Agriculturas irrigadas provocam contaminação por agrotoxicos.
Dossiê mostra que perímetros irrigados violam direitos de comunidades rurais
18/05/2014 11h10
Juazeiro (BA)
Agência Brasil
Um dossiê sobre perímetros
irrigados, nome dado a áreas extensas para a agricultura irrigadas a
partir de cursos artificiais de água, vincula-os a uma série de
violações de direitos das comunidades rurais que convivem com esse tipo
de estrutura.
Entre os impactos mais graves apontados pelo estudo está a
contaminação da água por agrotóxicos, inclusive a destinada ao consumo
humano. Exames médicos feitos em 545 trabalhadores de regiões próximas
ao perímetro, realizados ao longo de um ano e meio, mostraram, ainda,
que 30,3% tiveram quadros compatíveis com provável intoxicação aguda.
Professora Raquel Rigotto alerta para a contaminação da água nos perímetros irrigados “De
24 amostras de água coletada de poços profundos, superficiais e para
consumo humano, todas estavam contaminadas. Em uma delas, foi detectada
contaminação por dez princípios ativos diferentes”, diz Raquel Rigotto,
professora da faculdade de medicina da Universidade Federal do Ceará
(UFC), uma das instituições que participou da elaboração do dossiê.
Os
exames médicos feitos em moradores levaram em conta os critérios da
Organização Mundial da Saúde (OMS), ou seja, se o paciente apresentar
três ou mais sintomas 72 horas após a exposição ao agente químico, a
intoxicação é considerada provável, explica Raquel.
“O mais
preocupante é que 56,5% desses trabalhadores [que aapresentaram
sintomas] não procuravam assistência médica. [Os sintomas] dependem
muito do ingrediente ativo [do agrotóxico]. Pode ser prurido [coceira]
na pele, dor de cabeça, fraqueza, náusea, vômito.”
Além da ameaça
à saúde, a professora critica outras consequências da implantação de
perímetros irrigados, como a desapropriação de terras para a construção
de algumas dessas estruturas. Para ela, embora os perímetros irrigados,
geralmente explorados por grandes empresas do agronegócio, sejam parte
da política do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Denocs),
vinculado ao Ministério da Integração Nacional, não se trata de uma
estratégia acertada.
“[Quando é o caso de desapropriar] sai um
decreto de desapropriação por interesse público, com uma indenização
precária. Algumas vezes, com intervenção do Ministério Público, acontece
um projeto coletivo de reassentamento por meio de um Termo de Ajuste de
Conduta. Mas nem sempre”, comenta. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Apodi, Francisco Edson Neto, diz que 600 famílias serão desalojadas
A
questão da desapropriação é vivenciada no momento por habitantes de
comunidades próximas ao perímetro de Santa Cruz do Apodi, previsto para
ser implantado na porção potiguar da Chapada do Apodi, na divisa entre o
Rio Grande do Norte e o Ceará. Já foram publicados decretos anunciando a
desapropriação de moradores.
A estimativa do presidente do Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Apodi, Francisco Edilson Neto, é que cerca
de 600 famílias serão desalojadas de suas terras, de um total de 2,6 mil
famílias que vivem na região.
As comunidades têm lutado contra a
construção do perímetro, iniciada em 2013. Agricultores e
representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
ocuparam o local onde acontecem as obras. O Ministério Público Federal
analisa o caso.
“A barragem de Santa Cruz [de onde virá a água
para o perímetro] não tem água para irrigar 10 mil hectares [como está
previsto no projeto]. Metade [da água da barragem] está comprometida com
esse projeto. Além das desapropriações, haverá diminuição na quantidade
de água, contaminação. Por que não entregar essa água à agricultura
familiar?”, questiona ele.
Raquel Rigotto acrescenta que, em
comunidades nas quais os moradores não foram desapropriados e tentaram
conviver com os perímetros, houve problemas de elevação na conta de
energia. “Funciona como em um condomínio, em que as despesas são
rateadas. Uma agricultora relatou uma conta de R$ 1,2 mil”.
De
acordo com a professora, a conclusão do dossiê, que fez estudos de caso
sobre os perímetros Baixo Acaraú, Baixo-Açú, Jaguaribe-Apodi, Santa Cruz
do Apodi e Tabuleiro de Russas, é que há violação de sete direitos das
comunidades: direito à terra, à água, ao meio ambiente, ao trabalho
digno, à saúde, à cultura e à participação política.
“O
interessante foi que viemos com os seis direitos violados e eles
próprios identificaram o sétimo direito, à participação política [por
não estarem sendo ouvidos quanto à sua opinião sobre os perímetros]”,
conta Raquel.
Além da UFC, participaram do estudo pesquisadores
da Universidade Estadual do Ceará e da Universidade Estadual Vale do
Acaraú, também naquele estado. Contribuíram ainda a Universidade Federal
do Rio Grande do Norte e a Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte.
O dossiê foi apresentado pela primeira vez durante a
terceira edição do Encontro Nacional de Agroecologia, que acontece até
segunda-feira (19) em Juazeiro, na Bahia.
*A repórter viajou a
convite da Articulação do Semiárido Brasileiro (Asa) e Articulação
Nacional de Agroecologia (Ana) para cobertura do III Encontro Nacional
de AgroecologiaDossi
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