A coluna
de Luiz Felipe Pondé hoje está ácida do jeito que eu gosto. Se o
filósofo já pega no pé dos “inteligentinhos”, aqueles que fazem jantares
caros para demonstrar como se preocupam com os pobres africanos, a
destruição do planeta e as baleias em extinção, agora ele ataca uma
espécie similar, possivelmente a mesma: a dos riquinhos que adoram odiar
o capitalismo.
Pega bem entre certos círculos meter o
pau no capitalismo, na ganância, no próprio dinheiro, mesmo quando se
vive pelo dinheiro, com muita ganância, desfrutando dos bens que só o
capitalismo pode oferecer. É o que mais vemos por aí: riquinhos que
viajam pelo mundo de classe executiva, tomam bons vinhos, compram bolsas
ou roupas caríssimas, e depois destilam todo seu ódio contra o
materialismo capitalista. Diz Pondé sobre a origem do fenômeno:
Muita
gente já tentou entender de onde vem essa “pulsão” (ricos têm “pulsão”,
pobres têm “instintos” –imagino o número de inteligentinhos brincando
com seus livros de psicanálise, achando que essa ironia tem algum
caráter de preconceito).
Por que
alguns ricos se dedicam a combater as ferramentas do capitalismo, ou as
ferramentas da livre competição, ou se dedicam à arte com crítica
social?
A
resposta está além e aquém do que pensa nossa vã inteligência viciada em
construir um mundo melhor. A razão para alguns ricos (principalmente
mais jovens) se dedicarem a atividades “santas” é apenas uma: eles já
têm muito dinheiro e morrem de tédio por isso. Alguns dizem ser
consciência culpada. Eu, que sou um cético, acho que o tédio vem antes.
No
fundo, sou mais materialista histórico do que os marxistas de butique
que assolam nossos centros culturais e revistas inteligentinhas pagas
por bancos.
Ou seja, quem tem tudo fácil demais fica “bobo”, não aprende a dar valor às coisas, não sabe como é duro sobreviver contra a
natureza hostil, conseguir o básico, como água, comida, abrigo. A
riqueza herdada pode tornar o sujeito um mimado que crê em suas “boas
intenções”.
“O tédio do
dinheiro herdado deveria ser mais levado a sério quando se compara
comportamentos entre os mais jovens. A certeza da grana ganha enfraquece
a alma”, conclui Pondé. Concordo com ele, e tratei do tema em meu Esquerda Caviar,
onde abordo vinte possíveis causas para o fenômeno aparentemente
estranho de ricos pregando o socialismo. O tédio é uma das respostas,
como a “elite culpada”. Segue um trecho:
Não
podemos excluir ainda o puro tédio como imã para a esquerda caviar.
Vivendo vidas seguras e confortáveis, fúteis e vazias, a fina flor da
esquerda abraça ideias revolucionárias ou exóticas apenas para afastar
de si a angústia de suas existências. A sociedade da abundância ajuda a
parir os radicais chiques. São os “senhorzinhos satisfeitos” de que
falava Ortega y Gasset.
Normalmente
incapazes de se enquadrar ao sistema, por considerarem aquelas pessoas
de classe média “felizes” com suas distrações burguesas, tais como
novelas e futebol, um bando de alienados, esses membros da elite
entediada partem para aventuras mais radicais. Eles precisam “cair fora”
(drop out) da sociedade, buscar alternativas que ofereçam um novo sentido a suas vidas.
O esoterismo encanta essas pessoas, sempre em busca do último modismo antiocidental. Ioga, feng shui,
florais de Bach, xamanismo, ervas milagrosas, dieta “detox”, tudo prato
cheio para as madames entediadas. São as “socialites socialistas”,
muitas vezes esposas ou filhas de ricaços, que compram seu passe no
mundo intelectual por meio de filantropia às causas esquerdistas ou
exóticas.
Um
anúncio que vi em uma revista parece feito sob medida para essas
senhoras. O título era “Para sua proteção” e divulgava joias a partir de
R$ 480, de ouro ou prata, “benzidas” por uma estudiosa da cabala e
banhadas em água salgada. Os colares e pulseiras eram, portanto,
“espiritualizados”. O local da loja? Leblon, claro!
[...]
Em A elegância do ouriço,
Muriel Barbery usa uma das narradoras, uma menina muito inteligente de
13 anos, para descrever o desconforto com essa atitude de sua mãe. Elas
moram em um endereço de luxo em Paris, repletas de conforto. Não
obstante, sua mãe vive a pregar o socialismo, entre uma conversa e outra
com suas plantas. E claro, mesmo depois de dez anos de terapia, ela
ainda precisa tomar remédio para dormir…
O autor coloca na outra narradora da história, uma concierge
humilde, porém extremamente culta, as palavras de desprezo em relação
ao grupo de riquinhos mimados que tentam aparentar um estilo artificial
de pobreza cool:
Se
tem uma coisa que abomino, é essa perversão dos ricos que se vestem
como pobres, com uns trapos que ficam caindo, uns bonés de lã cinza,
sapatos de mendigo e camisas floridas debaixo de suéteres surrados. É
não só feio mas insultante; nada é mais desprezível que o desprezo dos
ricos pelo desejo dos pobres.
No
entanto, basta frequentar uma faculdade privada para ver a quantidade
de jovens que aderem a esse estilo “riponga”, com suas camisetas do Che
Guevara, apenas para entrar depois em seus carros importados do ano. São
os “revolucionários de Facebook”, que escrevem em seus perfis da rede
social americana o quanto odeiam o sistema capitalista americano e o
lucro que tornou o instrumento viável.
O Natal está chegando, e o
que mais veremos por aí são os riquinhos gastando fortunas em presentes
para os seus familiares e amigos, enquanto repetem como o dinheiro e a
ganância são, ao lado do capitalismo, as raízes de todos os males do
mundo…
Rodrigo Constantino
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