Os Correios e seu fundo de pensão, o Postalis, apostaram mais de R$ 300 milhões em transações imobiliárias suspeitas
A Jato - O terreno alugado pelos Correios em Cajamar, São Paulo. Os documentos do negócio mostram que ele foi feito rapidamente. Em janeiro, uma empresa de fachada foi criada na Nova Zelândia; em maio, ela vendeu um imóvel de R$ 194 milhões ao Postalis.
A Nova Zelândia, a 12.000 quilômetros do Brasil, é um dos países mais transparentes do mundo, um exemplo de excelência em serviços públicos e prestação de contas à população. De Wellington, capital do país, saiu um empreendimento comercial obscuro, que desafia o entendimento no Brasil. ...
No dia 10 de janeiro de 2012, uma empresa de fachada chamada Latam Real Estate New Zealand foi aberta em Wellington, fixada por seus criadores no mesmo prédio ocupado pela Embaixada do Brasil na Nova Zelândia.
No dia 5 de março, com menos de dois meses de vida, a Latam abriu em São Paulo uma filial e, 15 dias depois, comprou um terreno de 220.000 metros quadrados em Cajamar, a 45 quilômetros de São Paulo. Em 25 de maio, vendeu o imóvel ao Postalis, o fundo de pensão dos funcionários dos Correios, por R$ 194 milhões. A Latam atravessou o mundo para dar uma ágil jogada imobiliária no Brasil. Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA
O Postalis, um dos maiores fundos pensão do país, aplica recursos para bancar as aposentadorias de funcionários dos Correios. Seu histórico não é dos melhores. No ano passado, apresentou um rombo de quase R$ 1 bilhão nas economias dos carteiros, resultado de investimentos furados e sob investigação em instituições financeiras que foram à lona, como os bancos BVA, Cruzeiro do Sul e Oboé, e até em títulos da dívida argentina. Quem decidia suas aplicações eram diretores indicados pelo PMDB. Sob o comando de um presidente petista desde 2012, o Postalis continua fazendo negócios obscuros.
No início de 2012, o Postalis aceitou dar uma força aos Correios. A estatal precisava comprar o terreno em Cajamar para fazer seu novo centro de logística, mas seu caixa não comportava a aventura. Na ocasião, o então deputado federal, hoje mensaleiro preso, João Paulo Cunha (PT-SP) conversou com o presidente do Postalis, o sindicalista petista Antônio Carlos Conquista. João Paulo foi à sede do Postalis em Brasília tratar do negócio. Conquista também foi procurado por um empresário chamado João Camargo, com negócios em rádios e empreendimentos imobiliários. O Postalis topou comprar o imóvel e alugá-lo aos Correios durante dez anos, por R$ 210 milhões – e se deu mal. O local, que deveria estar pronto no ano passado, só deverá começar a funcionar em 2015. Até lá, o Postalis não receberá um real.
No início, o Postalis negociava a compra de um terreno de propriedade do empresário Luiz Fernando Pires, proprietário da Piazzano Empreendimentos. A área, com galpões já construídos, sairia por R$ 193 milhões. No meio do caminho apareceu a neozelandesa Latam e fez Pires mudar de ideia. Ele vendeu a área à Latam, com os galpões construídos, por R$ 150 milhões – menos que o Postalis havia se disposto a pagar. Pires afirma que o negócio direto com o Postalis, que seria mais lucrativo, “não prosperou”. Menos de três meses depois, a Latam fez um negócio da China, ou melhor, da Nova Zelândia. Vendeu o terreno ao Postalis por R$ 194 milhões.
Formalmente, João Camargo não está vinculado à Latam Brasil. Na Junta Comercial de São Paulo aparecem como sócios a Latam Real Estate New Zealand, com 99,99% das ações, e Marcelo Bicudo, com 0,01%, advogado de Camargo e especialista em criar e representar empresas estrangeiras interessadas em investir no Brasil. Os donos da empresa que fez negócios com o Postalis são brasileiros? “Alguns sim, outros não. São e não são. Veja bem, tudo o que posso falar, falo porque não há nada a esconder”, diz Bicudo. “Agora, os donos desta empresa não querem que o público saiba quem eles são. As autoridades sabem, não há nada de oculto.” Por meio de sua assessoria de imprensa, Pires disse que não responderia a “perguntas especulativas” sobre o negócio em que está envolvido.
Não é necessário ir à Nova Zelândia para fazer bons negócios imobiliários com os Correios ou com o Postalis. No final de 2012, os Correios compraram por R$ 123 milhões um terreno de 73.000 metros quadrados para erguer seu futuro Centro de Cartas e Encomendas de Brasília. O dono da área, o governo do Distrito Federal, recebeu o pagamento à vista. Passados quase dois anos da compra, o mato cresce no local, junto com entulho de obras vizinhas. O terreno não conta sequer com uma placa de identificação. Os Correios dizem esperar um projeto executivo da obra para realizar a licitação que levantará os prédios. A razão é outra: pelas normas urbanísticas, a área comprada pelos Correios não pode abrigar empreendimentos comerciais.
Documentos obtidos por ÉPOCA (acima) mostram que os Correios sabiam disso antes da compra. No dia 7 de dezembro, dois advogados da estatal registraram que a diretoria deveria avaliar o risco do investimento, pois àquela altura o terreno não poderia abrigar as atividades pretendidas pela empresa. Os advogados alertaram também que a avaliação do terreno feita pelos Correios apontava para o valor de R$ 104 milhões, quase R$ 20 milhões a menos que os Correios pagaram. Três dias depois, em 10 de dezembro, a diretoria executiva dos Correios ratificou a compra. “Até acontece. Mas é raro a diretoria não levar em conta uma opinião do departamento jurídico”, diz o ex-chefe do departamento e um dos autores do parecer, Roger dos Santos. Os R$ 123 milhões foram parar nos cofres da Terracap, empresa do governo de Brasília que cuida dos terrenos públicos da capital. Naquele momento, a Terracap estava com dificuldades de caixa, em virtude da construção do estádio Mané Garrincha, para a Copa do Mundo.
“GATO POR LEBRE” Área comprada pelos Correios em Brasília. Um parecer jurídico dos Correios (no destaque, acima) diz que a lei não permitia usar o local para um empreendimento comercial. Mesmo assim, os Correios decidiram comprar o terreno, pagando R$ 123 milhões à vista (no destaque, abaixo) (Foto: Bruno Spada/Tripé Fotografia/ÉPOCA)
Apavorada com a demora na aprovação da mudança da destinação do terreno, a diretoria dos Correios, comandada pelo PT, pressionou o governo do Distrito Federal, também petista, para mudar a lei e permitir a construção na área. O alívio chegou em setembro de 2013, mas durou pouco. O Ministério Público do Distrito Federal contestou as decisões do governo do Distrito Federal, e os Correios poderão ser impedidos de construir na área comprada. O assunto é discutido por um órgão que regula o uso dos terrenos de Brasília, uma cidade tombada pela Unesco. Não há previsão sobre quando a discussão sobre o uso do local terminará. Durante uma reunião que discutia o assunto, o representante da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do DF, Paulo Muniz, disse que os Correios “compraram gato por lebre”.
Os Correios afirmam, por meio de sua assessoria, que a compra do terreno em Brasília foi regular. Sobre a decisão de comprar o imóvel em Brasília, dizem que “o parecer jurídico” é “opinativo e, portanto, não é uma decisão”. A nota também afirma que os Correios não sofreram prejuízos em razão de os centros de Brasília e Cajamar ainda não estarem em funcionamento. “Está tudo dentro do cronograma de investimentos”, diz a nota. Por meio da assessoria de imprensa, o presidente do Postalis, Conquista, afirma que a operação de Cajamar foi aprovada com base em estudos técnicos.
Diz que as conversas mantidas com João Paulo e Camargo não tiveram relação com o imóvel de Cajamar. Disse, ainda, que o fato de o Postalis não receber o aluguel do imóvel não deve ser associado a prejuízo, pois se trata de um investimento de longo prazo. O ex-deputado João Paulo cumpre pena em Brasília, condenado pelo envolvimento no mensalão. Por meio de seu advogado, ele informou que não se pronunciaria sobre o assunto.
Camargo não atendeu aos pedidos de entrevista da reportagem de ÉPOCA. Vender terrenos para os Correios ou para o Postalis pode ser um bom negócio. Basta ter as conexões corretas no Brasil e na Nova Zelândia.
Fonte: Revista Época: Por FILIPE COUTINHO E MURILO RAMOS - 15/11/2014 - -
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