É apelação.
Sim, todos sabem que é. Tenho que conseguir o sustento da casa, e pra isso, como alternativa me restou um emprego miserável que, por enquanto, ainda está dando conta do recado. Por isso, eu reclamo nesse momento baixo... Bem baixo.
Ela tá crescendo, sua primeira palavra eu escutei, foi à última vez que acompanhei uma revolução em sua vida. De resto, só recebi a notícia. A crise existencial bate, bate forte, sem dó. Grita pra mim a cada pedido no supermercado:
Compra pra tua filha! Seja uma boa mãe, compensa a sua ausência com qualquer produto idiota que a faça feliz por alguns segundos.
Felicidade instantânea. Tão descartável quanto à própria embalagem. Minha filha está sendo devorada e eu tenho que terminar o relatório, meu chefe pediu pra ontem.
A televisão. Desconfio que ela fique ligada tempo demais. Três quatro horas sentadas na frente de algo que além de pensar, brincar, criar, fazer tudo, tudo por ela, empurra-lhe a cada propaganda um mundo pelo qual eu não posso competir, e quando me faz possível, eu não posso negar.
E no final, a minha reclamação é só um grito solitário, interno. Eu percebo, não sou boba, a cada intervalo entre um desenho e outro, publicitários de todo o mundo batem um papo com ela.
Ensinam-lhe como se vestir, como ser atraente, qual deve ser o melhor brinquedo, aquele que faz tudo enquanto ela fica parada, inerte. Constroem padrões, direcionam sonhos.
Uma conversa diária com um publicitário não é algo recomendável para uma criança em formação. É mais fácil torna-la consumidora aos sete anos de idade. Investimento em longo prazo.
E eu assisto a esse quadro de longe, de mãos atadas, sendo obrigada a escutar que não sou boa mãe, e que o problema é somente meu... Se vira.
Existe algo muito errado, quando minha filha passa mais tempo com publicitários, do que com as pessoas que as amam.
Texto: Ibu Junior Martins Piradju
Arte: Robert Yo Arte Ilustração
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