Na manhã da segunda-feira, dias após o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva ter convocado os petistas a defender a Petrobras das mais
graves acusações de corrupção na história, a presidente Dilma Rousseff
trocou o discreto tailleur preto da Presidência pela clássica jaqueta
laranja da estatal.
Deixou a labuta no Planalto para fazer campanha no
Porto de Suape, em Pernambuco. Numa cerimônia montada às pressas para
lançar ao oceano o navio Dragão do Mar, Dilma defendeu incisivamente a
Petrobras. “Não ouvirei calada a campanha negativa dos que, por proveito
político, não hesitam em ferir a imagem desta empresa que nosso povo
construiu com tanto suor e lágrimas”, disse, zangada.
“Nada, nem
ninguém, conseguirá destruir (a Petrobras). Com o apoio de todas as
pessoas, a Petrobras resistiu bravamente às tentativas de desvirtuá-la,
reduzi-la e privatizá-la.” ...
A jaqueta laranja que Dilma ostentava ao discursar já deu orgulho aos
brasileiros. Quem não teria orgulho da maior empresa do Brasil, a 13ª
produtora de petróleo do mundo e líder inconteste na exploração de óleo
em alto-mar? Hoje, é a mesma jaqueta de Paulo Roberto Costa, o
ex-diretor da Petrobras preso pela Polícia Federal (PF), acusado de
comandar um dos mais vastos esquemas de corrupção já descobertos na
estatal, um sujeito mantido no cargo por um consórcio entre PT, PP e
PMDB, com o aval de Lula, que o chamava de “Paulinho”.
A mesma jaqueta
de Nestor Cerveró, o ex-diretor internacional da Petrobras que, indicado
por PT e PMDB, é agora acusado de ser o artífice do desastre conhecido
como “operação Pasadena”, em que a estatal desembolsou US$ 1,2 bilhão
por uma refinaria nos Estados Unidos comprada um ano antes por US$ 42
milhões.
A jaqueta laranja não é mais a mesma. Nem a autoridade política de
Dilma, após ficar claro que ela avalizara a compra da refinaria Pasadena
em 2006. Somente agora, tantos anos depois, ela se disse enganada pela
diretoria da Petrobras, acusada de não ter explicado corretamente os
termos do negócio. Como fica a imagem de gestora competente, marca de
Dilma, assim como a jaqueta laranja é a marca da competência da
Petrobras?
A combinação das duas imagens pareceu fora do lugar. Tudo ali
estava fora do lugar. O navio Dragão do Mar fora construído pelo
Estaleiro Atlântico Sul, uma sociedade entre as empreiteiras Camargo
Corrêa e Queiroz Galvão, ambas suspeitas de pagar propina para conseguir
contratos na Petrobras, segundo a PF investiga na Operação Lava Jato.
Nos últimos dias, Maria das Graças Foster, presidente da Petrobras, e
Nestor Cerveró, ex-diretor da Área Internacional, foram ao Congresso
Nacional falar sobre o caso da refinaria Pasadena. Eles divergiram. Para
Graça Foster, “o negócio originalmente concebido tornou-se um
investimento de baixo retorno sobre o capital investido.” Para Cerveró,
“foi um bom negócio, sem dúvida”. É útil relembrar a cronologia da
transação. Em 2004, a empresa belga Astra comprou o controle acionário
da refinaria Pasadena, no Texas, por US$ 42,5 milhões.
A Astra pagou
dívidas antigas, fez investimentos e vendeu 50% da refinaria à Petrobras
por US$ 360 milhões. Havia no contrato uma cláusula segundo a qual, em
caso de divergência entre os sócios, a empresa divergente deveria
comprar a parte do outro. Tal divergência ocorreu em 2008, e a Astra fez
uma proposta para vender a refinaria à Petrobras. A Petrobras decidiu
não pagar e entrar na Justiça. Perdeu – e foi obrigada a pagar uma
indenização de US$ 639 milhões.
O prejuízo, já grande, poderia ter parado por aí. Bastava à Petrobras
ter feito um acordo com a Astra. De acordo com documentos inéditos
obtidos por ÉPOCA, a Astra estava disposta a negociar. Em vez disso, a
Petrobras preferiu entrar na Justiça outra vez. Perdeu de novo – e o
prejuízo para o acionista subiu a US$ 1,2 bilhão.
COMO UM MAU NEGÓCIO SE TORNOU UM NEGÓCIO AINDA PIOR
Até julho de 2009, o negócio de Pasadena era apenas ruim para a
Petrobras. Depois, se tornou desastroso – quando não suspeito, tamanha a
sequência de más decisões tomadas no curso de muitos anos. Até ali,
havia um prejuízo de US$ 639 milhões com uma refinaria que para nada
servia, a não ser enriquecer advogados contratados para defender a
Petrobras na Justiça americana. E enriquecer também ex-funcionários da
Petrobras que foram trabalhar na Astra. Somente os advogados contratados
pela Petrobras já haviam cobrado US$ 3,9 milhões em honorários. Mesmo
perdendo.
A Astra, segundo executivos ouvidos por ÉPOCA, já estava satisfeita com
a indenização. Havia outros processos na Justiça americana sobre o
mesmo caso, mas a Astra, de acordo com executivos ligados a ela, estava
disposta a fazer um acordo para encerrar o assunto. Não interessava
extrair, nos tribunais, todo o dinheiro possível da Petrobras. Como uma
trading, a Astra pretendia fazer mais dinheiro vendendo petróleo, nos
anos seguintes, à própria Petrobras. E a manutenção de um longo e
desgastante litígio contra a Petrobras, um dos gigantes do petróleo
mundial, também afetava as outras relações comerciais da Astra, com
empresas no mundo todo. Segundo esses executivos, a Astra não apenas
poderia aceitar fazer um acordo. Ela queria fazer um acordo.
Se a Astra queria encerrar o assunto, quem poderia sair ganhando caso a
Petrobras continuasse brigando nos tribunais? E, ainda por cima,
brigando com poucas chances de se livrar do prejuízo de US$ 639 milhões –
mas com chances razoáveis de aumentar substancialmente esse valor? Sem
dúvida, os advogados contratados para prolongar essa briga. Quanto mais
tempo e mais processos, mais honorários milionários para eles. Não
parece fortuito, portanto, que a decisão de prolongar a disputa judicial
tenha partido, na Petrobras, de um grupo de advogados. Ao menos
oficialmente.
No dia 9 de julho de 2009, segundo documentos internos da Petrobras, o
chefe do Jurídico Internacional, o advogado Carlos Borromeu, defendeu,
perante a diretoria da empresa, que a Petrobras continuasse brigando com
a Astra nos tribunais americanos. O departamento jurídico da Petrobras,
como acontece na maioria das empresas, tem tal peso que raramente uma
decisão é tomada em desacordo com a opinião dos advogados. Tem peso
também, por óbvio, para escolher que advogados serão contratados para
ajudar nos processos. Na Petrobras, os advogados reportam-se diretamente
ao presidente – suas carreiras dependem dele. Naquele momento, o
presidente era o petista José Sérgio Gabrielli, aquele que aprovara,
anos antes, a compra da refinaria. E que, até hoje, defende o negócio.
Naquele dia de julho, Borromeu deveria estar em baixa. Fazia pouco
tempo que uma corte arbitral dos Estados Unidos decidira que a Petrobras
deveria pagar à Astra a indenização de US$ 639 milhões. Borromeu, sem
se abalar pelo prejuízo que ele e seu departamento não haviam conseguido
evitar na Justiça, disse aos diretores que a postura da Astra era
“belicosa”. Disse também que a estratégia mais inteligente consistia em
“prosseguir litigando” com os belgas. Por quê?
Segundo os cálculos apresentados por Borromeu à diretoria, a que ÉPOCA
também teve acesso, eram mínimas as chances – 30%, para ser exato – de
que a Astra aceitasse um acordo. Borromeu não explicou como chegara a
esse percentual. Em contrapartida, argumentou, havia uma chance de 50%
de que a Petrobras estancasse os prejuízos se continuasse nos tribunais.
Logo, a decisão mais sensata era “prosseguir litigando”.
Para diretores que estavam na reunião, e altos executivos da Petrobras
que entendiam do caso, os percentuais não faziam sentido. Estavam, na
mais benigna das hipóteses, invertidos. O mais provável era que a Astra
topasse um acordo. E, diante do tamanho do prejuízo que a derrota final
da Petrobras nos tribunais americanos significaria, era preciso
articular esse acordo. Gabrielli estava inflexível – não se sabe se por
convicção pessoal, se por influência dos advogados ou se por ordens
superiores. Como presidente, tinha poder para decidir que “sugestão de
encaminhamento” seria feita ao Conselho de Administração, presidido por
Dilma. Gabrielli comprou o argumento de Borromeu.
Procurado por ÉPOCA, Gabrielli afirma que “a disputa judicial buscava o
melhor resultado para a Petrobras”. “As diferenças entre os sócios eram
sobre procedimentos operacionais e o tamanho do investimento a
realizar”, diz ele. “Buscamos explicitar as diferenças entre a disputa
arbitral sobre essas questões e a judicial, que era o exercício do ‘put
option’.” Pasadena foi um bom negócio? Gabrielli afirma que a resposta é
“sim” para o momento da compra, mas não teria sido sob o cenário de
2008 a 2012. “Vale lembrar que a refinaria está em operação todos esses
anos e, devido à disponibilidade de petróleo leve e barato no Texas,
especificamente no campo de Eagle Ford, atualmente é lucrativa, ainda
que a Petrobras não tenha realizado os investimentos para capacitá-la a
processar petróleo pesado”, diz. Ele sustenta que as cláusulas omitidas
do Conselho de Administração – a “put option” (sobre a opção de venda) e
“marlim” (referente ao petróleo brasileiro) – não são as responsáveis
por transformar um bom negócio no momento da compra, em 2006, em
aparente mau negócio no cenário que vai de 2008 a 2012. “Nesse período, o
mundo mudou, descobrimos o pré-sal e o planejamento estratégico da
Petrobras acompanhou as mudanças”, diz. Quanto à cláusula “marlim”, que
garantiria a rentabilidade de 6,9% à sócia da Petrobras no caso de
duplicação da capacidade de refino, ela é inócua. “Como não houve o
investimento previsto – e essa é a razão da disputa judicial com a Astra
–, ela não é válida. Isso foi reconhecido pela Justiça americana.”
Na época da reunião da diretoria, Cerveró não era mais diretor
internacional da Petrobras. Pelos bons serviços prestados ao PT e ao
senador Renan Calheiros, que também o apadrinhava, fora realocado para a
Diretoria Financeira da BR Distribuidora, uma das principais
subsidiárias da estatal. Em depoimento ao Senado nos últimos dias, Graça
Foster deu a entender que Cerveró fora rebaixado em virtude do mico
Pasadena. Nem tanto. É como se Cerveró deixasse de dirigir uma Ferrari
para pilotar um Jaguar – e com o mesmo combustível BR. A Ferrari agora
estava nas mãos de Jorge Zelada, apadrinhado pela bancada do PMDB na
Câmara. Era ele que, ao lado de Paulo Roberto Costa, pilotava o bólido
mais veloz da Petrobras, tinha de dar explicações e resolver o
problemaço que se tornara Pasadena. Ambos discordavam do cavalo de pau
proposto pelo jurídico da Petrobras – e aprovado por Gabrielli.
Os técnicos abaixo deles, também. Nos relatórios internos obtidos por
ÉPOCA, eles criticam o resultado da reunião e a posição de Gabrielli.
Parte desse material já foi publicado por ÉPOCA – mas a íntegra dos
documentos agora revelados detalha os bastidores que levaram a Petrobras
a ter ainda mais prejuízo com Pasadena. “Após a explanação (do
advogado), resolveu a Diretoria apresentar ao Conselho a sugestão de não
negociar-se com a Astra e sim prosseguir com a ação na Corte”,
escreveram os executivos da área de Abastecimento. “A razão que fez com
que a Diretoria optasse pelo prosseguimento da ação ao invés do acordo
deveu-se principalmente pela alegada ‘prepotência’ com que a Astra vem
se colocando frente à Petrobras e, segundo colocado na Diretoria, nunca
ter havido de parte da Astra uma manifestação de desejar o acordo.”
Eles preferiam o acordo. E tinham argumentos, não apenas legais, para
isso. Um deles: “O fato de pessoa altamente credenciada da Astra e
membro do seu Board ter procurado uma aproximação para início de
entendimentos com a Petrobras”. Em seguida, deixando de lado a dita
prepotência dos executivos da Astra, os técnicos afirmaram o óbvio: o
acordo significava menos prejuízo num negócio que, use-se lá qual
fórmula matemática, já era um mico. “Caso no litígio a Petrobras perca, o
custo total irá para cima de US$ 1 bilhão, acrescidos de honorários de
sucumbência. Vale lembrar que a Petrobras já perdeu na arbitragem, e a
possibilidade de perder na Corte é preocupante”, escreveram.
Diante desse cenário, o que propuseram os executivos? “A ministra Dilma
deverá ser procurada para ser informada de que a Astra está procurando
entendimentos, inicialmente por canais informais. (…) Com isto, a
ministra Dilma deveria, na reunião do Conselho da próxima sexta-feira,
comunicar que estão havendo (sic) movimentos de aproximação da Astra com
relação a Petrobras e, com isto, o Conselho daria um prazo para que se
consumasse o acordo – ou, aí sim, a partir deste prazo não restaria
outra alternativa senão prosseguir na Corte.”
Os técnicos foram ignorados, os advogados prevaleceram, e o Conselho
presidido por Dilma tomou, mais uma vez e no mesmo caso, uma decisão
que, sob a luz do presente, revela-se profundamente danosa aos cofres – e
à imagem – da Petrobras. Pode-se argumentar que Dilma e o Conselho de
Administração foram, como no começo do caso Pasadena, mal assessorados.
Que não tinham acesso às informações necessárias para tomar a melhor
decisão possível em favor da Petrobras.
Os técnicos abaixo deles, também. Nos relatórios internos obtidos por
ÉPOCA, eles criticam o resultado da reunião e a posição de Gabrielli.
Parte desse material já foi publicado por ÉPOCA – mas a íntegra dos
documentos agora revelados detalha os bastidores que levaram a Petrobras
a ter ainda mais prejuízo com Pasadena. “Após a explanação (do
advogado), resolveu a Diretoria apresentar ao Conselho a sugestão de não
negociar-se com a Astra e sim prosseguir com a ação na Corte”,
escreveram os executivos da área de Abastecimento. “A razão que fez com
que a Diretoria optasse pelo prosseguimento da ação ao invés do acordo
deveu-se principalmente pela alegada ‘prepotência’ com que a Astra vem
se colocando frente à Petrobras e, segundo colocado na Diretoria, nunca
ter havido de parte da Astra uma manifestação de desejar o acordo.”
Eles preferiam o acordo. E tinham argumentos, não apenas legais, para
isso. Um deles: “O fato de pessoa altamente credenciada da Astra e
membro do seu Board ter procurado uma aproximação para início de
entendimentos com a Petrobras”. Em seguida, deixando de lado a dita
prepotência dos executivos da Astra, os técnicos afirmaram o óbvio: o
acordo significava menos prejuízo num negócio que, use-se lá qual
fórmula matemática, já era um mico. “Caso no litígio a Petrobras perca, o
custo total irá para cima de US$ 1 bilhão, acrescidos de honorários de
sucumbência. Vale lembrar que a Petrobras já perdeu na arbitragem, e a
possibilidade de perder na Corte é preocupante”, escreveram.
Diante desse cenário, o que propuseram os executivos? “A ministra Dilma
deverá ser procurada para ser informada de que a Astra está procurando
entendimentos, inicialmente por canais informais. (…) Com isto, a
ministra Dilma deveria, na reunião do Conselho da próxima sexta-feira,
comunicar que estão havendo (sic) movimentos de aproximação da Astra com
relação a Petrobras e, com isto, o Conselho daria um prazo para que se
consumasse o acordo – ou, aí sim, a partir deste prazo não restaria
outra alternativa senão prosseguir na Corte.”
Os técnicos foram ignorados, os advogados prevaleceram, e o Conselho
presidido por Dilma tomou, mais uma vez e no mesmo caso, uma decisão
que, sob a luz do presente, revela-se profundamente danosa aos cofres – e
à imagem – da Petrobras. Pode-se argumentar que Dilma e o Conselho de
Administração foram, como no começo do caso Pasadena, mal assessorados.
Que não tinham acesso às informações necessárias para tomar a melhor
decisão possível em favor da Petrobras.
Fonte: DIEGO ESCOSTEGUY, COM MARCELO ROCHA, MURILO RAMOS E FLÁVIA TAVARES revista Época - 18/04/2014 - - 10:09:31
BLOG do SOMBRA
BLOG do SOMBRA
Nenhum comentário:
Postar um comentário