Josias de Souza
Enfraquecida como nenhum outro presidente reeleito, Dilma Rousseff vive uma experiência incomum. Com um novo mandato por iniciar, caneta cheia, ela dança no ritmo ditado por seus pseudo-aliados no Congresso: um chorinho bem brasileiro. Se tivesse nome, o choro se chamaria ‘O Espírito do Bazar’. Habituada a conduzir, Dilma é conduzida.
Na semana passada, os parceiros do Planalto esvaziaram o baile. Fizeram isso na hora em que Renan Calheiros, acertado com Dilma, ameaçou impor o toque de caixa à votação do projeto da manobra fiscal —aquele que autoriza o governo a fechar as contas de 2014 no vermelho.
Noutros tempos, Dilma pisaria uma dúzia de calos. Na noite passada, chamou 23 líderes partidários para conversar no Planalto. A presidente da República entrou na roda. Acostumada a ordenar, pediu ajuda. Quer que a alforria fiscal seja aprovada na sessão que Renan convocou para esta terça-feira.
Os congressistas foram ao Planalto sabendo que Dilma emitira há quatro dias um sinal de que aceitara a cadência dos aliados. Em decreto publicado numa edição extra do Diário Oficial de sexta-feira, a presidente elevara de R$ 7,8 bilhões para R$ 10,032 bilhões o montante reservado para pagar obras que os congressistas plantam em seus redutos por meio de emendas ao Orçamento da União.
Num gesto bastante parecido com uma chantagem, Dilma condicionou a liberação da verba extra à aprovação da proposta de anistia fiscal para o governo. Anotou no decreto que “a distribuição e a utilização” da verba “ficam condicionadas à aprovação da lei resultante da aprovação” do projeto que formaliza o jeitinho fiscal.
Houve tempo em que o governo e seus apoiadores no Legislativo pechinchavam em segredo. Nos últimos dias, já nem se preocupam em procurar um cantinho escuro. Para evitar a lamentação depois do fato, a coisa agora é estampada no Diário Oficial com antecedência.
Numa conversa arrastada, de quase duas horas, Dilma tentou injetar o interesse público na coreografia. Repisou a desculpa segundo a qual o governo arrebentou suas contas por precisão, não por descontrole. Nessa versão, os investimentos do PAC e o refresco tributário servido à indústria impediram que o PIB deslizasse do zero a zero para um saldo negativo de 1,5%.
Auxiliada pelos ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Ricardo Berzoini (Relações Institucionais) e pelo vice-presidente Michel Temer, Dilma insinuou que a eventual rejeição do projeto que legaliza o rombo nas contas de 2014 obrigaria o governo a realizar uma carnificina nos seus gastos, prejudicando inclusive repasses para Estados e municípios.
A despeito da dramaticidade do apelo, os líderes não asseguraram a Dilma que o projeto será aprovado nesta terça. Mas se comprometeram a tentar. Além da insatisfação que se espraia pelo condomínio, será necessário vencer a obstrução dos partidos de oposição.
Ficou boiando na atmosfera a impressão de que os aliados de Dilma querem prolongar a contradança.
A votação está marcada para as 18 horas. Até lá, ‘O Espírito do Bazar’ será a trilha sonora de Brasília.
Barganha-se quase tudo na Capital, com a provável exceção da mãe. Ouve-se ao fundo o tilintar de verbas e cargos.
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