terça-feira, 10 de junho de 2014

A Operação Condor




Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos I. S. Azambuja

E os abutres tapam o nariz...

No ano de 1999, a partir de janeiro, diversos jornais e revistas passaram a publicar uma série de reportagens a propósito da prisão do general Augusto Pinochet, em Londres, relacionando-a com a chamada “Operação Condor” e buscando vincular os Órgãos de Inteligência brasileiros com a referida Operação, por terem “cooperado para formar e preparar quadros para os órgãos de repressão das ditaduras chilena, argentina, boliviana, uruguaia e paraguaia”.

Após indiciar o general Pinochet por genocídio, o juiz espanhol Baltasar Garzón (ex-deputado socialista) passou a buscar documentos objetivando tentar demonstrar que depois da deposição de Salvador Allende, no Chile, em 11 de setembro de 1973, os governos de cinco países – Argentina, Brasil, Bolívia, Paraguai e Uruguai – uniram-se, sob o comando da DINA – O Serviço de Inteligência chileno – numa espécie de “Mercosul do Terror”. A parceria teria sido formalizada em 1975, sendo denominada “Operação Condor”.

Nesse mister, o juiz Garzón contou com a colaboração do advogado espanhol Joan E. Garcés, que foi assessor de Allende, no Chile, nos anos 1971-1973. Joan E. Garcés abandonou o Palácio La Moneda minutos antes de Allende cometer suicídio e, posteriormente, em 1976, já na Espanha, foi o fundador da Federação dos Partidos Socialistas e, em 1979, da Esquerda Socialista do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), de Felipe Gonzalez.

Em 1976, Joan Garcés escreveu o livro “Allende e as Armas da Política”, editado no Brasil em 1993, com tradução do escritor e jornalista brasileiro Emir Sader, que viveu no Chile como auto-exilado durante o governo Allende e que, nesse país, teria chegado a integrar os quadros do Movimiento de Izquierda Revolucionária (MIR).

Em tudo isso, no entanto, vamos àquilo que os jornalistas de vários jornais e revistas, não apenas do Brasil mas também de outros países, não disseram ou não quiseram dizer.

Deve ficar claro que quando existe uma ameaça terrorista de caráter internacional, os Órgãos de Segurança dos países ameaçados se coordenam. Sempre foi e continua sendo assim. Nesse sentido, a “France Press” divulgou, em 21 de novembro de 1998, o seguinte telegrama:“O presidente francês, Jacques Chirac, e o Primeiro Ministro Lionel Jospin, confirmaram ao chefe do governo espanhol, José Maria Aznar, a adesão da França à luta antiterrorista na Espanha, ao ser concluída, ontem, a reunião de cúpula França-Espanha, em La Rochelle”. Ou seja, França e Espanha decidiram coordenar seus Órgãos de Inteligência para combater a Eta-Basca espanhola.

Esse acordo não ficou no papel. Dia 10 de março de 1999, o jornal “O Globo” transcreveu um telegrama vindo de Paris, segundo o qual “as forças de segurança da França e da Espanha” haviam detido no dia anterior, em território francês, seis espanhóis, membros do grupo ETA, “incluindo o chefe militar José Javier Arizcuren Ruis, conhecido como ‘Kantari’, procurado desde a década de 80 e acusado de haver tentado matar o rei Juan Carlos I, em Palma de Mallorca, em 1995 (...) “A prisão foi resultado de uma operação conjunta entre a França e a Espanha”.

Voltando à América Latina dos anos 70, deve ser recordado que o desafio terrorista contra os governos do continente nada mais eram do que uma derivação da Guerra Fria.

Em 1974, menos de um ano, portanto, após a deposição de Allende, foi fundada em Paris uma “Junta de Coordenação Revolucionária (JCR)”, integrada pelo Exército de Libertação Nacional (ELN), da Bolívia, o Exército Revolucionário do Povo (ERP), da Argentina, o Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros (MLN-T), do Uruguai, e o Movimiento de Izquierda Revolucionária (MIR), do Chile.

O Secretário-Geral da JCR era o cubano Fernando Luis Alvarez, membro da Direção Geral de Inteligência (DGI) cubana, casado com Ana Maria Guevara, irmã de Che Guevara, o que conferia à JCR o caráter de instrumento do Estado cubano.

Pouco tempo depois, em outubro de 1974, a Comissão Política do MIR, através do seu jornal “El Rebelde em la Clandestinidad”, dava conta desse fato nos seguintes termos: “No campo internacional, nosso partido redobrará a coordenação e o trabalho conjunto com o ERP, o MLN-T e o ELN da Bolívia, e junto com eles lutará para fortalecer e acelerar o processo de coordenação da Esquerda Revolucionária Latino-Americana e Mundial (...). Chamamos a todas as organizações e movimentos irmãos a redobrar a luta em seus próprios países, a fortalecer e ampliar a Junta Coordenadora do Cone Sul (...)”.

Orlando Millas, dirigente do PC Chileno, já falecido, que fora ministro do governo Allende, escreveu em suas “Memórias, 1957-1991” (páginas 186 e 187), o seguinte: “Reunimo-nos em Moscou, em 1974, os membros da Comissão Política do partido que estávamos no exílio, ou seja, os titulares Volodia Teitelboim, Gladys Marin (foi Secretária-Geral do PC Chileno), e eu, e o suplente Manuel Cantero”. Nessa oportunidade soube do acordo que haviam chegado, em Havana, dirigentes dos respectivos partidos (chileno e cubano) para que contingentes de militantes comunistas chilenos fossem aceitos como alunos, na qualidade de cadetes, na Escola Militar de Cuba.

Foi recrutado para essa tarefa o melhor do melhor da nova geração no exílio. Senti que os conduzíamos a queimar-se no Chile em batalhas impossíveis. Quem menos direito tem de criticá-los somos nós, que assumimos a responsabilidade, estremecedora, de sugerir-lhes, sendo adolescentes, que o caminho para ser dignos de seu povo deveria ser percorrido empunhando armas”.

Isso, infelizmente, não aconteceu somente no Chile. No Brasil, também na década de 70, mais da metade dos que foram mandados para a morte pela direção do Partido Comunista do Brasil, nas selvas do Araguaia, eram jovens estudantes ou recém-formados.

Anteriormente a tudo isso, no Congresso do Partido Socialista Chileno, ao qual pertencia Salvador Allende, realizado na cidade de Chillán, em 1967, foi aprovada uma Resolução Política que dizia: “(...) A violência revolucionária é inevitável e legítima (...) Só destruindo o aparato burocrático e militar do Estado-Burguês pode consolidar-se a revolução socialista”. Essa linha política foi confirmada no Congresso seguinte, realizado em 1971 – ano em que Allende assumiu o governo do Chile – realizado na cidade de La Serena.

A decisão do PS Chileno de optar pela “violência revolucionária” estava de acordo com os protocolos adotados no ano anterior, 1966, em Havana, na “Conferência Tricontinental”, quando foi aprovada pela unanimidade das 27 delegações presentes a sugestão de criar a “Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS)”, uma cópia doKomintern dos anos 30. Um pacto político-militar para revolucionar a América Latina. O autor da proposta de criação da OLAS foi o então deputado pelo Partido Socialista Chileno, Salvador Allende.

Quem melhor resumiu a consistência da ameaça armada ilegal constituída durante os quase três anos em que Allende esteve no governo foi o ex-senador e ex-presidente do Partido Socialista durante o referido governo, Carlos Altamirano. Em um livro da jornalista Patrícia Politzer, editado no Chile, em 1995, pode ser lido o seguinte diálogo: Entrevistadora: “Quantos homens formavam esse modestíssimo aparato armado do Partido Socialista?” Altamirano: “Mais ou menos mil a mil e quinhentos homens, com armas leves”. Entrevistadora: “Mil homens não é pouco”.Altamirano: “Não era pouco se houvesse uma coordenação com o aparato militar do MIR que supostamente era bastante mais importante que o nosso; com o do Partido Comunista, que também era maior, e com os que tinham o MAPU e a Esquerda Cristã. Porém, essa coordenação não aconteceu...”.

É evidente que o número de mil a mil e quinhentos homens do PS, três mil a cinco mil do MIR (“bastante mais importante’), dois mil do Partido Comunista (“também era maior”), do MAPU e Esquerda Cristã, de aproximadamente mil, redundava em um total aproximado de dez mil homens armados que, somados aos “companheiros de Tropas” referidos pelo coronel Patrício de La Guardia, do exército cubano, como se verá adiante) e a um número indeterminado de estrangeiros, era, sem dúvida, um contingente respeitável.

Nos anos 80 a ação armada subversiva, no Chile, ganhou impulso com os sucessivos desembarques de armas realizados desde navios cubanos, em janeiro, junho e julho de 1986: 3.200 fuzis, 114 lança-foguetes soviéticos RPG-7, 167 foguetes anti-blindagem LAW (alguns utilizados no atentado contra Pinochet nesse mesmo ano de 1986, atentado que causou a morte de cinco militares de sua escolta), granadas, munições e outras armas (livro “Crônica de um Assédio”, Santiago, 1992, tomo I, página 98). Ou seja, o maior contrabando de armas jamais registrado na América Latina.

A prova da intervenção cubana e de que um contingente dessa nacionalidade encontrava-se no Chile durante o governo Allende, inclusive alguns integrando a segurança pessoal do presidente, pode ser encontrada em uma publicação cubana sobre o julgamento, muitos anos mais tarde, já no final da década de 80, de diversos altos oficiais do exército cubano, acusados de narcotráfico. Um desses oficiais, Patrício de La Guardia, amigo pessoal de Fidel Castro, condenado à morte e fuzilado, viu-se submetido ao seguinte interrogatório quando de seu julgamento: Pergunta: “E missões internacionalistas, além dessa de Angola, que cumpriu anteriormente?” Resposta de Patrício de La Guardia: “Estive no Chile. Fui condecorado com a Medalha Internacionalista de Primeiro Grau porque estava no Chile à frente dos companheiros de Tropas, quando do golpe de Estado, e cumpri outras operações especiais”(“Vindicación de Cuba 1989”, “Editorial Política”, Havana, Cuba, página 291).

O ex-presidente chileno Eduardo Frei, em declarações ao jornal “ABC”, de Madri, Espanha, disse o seguinte: “O marxismo, com o conhecimento e aprovação de Salvador Allende, e talvez por instigação dele próprio, havia introduzido no Chile inumeráveis arsenais, que eram guardados em residências, escritórios, fábricas e armazéns. O mundo não sabe que o marxismo chileno dispunha de um armamento superior em número e qualidade que o Exército (...) Os militares salvaram o Chile e a todos nós, cujas vidas não são, certamente, tão importantes para o Chile”.

Pergunta-se: o que poderiam fazer os governos ameaçados frente a uma internacional terrorista. A OLAS, nos anos 60, e a JCR, nos anos 70? Obviamente, o mesmo que hoje fazem a França e a Espanha: coordenar suas ações antiterroristas. Assim teria nascido a “Operação Condor”.

Se no decorrer das operações repressivas foram cometidos delitos, sucedeu algo parecido com o grupo espanhol denominado Grupos Antiterroristas de Libertação, constituído por elementos pertencentes aos Órgãos de Inteligência espanhóis. A responsabilidade pelos supostos delitos deveriam recair sobre as pessoas que os cometeram, como, de fato, recaíram. Em 19 de julho de 1998, o Supremo Tribunal da Espanha condenou vários auxiliares do 1º Ministro Felipe Gonzalez (que governou a Espanha por 14 anos, de 1982 a 1996), inclusive seu Ministro da Justiça, por crimes praticados durante a luta contra a Eta-Basca.

Em nenhum momento, porém, os diligentes juízes espanhóis pensaram em responsabilizar Felipe Gonzalez pelos crimes de seus subordinados.

Assim como ao juiz Baltasar Garzón não ocorreu submeter Felipe González a processo, assim tampouco existe fundamento para acusar Augusto Pinochet por alguma atuação indevida de seus subordinados durante o desenrolar da “Operação Condor”, quando presidente do Chile.

Todavia, o juiz Baltasar Garzón, assessorado por Joan Garcez, buscou satanizar a “Operação Condor”. É indiscutível, porém, que em face de um desafio terrorista coordenado, que não era um pic-nic, os Órgãos de Inteligência dos países sob ameaça fizeram o mínimo: coordenar-se. E deverão fazê-lo sempre.

Outra acusação feita a Pinochet é a de genocídio, por haver supostamente perseguido um grupo político: o de comunistas nativos e de outros países, exilados no Chile. Tal delito, no entanto, é tipificado pelo “Convênio sobre Genocídio” como “a perseguição a um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”, e não a grupos políticos. E mais: O Convênio Internacional sobre Crimes de Genocídio, patrocinado pela ONU, estabelece expressamente que o tribunal competente para julgar esse tipo de crime é o do lugar onde foi cometido o delito.

Sobre o assassinato, nos EUA, do ex-chanceler de Allende, Orlando Letelier, do qual Pinochet também foi responsabilizado pelo juiz Garzón, é por demais interessante recordar uma entrevista de seu filho, deputado Juan Pablo Letelier, a uma jornalista, em Santiago, em 1995: Pergunta: “O senhor tem se dedicado nos últimos tempos a exculpar de toda a responsabilidade o Exército do Chile e seu Comandante em Chefe pela morte de seu pai. Por que?” Resposta: “Não me dediquei a exculpar. O que já disse, por mais de uma vez, porque me ensinaram a falar a verdade, é que não há nenhuma evidência que flua do processo, de milhares de folhas, que permita sustentar que tenha havido participação do Exército ou de seu Comandante em Chefe (Pinochet) no assassinato do meu pai” (jornal “El Mercúrio”, 4 de junho de 1995, página D-2.

A comunidade jurídica internacional sempre considerou profundamente injusto julgar uma época aplicando os padrões morais de outra. Por isso, entre outras razões, existe universalmente o instituto da prescrição, através do qual o transcurso do tempo extingue as responsabilidades. Existe, pois, um ingrediente de tremenda injustiça em querer julgar, mais de 25 anos depois, acontecimentos que hoje parecem desprovidos de toda carga de incerteza, temor e ódio que existiam no Chile e, ademais, em toda a América Latina, nos anos 70. Sempre, “antes” as coisas são diferentes do que parecem “depois”, quando o perigo já passou. Um velho ditado diz que “depois da batalha, todos são generais”.

O terrorismo e os terroristas, por sua vez, não têm que responder ante ninguém. Se triunfam, converte-se em um regime totalitário, e este, por definição, não tem que responder por seus atos. Se são derrotados, convertem suas baixas em “vítimas” , e descrevem a guerra suja que perderam como “um extermínio”, ou, como deseja o juiz Garzón, “um genocídio”.

Em 1990, mesmo depois do governo militar, no Chile, as vítimas do “genocídio” e do “extermínio” continuaram a atuar, e assassinaram, em plena democracia, o coronel Fontaine, do Corpo de Carabineiros, o major do Exército Carlos Perez e sua mulher, e feriram gravemente os generais Leigh e Ruiz, da Força Aérea, em atentados distintos.

No Chile, durante os primeiros anos do governo militar, o juiz Rafael Retamal, que havia sido presidente da Corte Suprema, ante um requerimento de que a Justiça fosse mais severa com os “excessos repressivos”, replicou: “Os extremistas iam nos matar a todos. Ante essa realidade, deixemos que os militares façam a parte suja. Depois chegará a hora dos direitos”.

Hoje, não apenas no Chile, alguns extremistas que insistem em fazer um boca-a-boca na falida doutrina científica, e correligionários seus, ardentes defensores dos direitos humanos e das Comissões da Verdade, acusam de “assassinos” os militares. Porém, o então Ministro da Corte Suprema, e depois presidente desse Tribunal, temia ser assassinado pelos extremistas. Quem eram, então, os assassinos?

Nos anos 60 e 70 o mundo vivia sob a chamada Guerra-Fria. A possibilidade de um conflito bélico global sempre esteve presente. Na América Latina, a exportação da guerrilha e do terrorismo, de Cuba para o restante do continente, era uma constante. Em 1967, Che Guevara havia sido morto na Bolívia à frente de um grupo de guerrilheiros cubanos. Um grande desembarque de armas extremistas havia sido descoberto e frustrado na Venezuela. Fidel Castro e Che Guevara falavam abertamente que os Andes se converteriam na “Sierra Maestra do Continente” e que seriam criados “vários Vietnãs”. Então, os Tupamaros, no Uruguai, os Montoneros, na Argentina, os militantes do MIR chileno, e Marighela e Lamarca no Brasil, atuavam coordenados sob a batuta da Inteligência cubana.

Registre-se que posteriormente, em 3 de julho de 1998, o comandante Fidel Castro, em discurso pronunciado quando do encerramento de um seminário, em Havana, sobre o tema “Globalização”, convocado pela “Associação de Economistas da América Latina”, reconheceu seu papel de promotor da guerrilha em toda a América Latina nos anos 60. Guerrilha que causou uma montanha de mortos.

Deixar de acusar Pinochet não seria politicamente correto, pois Pinochet não é de esquerda. O processo contra ele parece ter sido um acerto de contas, uma vingança política contra quem destruiu um mito marxista: a derrubada do poder de um governo comunista. É isso que as esquerdas de todos os matizes não admitem, não aceitam e não perdoam.

Antes de tudo isso, bem antes, em 1926, as esquerdas constituíram Brigadas Internacionais e foram para a Espanha dar apoio aos camaradas de Stalin na luta contra o general Franco.

Para a Esquerda, as nações nunca tiveram fronteiras. Em 1935, uma alemã, pertencente ao Exército Vermelho soviético foi enviada ao Brasil, para coordenar, juntamente com Prestes, a revolução, pelo Komintern. Então, ela estava assessorada por 21 apparatichiksbelgas, franceses, alemães, argentinos e até norte-americanos.

Depois, a partir de 1959, toda a Esquerda deu apoio de mídia aos camaradas Fidel e Guevara, que instalaram em Cuba uma ditadura que perdura até hoje. A mais longa já existente no continente americano.

Nos anos 60 e 70, no Brasil, com camaradas treinados em Cuba, China, União Soviética e Argélia, essa mesma Esquerda tentou reeditar a Intentona de 1935. Escorraçados pelas Forças Armadas, esses camaradas migraram para o Uruguai e depois para o Chile, a fim de construir o socialismo. Derrotados também nesses países, alguns se dirigiram para Portugal, atraídos pela Revolução dos Cravos (abril de 1974) e depois para a Nicarágua, onde igualmente a derrota os esperava.

Financiados por Cuba, União Soviética, China, Argélia e outros países do bloco oriental, as esquerdas migravam de um para outro país na ânsia de fazer a revolução. Percorreram os continentes, receberam doutrinação e treinamento militar em diversos idiomas. A luta não tinha fronteiras. Quem diz isso são eles próprios, que hoje escrevem suas memórias.

Hoje, parte da mídia, revanchistas nativos e de diversos outros países, especialmente dos EUA e Europa, condenam aquilo que chamam de “Operação Condor”, como já se viu, uma forma de agir, em legítima defesa, dos Órgãos de Inteligência dos países agredidos contra a ameaça materializada em organismos continentais: OLAS, nos anos 60, e, nos anos 70,Junta de Coordenação Revolucionária.

Os que viveram aqueles anos de chumbo, de mudanças e contestações, quando se propalava que era proibido proibir, que o capitalismo estava com os dias contados e que as revoluções segundo o modelito exportado por Cuba, eram iminentes, conhecem muito bem essa história.

Foi um tempo em que um punhado de companheiros dos Órgãos de Inteligência militares, e alguns civis, sem dinheiro, sem doutrina de como combater uma guerrilha urbana e sem equipamentos, substituídos pela imaginação, pelo desprendimento e pelo forte sentimento anticomunista, erradicaram o terrorismo, os seqüestros de diplomatas e de aviões e as guerrilhas rural e urbana do território pátrio. Um tempo que jamais voltará e do qual, os que nele viveram e participaram devem se orgulhar.

Tudo isso já foi escrito, mas deve ser recordado a propósito do que ocorre nos dias atuais, depois dos atentados terroristas em Nova York e Washington, em 11 de setembro de 2001.

Como na América Latina nos anos 60 e 70, os Órgãos de Inteligência dos EUA decidiram se coordenar, passando a monitorar seus cidadãos: foram autorizadas as interceptações de comunicações telefônicas sem ordem judicial, a ouvir as conversas entre advogados e pessoas detidas, a rastrear e-mails na Internet através de um sistema denominado “Carnívore”, e a julgar terroristas estrangeiros em tribunais militares. Além disso, foi autorizada a detenção de estrangeiros por até 7 dias, independente de qualquer acusação formal.

Ou seja, o Estado foi transformado em um virtual e onipresente “Big Brother”, muito além do que ocorreu na América Latina, qualificada pelo Primeiro Mundo, nos chamados “anos de chumbo”, como “um continente atrasado, subdesenvolvido, sem tradição democrática, governado por ditaduras”.

E mais: segundo a imprensa informou em 16 de novembro de 2001, os ministros da União Européia, reunidos em Bruxelas, chegaram a um acordo de que ordens de prisão de terroristas ou suspeitos de terrorismo sejam cumpridas rapidamente em quaisquer dos 15 países-membros, eliminando os lentos processos de extradição. Segundo o acordo, qualquer país da União Européia terá que extraditar para outro país-membro um terrorista, ou suspeito de ser terrorista, depois de receber uma ordem para que ele seja detido.

Se não bastasse isso para descerrar as cortinas, vejamos as entrevistas do historiador inglês John Keegan ao jornal “O Estado de São Paulo” de 30 de setembro de 2001 e à revista “Veja” de 3 de outubro de 2001. Disse ele: “O terror é sujo, vil, traiçoeiro e a guerra contra ele terá que ser suja, sórdida e terrível (...) Temos que identificar as pessoas que pensam como os terroristas, seus aliados e os que lhes dão apoio. Infelizmente, precisamos limitar as liberdades civis para que a campanha seja eficaz. O Ocidente liberal, basicamente os EUA e a Europa, está começando a entender o comportamento dos governos da Argentina, do Uruguai e do Chile contra seus oponentes nos anos 70”.


Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

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