segunda-feira, 22 de dezembro de 2014
O jurista Modesto Carvalhosa, especialista em crimes de corrupção, escreve no Estadão que
Dilma consumou crime de responsabilidade em seu discurso de posse ao
praticamente "anistiar" as empreiteiras envolvidas no petrolão. Trata-se
de um "ato gravíssimo", conclui Carvalhosa:
Em discurso oficial na solenidade de sua diplomação no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) em 18 de dezembro, a presidente da República,
Dilma Rousseff, "anistiou" as empreiteiras envolvidas no escândalo da
Petrobrás, todas indigitadas pela Polícia Federal e pelo Ministério
Público, declarando que não vai processá-las na forma e para os efeitos
da Lei Anticorrupção, por ela promulgada no auge das manifestações de
junho de 2013 e em vigor desde 27 de janeiro deste ano.
Trata-se de discurso oficial lido no
teleprompter, em que Dilma declarou: "Temos que punir as pessoas, não
destruir as empresas. Temos que saber punir o crime, não prejudicar o
País ou sua economia. Temos que fechar as portas, todas as portas, para a
corrupção. Não temos que fechá-las para o crescimento, o progresso e o
emprego".
Isso quer explicitamente dizer que a sra. presidente não vai abrir
processos penais administrativos contra as empreiteiras envolvidas nos
crimes cometidos na empresa estatal, na conformidade com a Lei
Anticorrupção. Com isso incorre a presidente da República no crime de
responsabilidade previsto no artigo 85 da Constituição. Literalmente:
"São crimes de responsabilidade os atos do presidente da República que
atentem contra a Constituição federal e, especialmente, contra: (...)
VII - o cumprimento das leis".
Ao negar-se a aplicar a Lei Anticorrupção às empreiteiras envolvidas
na Operação Lava Jato, a presidente reeleita nega o cumprimento de lei
federal, em escancarado favorecimento de pessoas jurídicas puníveis nos
termos da mesma legislação. Trata-se de crime de responsabilidade por
prevaricação assumida pela própria presidente da República, fato
gravíssimo que demanda as providências cabíveis.
Esse movimento de "anistia" das empreiteiras corruptas, que culmina
com a explícita declaração da presidente, teve início há meses, conforme
noticiários constantes dos jornais, partindo do movimento conjunto dos
advogados das empreiteiras junto ao Palácio do Planalto, ao Palácio
Jaburu, ao Congresso Nacional, à Controladoria-Geral da União (CGU), ao
Tribunal de Contas da União (TCU) e ao procurador-geral da República.
Evidentemente que essas iniciativas profissionais mais ou menos
explícitas foram apenas uma cortina de fumaça diante da avalanche de
pressões irresistíveis que as próprias empreiteiras fizeram junto à
Presidência da República, a ministros, parlamentares, etc., naturalmente
ameaçando-os de todas as formas para conseguirem a "anistia". E
evidentemente que o tom terá sido de ameaça de uma delação premiada no
curso do processo penal-administrativo que deveria ser instaurado pela
CGU, delação essa que é minuciosamente prevista na Lei Anticorrupção
(Capítulo V).
À exceção do procurador-geral da República, que veementemente repeliu
essas manobras, os demais titulares dos órgãos atacados pela fúria
ameaçadora das empreiteiras superfaturadoras da Petrobrás foram
construindo o terreno da "indulgência plena", passo a passo, junto à
opinião pública e à mídia.
Assim é que ainda em novembro, na saída de evento em Brasília, o
vice-presidente da República, o então presidente do TCU e o líder do PT
na Câmara dos Deputados, em coro, disseram que não seria prudente
processar as empreiteiras porque "senão o Brasil para".
Mas o grande divulgador e arauto da "anistia plena e irrestrita" tem
sido o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, que não perde uma
única oportunidade de repetir, em seguidas entrevistas na mídia, dois
mantras.
Primeiro mantra: a Lei Anticorrupção ainda não foi regulamentada. Portanto, não poderá ser ainda aplicada.
Segundo mantra: em se tratando das empreiteiras da Petrobrás, somente
podem ser punidos por "fatos que nós identificarmos que sejam
eventualmente posteriores a 29 de janeiro (deste ano) já estão na
incidência desta lei" (sic).
Acontece que somente o parágrafo único do artigo 7 da Lei
Anticorrupção demanda regulamentação. Trata ele do regime de compliance,
que é de adesão voluntária pelas empresas, nada tendo que ver com os
delitos e as penas estabelecidos naquela lei para as empresas corruptas,
como é o presente caso das empreiteiras da Petrobrás.
O outro mantra é inacreditável. O titular da CGU quer anistiar as
empreiteiras de todos os crimes cometidos em continuidade, a partir de
2004. Somente alguma gorjetinha que tenha sido dada após janeiro deste
ano é que seria punível, dependendo, é claro, da "regulamentação" a
respeito. A Lei Anticorrupção (artigo 25) expressamente pune os crimes
continuados, ou seja, aqueles que, iniciados antes dela, continuaram
depois de sua vigência. E os contratos superfaturados não cessaram.
Estão em plena "execução", porque nem sequer suspensos foram pela
Petrobrás.
Todas essas manobras culminam agora com a "anistia" dada às
empreiteiras e fornecedoras da Petrobrás, por discurso da presidente.
Desse gravíssimo ato resulta que a União não será ressarcida de todos os
valores superfaturados das obras e dos fornecimentos feitos à sua
estatal, calculados em mais de R$ 80 bilhões. Resulta mais que não serão
aplicadas as multas que a Lei Anticorrupção impõe às empreiteiras que
implicitamente já confessaram os delitos praticados, colocando-se como
vítimas de seus próprios diretores.
Enquanto isso, nos rádios em todo o Brasil, ouve-se a publicidade do
Sebrae alertando as micro, pequenas e médias empresas a se precaverem
contra a aplicação da Lei Anticorrupção, devendo, por isso, estudar a
matéria e estar preparadas para nela não incidirem. Tomem cuidado!
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