Foto Revista VEJA
Nesta semana, duas meninas
morreram ao serem deixadas pelos pais dentro de veículos. Especialistas dizem que fatos não
são causados por negligência
O velório de Clarisse, 1 ano e 11 meses, que morreu ao ser esquecida no
carro pela mãe, foi repleto de emoção no fim da tarde de ontem no Cemitério da
Paz, em Belo Horizonte. Em estado de choque, a técnica em eletrônica Renata
Barbosa, 36 anos, ainda não teve condições de prestar depoimento. Em São Paulo,
uma menina de 2 anos e 4 meses morreu da mesma maneira depois de passar horas
dentro do veículo do pai.
Nas duas situações, os pais deveriam deixar as garotas na escola e seguiriam para o trabalho. Entretanto, isso não aconteceu. Eles trabalharam normalmente e quando saíram para buscar as filhas se deram conta do ocorrido. Para especialistas, essas tragédias não são causadas por negligência ou abandono. Elas são reflexo de uma sociedade que se move no modo automático.
“Estamos em um ritmo de vida acelerado com excesso de informação. Fazemos mil coisas ao mesmo tempo agindo feito robôs, sem perceber o que estamos realmente fazendo”, analisa a professora da Faculdade de Psicologia da PUC Minas Ana Elisa Fontes Villas. Para a especialista em psicanálise Sônia Flores, a mente pode nos trair diante de pressões. “Os pais foram enganados por motivos do inconsciente. Não é um mecanismo racional.”
Saiba mais
O fato de ficar trancada dentro de um veículo é extremamente perigoso
para crianças pequenas, porque elas ainda não têm a capacidade de equilibrar a
temperatura interna do corpo com a externa, como acontece em adultos. Ela
elimina água no suor muito mais rápido e a desidratação provoca uma parada
cardíaca. De acordo com a coordenadora da ONG Criança Segura, Gabriela Freitas,
a situação é considerada um acidente, pois acontece de forma não intencional.
Rotina
Para a psicóloga Ana Elisa, no ritmo atribulado da vida moderna, não há
possibilidade de sair da rotina. No caso de Minas Gerais, por exemplo, o pai
era quem levava a filha para a escola, mas, na última quarta-feira, foi a mãe.
“Geralmente, o pai que deixava a criança no período da manhã e buscava. E a mãe
quebrou essa rotina, pelo fato de o marido estar trabalhando. Ela esqueceu a
criança dentro do veículo e foi trabalhar, levar a vida normal”, explica o
sargento da Polícia Militar, Alexandre Martins.
O corpo de Clarisse foi velado, na manhã de ontem em uma capela da Região do Barreiro. Durante a cerimônia, os parentes e amigos da família estavam muito abalados e não quiserem prestar depoimentos sobre o caso. Renata não pôde ser ouvida por estar em estado de choque. A data para o depoimento ainda não foi definida pela Polícia Civil.
Em São Bernardo do Campo (SP), o servidor público Rodrigo Machado pegou a filha Marina na casa da avó e, em vez de levá-la para a escola, foi direto para o trabalho. Ao chegar na creche no fim do dia para buscar a menina, foi informado pelas funcionárias que Marina não tinha ido à escola. Só neste momento que ele viu a menina dentro do carro, já sem vida. O pai ficou completamente abalado e passou a noite na delegacia prestando depoimento com a mãe da criança, que estava inconsolável. Os dois não quiseram falar com a imprensa.
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