domingo, 16 de novembro de 2014

Após pagar juros, contas públicas devem ter pior resultado em 11 anos


16/11/2014 08h37 - Atualizado em 16/11/2014 08h37

Resultado nominal é um dos principais modos de comparação entre países.
Segundo pesquisa do BC, déficit deve avançar para 4,5% do PIB em 2014.

Alexandro Martello Do G1, em Brasília
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Déficit das contas públicas
Em % do PIB - setor público consolidado/nominalDéficit de 2014 = estimativa5,242,93,583,632,82,043,282,482,612,483,254,5200520100123456
Fonte: BC
As contas públicas devem fechar 2014 com o pior resultado em 11 anos, segundo pesquisa do Banco Central com analistas do mercado financeiro. O resultado ruim é consequência do aumento de gastos públicos em ano eleitoral, das reduções de tributos implementadas pelo governo e do fraco desempenho da arrecadação, por conta do baixo nível de atividade econômica.


A conta considera o conceito nominal – que inclui as receitas, despesas e, também, os juros da dívida pública. O chamado déficit nominal é uma das principais formas de comparação da situação das contas públicas entre os países. O conceito também é utilizado pelas agências de classificação de risco para dar notas para as economias e, deste modo, sugerir investimentos em determinadas economias, ou, por outro lado, desaconselhar a aplicação de recursos em determinados países.


De acordo com levantamento conduzido pelo Banco Central com mais de 100 instituições financeiras na semana passada, o déficit nominal do setor público brasileiro deve somar 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano – o maior valor desde 2003, quando estava em 5,24% do PIB. Segundo números oficiais, isso representa forte piora nos últimos anos. Em 2012, o déficit nominal estava em 2,5% do PIB, avançando para 3,25% em 2013 e para mais de 4% do PIB neste ano.


O Tratado de Maastrich, assinado em 1992 pelos países da União Europeia, recomenda que o resultado negativo fique abaixo de 3% do Produto Interno Bruto (PIB), ou que a dívida bruta não ultrapasse 60% do PIB. Esses percentuais, porém, não são seguidos pela maioria dos países.


Deterioração do superávit primário
O aumento do déficit nominal está relacionado com a deterioração do resultado “primário” do setor público (governo, estados, municípios e empresas estatais). De janeiro a setembro, houve déficit primário (receitas menos despesas, sem incluir os juros da dívida) de R$ 15,28 bilhões, o pior resultado da história. Por conta do resultado ruim, o governo enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei para abandonar a meta fiscal fixada anteriormente.


Para o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, a piora das contas públicas em 2014 está relacionada com o fraco crescimento da economia brasileira – o que teve reflexos negativos no recolhimento de impostos e contribuições federais.


"A receita passou a crescer muito pouco neste ano porque a economia passou a avançar pouco. Ninguém esperava que a economia fosse crescer tão pouco, porque não tem nenhuma crise. Mesmo nos piores momentos, o Brasil sempre cresce 3% a 4% [por ano]. Mas vamos crescer de zero a 1% em 2014. A despesa ainda cresce a 7% acima da inflação. Na época do Lula, crescia a 9%. Não tem como o [superávit] primário se sustentar", explicou ele.


Comparação entre países
Segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), o déficit nominal da ordem de 4,5% do PIB para o Brasil em 2014 colocará o país em situação parecida a Argentina, que passa por grave crise econômica. Para este ano, o FMI prevê um déficit nominal de 4,48% do PIB para o país vizinho.


Ainda segundo expectativa do FMI, o Brasil ficará em situação pior do que várias economias emergentes, como o Chile (déficit de 1,75% do PIB) em 2014, a China (-1% do PIB), a Colômbia (-1,45% do PIB), Indonésia (-2,46% do PIB), México (-4,2% do PIB), Equador (-4,27% do PIB), Peru (-0,1% do PIB), Rússia (-0,9% do PIB), Portugal (-4% do PIB), Turquia (-2% do PIB) e Uruguai (-3,5% do PIB) e França (-4,4% do PIB). Para a Itália, a expectativa é de um resultado negativo de 3% do PIB e, para a Alemanha, um superávit de 0,3% do PIB neste ano.


Por outro lado, o Brasil ainda estará melhor do que a Índia (-7,22% do PIB), Japão (-7% do PIB), África do Sul (-4,9% do PIB), Espanha (-5,7% do PIB), Reino Unido (-5,28% do PIB), Estados Unidos (-5,5% do PIB) e Venezuela (-14% do PIB).
Dívida pública
Com a queda do superávit primário nos últimos anos, os números mostram que a dívida pública brasileira também está aumentando. No fim de 2012 e de 2013, respectivamente, a dívida bruta – principal forma de comparação internacional – estava em 58,8% do PIB e 56,7% do PIB, informou o Banco Central.


Em agosto deste ano, pelas contas do BC, que não consideram os títulos públicos em sua carteira, o endividamento bruto brasileiro voltou a atingir a marca de 60% do PIB – algo que não acontecia desde o fim de 2009 e início de 2010. Naquele momento, o governo aumentou os gastos para superar a primeira etapa da crise financeira internacional, com respectivo impacto na dívida pública.


Pelos cálculos do FMI, porém, a dívida bruta brasileira está acima disso. Isso porque a instituição considera os títulos públicos na carteira do Banco Central como parte do endividamento brasileiro. Para o FMI, a dívida bruta do Brasil estava em 64% do PIB no fim de 2011, avançou para 68% do PIB em 2012 e recuou um pouco para 66% do PIB no fechamento de 2013. No fim deste ano, deverá ficar próxima deste patamar.

Segundo o FMI, a dívida bruta brasileira deve terminar 2014 acima da maioria dos países emergentes, como Chile (14% do PIB), Colômbia (34% do PIB), China (40% do PIB), Índia (59% do PIB), México (48% do PIB), Peru (19% do PIB), e Turquia (34% do PIB). Na Argentina, a dívida bruta deve fechar 2014 em 49% do PIB.

O patamar da dívida brasileira, porém, deve seguir abaixo dos países desenvolvidos, cuja previsão do Fundo Monetário, para o fim de 2014, é: 105% do PIB nos Estados Unidos, 95% do PIB para a França, 75% para a Alemanha, 91% para o Reino Unido e 245% para o Japão. Estes países, porém, têm outros indicadores positivos e não possuem dificuldades de captar recursos.

Nota brasileira das agências de rating
Com a piora dos indicadores das contas públicas, como déficit nominal e dívida bruta do setor público, os analistas não descartam a possibilidade de o Brasil ter sua nota rebaixada pelas agências de classificação de risco, mas dizem que isso ainda pode depender da nova equipe econômica e das indicações sobre os rumos da economia.

"O risco de perder o rating existe, mas acho que é possível ainda manter. Até porque as agências estão cautelosas, aguardando o anúncio não só da equipe, mas qual vai ser o plano econômico para os próximos anos. Acredito que, se o governo anunciar um plano amarrado, bem comunicado e crível, que diga como, em que intensidade e quando o ajuste fiscal vai ser estabelecido, é possível manter o grau de investimento. Ainda acho que existe possibilidade de manter o grau de investimento, mas vai depender bastante de como vão fechar as contas publicas neste ano", analisou o economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Gabriel Leal de Barros.

Na avaliação Luis Otavio Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil, as agências de rating estão em "compasso de espera" em relação ao Brasil. "Vai depender do que a gente fizer", disse ele. Ele explica que, no caso de uma piora da nota brasileira (rating), fica mais caro buscar empréstimo no exterior.

"Existe uma relação direta. Quanto melhor o rating [nota], menos paga de juros tanto o país quanto as empresas. Fica mais caro para todo mundo [se baixar a nota brasileira]. Quando o país é rebaixado, todas as empresas do país são rebaixadas. Um banco vai captar mais caro lá fora. Vai jogar [o custo maior] para o preço do crédito aqui dentro. Empresas para a Petrobras, por exemplo, pagariam mais [para captar no exterior]. Fica tudo mais caro. Fica mais complicado para todo mundo", explicou o economista do ABC Brasil.

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