Por Antônio Carlos Lopes
Depender exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) é
mais do que um desafio, é um calvário para cerca de 150 milhões de brasileiros.
O caos da assistência é diariamente retratado em rádios, emissoras de TV,
jornais e demais mídias.
Àqueles que dizem que as coisas não são bem assim, mais um
dado concreto foi apresentado dias atrás. Um levantamento do Conselho Federal
de Medicina em parceria com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da
Câmara dos Deputados (CDHM) mostra, mais uma vez, a face cruel do atendimento
no SUS.
É corriqueiro ver pacientes jogados em macas pelos
corredores ou em colchões sobre o chão, além de outros casos que se assemelham
aos de enfermarias de guerra.
Segundo o CFM, a crise das urgências e emergências é
sistêmica e faltam leitos de Unidade de Terapia Intensiva. São problemas que
estão ferindo a dignidade e os direitos dos cidadãos brasileiros, previstos na
Constituição Federal.
Todos sabemos que a falta de compromisso e vontade política
são hoje as principais chagas da rede pública. Enquanto bilhões vazam dos
cofres públicos, favorecendo a máquina da corrupção, o Governo fecha seu caixa
para investimentos sociais, como saúde, educação e segurança.
Na saúde, aliás, o subfinanciamento crônico é denunciado há
anos por vários setores da sociedade e particularmente pelas representações
médicas, como a Sociedade Brasileira de Clínica Médica, da qual sou presidente.
Faz décadas que a iniciativa privada investe mais recursos
na área do que o Estado. A saúde recebe 8,4% do chamado produto interno bruto (PIB),
Deste montante, 55% são privados (e beneficiam cerca de 46 milhões de pessoas)
e 45%, públicos – para as demandas de todos os 200 milhões de brasileiros.
O Governo Federal progressivamente reduz a destinação de verbas ao setor, enquanto estados e municípios aumentam. Houve época em que a União chegava a destinar 80% dos recursos públicos para a saúde e hoje aplica apenas 45%.
O Governo Federal progressivamente reduz a destinação de verbas ao setor, enquanto estados e municípios aumentam. Houve época em que a União chegava a destinar 80% dos recursos públicos para a saúde e hoje aplica apenas 45%.
Por outro lado, os tubarões da assistência suplementar
enriquecem às custas da doença alheia. Há planos de saúde que cobram mensalidades
altíssimas dos pacientes e criam todo o tipo de empecilhos quando eles
necessitam de tratamento.
Recente pesquisa Datafolha, encomendada pela Associação
Paulista de Medicina, aponta que 8 em cada 10 usuários já tiveram problemas com
sua operadora. Para agravar o quadro, as empresas pressionam médicos e outros
profissionais de saúde a reduzirem exames, internações, outros procedimentos,
além de antecipar altas. Um crime.
Talvez alguém venha dizer que o caminho para sair da crise é
o da parceria público-privada. De fato, o conceito das chamas PPPs é
interessante: por meio de administrações mistas, ofertar à máquina
governamental a mesma agilidade, resolubilidade e competência que marcam as
melhores instituições particulares, neste caso, mais especificamente os
hospitais.
Temos mesmo atualmente uma série de bons exemplos de gestão,
em particular de hospitais universitários, que poderiam ajudar a melhorar a
realidade da saúde no país.
O problema é que também o terreno das PPPs vem sendo
contaminado pela incompetência administrativa e o vírus dos favores políticos.
Recentemente o Ministério Público Estadual de São Paulo
suspendeu a assinatura de um convênio entre a Prefeitura e um hospital
particular de ponta para administrar uma instituição da periferia. A
justificativa é a de que o processo estava repleto de irregularidades.
Esses despropósitos ocorrem também por falta de
transparência. Se o poder público pretende colocar algum bem da sociedade sob
administração privada, deve fazê-lo em concorrência limpa, com condição de
igualdade a todos, com responsabilidade e austeridade fiscal.
Porém, não é sempre que isso acontece. É comum ver casos em
que hospitais sucateados, necessitando de reformas, equipamentos etc, são
passados ao setor privado para satisfazer veleidades, interesses ideológicos e
financeiros.
Óbvio que todo o processo está errado. Para começar, quando
se coloca um bem público em concorrência para eventual gestão privada, cabe ao
Estado entregá-lo em boa condição. Afinal, a oferta não é para que alguém venha
a fazer o papel da construção civil erguendo paredes e rebocando muros. O que
se quer em situações como essas é uma adequada administração para que a função
social de tal bem seja realmente efetiva.
Pelos princípios da cidadania e da boa gestão, temos que
tratar a PPP como um novo bem da comunidade. Valorizá-la em seus pilares
fundamentais: a boa gestão, a eficiência dos serviços, a excelência do
atendimento e a transparência no gasto do dinheiro público. Jamais admitiremos
que interesses questionáveis possam macular ainda mais patrimônios que são
coletivos, de todos nós.
Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira
de Clínica Médica.
Postado por Jorge
Serrão às 10:22:00
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