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Por Sérgio Paulo Muniz Costa* – Diário do Comércio 15/04/2014
Nas
últimas semanas, consumou-se o linchamento midiático agendado para o 31
de março de 2014. O noticiário e a atitude acrítica da sociedade
cristalizaram um veredicto sobre 1964. Satisfeitos, os operadores do
pensamento já tratam de mudar o cenário, pois a opinião pública
convencida da verdade única deve voltar a ser entretida com a novela dos
escândalos, um grande sucesso de audiência protagonizado pelos
insuperáveis canastrões da política brasileira.
Entretanto, a encenação das últimas semanas, mais do que um logro ou um
embuste, foi peça de curto enredo e de não muitos atores, com os
elementos de uma comédia de costumes: uma farsa, por qualquer acepção da
palavra. Seu grande sucesso não se deu nos aplausos dos néscios que
costumam consumi-las, mas na sua aceitação pelo pensamento brasileiro.
A falsidade que devia ser tomada por um farsalhão, foi, na verdade, uma farsada, com farsistas, farsantes e farsantas em cena.
Nessa peça de um ato só, a esquerda revolucionária se apropriou de
quase toda História do Brasil no século XX, uma conclusão da qual poucos
discordarão, mas que pouquíssimos assumirão. Afinal, seria reconhecer,
segundo os termos e pensamento orwellianos, o controle do passado,
presente e futuro pelos atuais detentores do poder. E essa parece ser
uma conclusão a que não nos é permitido chegar, enlevados que devemos
continuar na ilusão de que vivemos numa democracia consolidada.
Nas últimas semanas assistimos a episódios que desmentem essa crença
ingênua de que vivemos num Estado de Direito. Residências e associações
são vandalizadas sob o olhar complacente da polícia, a justificativa da
imprensa e o beneplácito de autoridades. Palavras de opositores são
cassadas em plenário pela imoralidade e amoralidade que dominam nossa
representação política.
Espaços públicos destinados ao conhecimento são
ocupados por milícias patrocinadas e apoiadas pelo governo para
difundirem a não História.
Isso é democracia? Ou se trata da depredação pública e ostensiva dos fundamentos do Estado de Direito no Brasil?
Relativismo e fraqueza se instalam, à medida que escorregamos no
plano inclinado do autoritarismo. Um ex-presidente vem a público pregar
que as Forças Armadas peçam o perdão que ele não ousou exigir delas
quando comandante supremo. Um senador da oposição pede, pateticamente,
que o governo deixe a oposição cumprir o seu papel. Personalidades que
há poucos anos se notabilizaram por sua oposição à politica
governamental enxergam, agora, um quadro róseo do País.
Nas redações dos jornais e periódicos, sem a menor cerimônia, ideias
contrárias à interpretação hegemônica do passado recente do País são
marginalizadas ou estigmatizadas. Chefes se calam e, em datas
emblemáticas, consentem o esvaziamento de sua autoridade e a
desmoralização das instituições que representam. Todos alimentando a
esperança de uma sobrevida que, no íntimo, sabem que lhes é tacitamente
negada.
Com isso, a vitória alcançada há quarenta anos pelas Forças Armadas
brasileiras nos campos, selvas e cidades contra um inimigo interno
financiado, treinado e orientado por potências estrangeiras é anulada
pela chantagem da tortura. Assim, a evolução política que o País
alcançou nos últimos 50 anos é negada pela invenção da ditadura, uma
esperteza da esquerda que construiu, e continua a construir, carreiras e
fortunas.
Mas não é a primeira vez que o Brasil despreza os sacrifícios e as
vitórias de seus militares. Mais uma vez, a política brasileira olvida a
História, ignorando contextos e significados de acontecimentos cruciais
para a evolução de nossa sociedade.
Há mais democracia hoje do que existia em 1995?
Durante esses vinte anos, desde a aplicação do conto do vigário da
responsabilização do Estado até a presente perseguição ilegal de
pessoas, passando pela desconstrução da atual República mediante a
tentativa de ocultamento do mensalão, o lançamento do PNDH-3, as muitas
afrontas às instituições e a proliferação das comissões da "verdade"
temos mais transparência, participação e responsabilidade na
administração da res publica?
Enfrentando essas questões, poderíamos
decifrar o enigma da presente farsa.
Mas isso parece estar num futuro distante.
Até lá, a única oposição ao que se passa no País haverá de ser moral, no recôndito das consciências individuais.
Sérgio Paulo Muniz Costa é historiador
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