamanha a criminalidade que o
brasileiro não se sente nem mesmo motivado a fazer o registro das
ocorrências, o que prova que os números oficiais só não são ainda piores
devido à normatizada e aceita ineficiência do Estado em lidar com
tantos crimes.
Nosso convívio com a criminalidade é tão
cotidiano que dá espaço a mitos amplamente difundidos que, com os dados
da pesquisa, provam-se irreais. Quem nunca ouviu algo como “bandido não
rouba de pobre”, “bandido não rouba o próprio bairro” ou “é bom quando
tem um bandidão no bairro pois ele evita que haja crimes nas redondezas
pra não chamar atenção da polícia”? Esse imaginário idealista do
criminoso só é possível em um lugar em que o crime é visto com
naturalidade.
O levantamento
A pesquisa foi bastante abrangente, ouviu “78 mil entrevistados em 346 municípios no período de junho de 2010 a maio de 2011 e junho de 2012 a outubro de 2012.”
Logo na abertura da apresentação da pesquisa, lê-se que “32,6%
dos brasileiros que vivem em cidades com mais de 15 mil habitantes
dizem ter sofrido ao longo da vida algum dos 12 tipos de crimes ou
ofensas contemplados na Pesquisa Nacional de Vitimização.”.
Isso só
confirma o que já estava claro há muito tempo: a criminalidade não é
gerada pelos bolsões de pobreza das áreas metropolitanas, mas um mal
endêmico espalhado por todo o território nacional.
Não que isso vá mudar
a cabeça de bagre dos pensadores de segurança pública brasileira mas é
mais uma evidência gritante de que as “desigualdades” ou “disparidades”
sociais não são os fatores preponderantes neste triste fenômeno.
A ocorrência ou percepção dos crimes vem
aumentando pois 21% afirmam que o crime de que foram vítimas aconteceu
por pelo menos uma vez nesse período (últimos 12 meses). Esses números
chegam a 46% no Amapá e 35,5% no Pará.
Desses crimes, 14,3% foram agressão ou
ameaça nos últimos 12 meses. Os crimes aconteceram 38,3% dentro de casa e
33,3% na rua onde a pessoa mora. Agressões de policiais respondem por
2,2% das reclamações.
Dado impressionante é o de que 80,1% dos
12 tipos de crimes pesquisados que as pessoas declararam ter sido
vítimas, não foram notificados. Na Bahia, apenas 13,7% das pessoas que
se dizem vítimas de algum crime o notificaram à Polícia. No Rio de
Janeiro, 14,6%.
Esses números só não são ainda piores pois os roubos e
furtos em automóveis (90% e 69,5%) e motocicletas (80,7% e 70,3%) puxam o
índice de notificação bastante para cima, especialmente pela exigência
das seguradoras.
54,6% das vítimas de assaltos se dizem
satisfeitas com a atuação da Polícia no episódio. Na cidade do Rio de
Janeiro a satisfação com a atuação da polícia atinge 69,4%. 77,6% dos
brasileiros confiam na Polícia Militar, enquanto 79,1% confiam na
Polícia Civil.
Apenas 22,5% dos brasileiros se sentem
muito seguros para caminhar de noite. 45,4% sentem-se muito inseguros
para caminhar por outros bairros de noite.
14,9% dos brasileiros sentem-se
inseguros quando ficam sozinhos em casa. 52% temem ser vitimados por uma
bala perdida e 50,7% estar no meio de um tiroteio. 26,2% temem ser
vítimas de agressões sexuais. 49,6% têm muito medo de morrerem
assassinados.
A violência extrema é coisa totalmente
nossa. As tradicionais e erradas desculpas que buscam numa herança
ibérica ou no imperialismo das grandes potências justificativas para
nossos fracassos não se encaixam por aqui.
Há países mais novos, mais
pobres e mais desiguais que não têm os índices de criminalidade do
Brasil, seguidamente apontado como dos destinos a se evitar no mundo por
motivos de segurança (1, 2 e 3).
Não é normal convivermos com tantos
crimes e termos tanto medo. Isso gera custos imensos, tanto materiais
quanto morais ao espalhar uma cultura de convívio com o crime.
Pensem no
caso de um banco, que tem de investir em segurança armada, câmeras,
empresa de segurança super equipada para vigiar e fazer a retirada de
dinheiro, chumbar os caixas eletrônicos (pois senão os bandidos vêm com
caminhões e até mesmo tratores que retiram todo o caixa do chão) e no
monitoramento do estacionamento.
E, algo que se não é exclusividade do
Brasil, não teria outro lugar para ser mais útil: as “canetas à prova de
roubo” que os bancos deixam disponíveis em seus caixas para que as
pessoas possam preencher cheques e documentos? Isso é normal?
Todos
esses gastos são arcados pelos clientes do banco. Se os gastos de um
banco não sensibiliza, pense então no quanto a segurança toma dos custos
de pequenos empreendedores.
Agora vá adiante e pense no cidadão, mesmo
de periferia, que opta por um monitoramento noturno no bairro,
geralmente feito por vigilantes sem treinamento que apenas passeiam de
motocicleta; que paga seguro do veículo, além de botar alarme ou travas,
e que evita sair e consumir de noite ou em dias em que há pouco
movimento por temer ser assaltado.
Que mesmo dentro de sua casa se sente
inseguro! E quanto à “fuga de cérebros”, promovida por pais de boas
condições financeiras que incentivam seus filhos a estudar fora do país
pela garantia tanto de uma educação de melhor qualidade quanto de uma
passagem pelo período mais exposto à violência (idade universitária) em
lugares mais seguros, geralmente correndo o risco de ver esses filhos
ficando por lá mesmo?
A função mais elementar do Estado é
preservar a vida de seus cidadãos, garantindo-lhes segurança. Estarmos
nesse ponto absurdo, que não aconteceu de repente, mas foi avançando
lentamente ao longo do tempo, mostra que estamos falhando miseravelmente
em tudo.
O que tem sido feito para dar mais segurança aos brasileiros?
Há alguma ação emergencial ou de longo prazo com potencial de nos tirar
desse poço sem fundo?
Além dos discursos óbvios pré-eleitorais, que
prometem sempre “mais inteligência, ação integrada entre as polícias e
vigilância nas fronteiras”, o que tem sido feito ou proposto para
melhorar a segurança dos brasileiros?
Estamos prestes a entrar em ano
eleitoral, ou seja, a melhor época para pressionar políticos, a única em
que eles estão abertos a ouvir e conversar com eleitores – ainda que na
maioria das vezes o façam apenas de forma protocolar e falsa.
Negar o
tamanho do problema ou negligenciar a área com propostas vazias ou
discursos ideológicos ultrapassados, que vêm falhando no país há anos,
deve ser um dos critérios mais fundamentais na escolha de deputados,
senador, governador e presidente.
Ao contrário do vencedor bordão
eleitoral de tantos anos atrás, a esperança está perdendo de muito para o
medo da violência.
Lembro da situação de assalto com uma amiga, não levaram nada de mim, mas dela levaram celular e mp3. Nada de muito valor né? E quando falei em ir na delegacia, ela perguntou “Por quê?”. Ai falei que era o certo e o mínimo a se fazer era registrar o RO na delegacia, para que aquele tipo de crime constasse nas estatísticas para que possamos cobrar das autoridades uma ação efetiva.
Mas do jeito que fomos tratados na Delegacia, já sei que nada seria feito, pois deve dar muito trabalho para a Polícia Militar e a Polícia Civil fazerem o trabalho delas.