domingo, 16 de fevereiro de 2014

A CABEÇA DO POLICIAL


JAIME SAUTCHUK

Desde o início do mês de agosto de 2013, em apenas um de seus campos de atividade (o carcerário), a Polícia Militar do Distrito Federal perdeu três de seus membros, por suicídio. A estatística é elástica se observarmos os outros ramos da PM e as demais polícias, em especial a Civil e a Federal, mas este caso chama mais a atenção pela constância.

Quase todos os suicidas da PM tiram suas vidas com as próprias armas que usam como ferramentas do ofício. Mas há registros de ocorrências em outros formatos, como enforcamento, envenenamento e saltos de alturas. Em todos os casos, porém, a causa apontada é a psicológica, em momentos de stress, de esgotamento nervoso.

A sociedade está habituada a ver no ou na policial motivo de certo resguardo. Na mídia, eles são vistos nos espaços adequados, sempre ligados à violência, como executores de ações de força ou até no papel de vítimas do crime organizado, como em casos que têm sido alardeados, quase sempre de forma nebulosa. A pessoa que está por detrás da farda quase não é notada.

Não se trata de aliviar a barra, de pedir clemência para tantos atos truculentos e de abuso de autoridade que se vê com frequência. São, contudo, seres humanos, grande parte dos quais de boa índole, honestos, que sonham fazer de sua atividade um instrumento de justiça, de paz social. Esses são os que padecem, não concordam com o sistema em vigor e vão ao desespero.

CONTINGENTE DE 15 MIL PESSOAS

A PM do DF tem um contingente de cerca de 15 mil pessoas, nos postos de soldado a coronel. Atualmente, o acesso é por concurso público e é exigida a formação escolar de nível superior, sem falar na aptidão física. O treinamento específico, dos bombeiros aos pelotões de choque, é dado pela própria corporação, que mantém centros inclusive para preparar o agente carcerário.

Este se depara com uma realidade bastante diferenciada. Não vai fiscalizar trânsito, apagar incêndios, prender bandidos ou controlar manifestações. A ele cabe lidar com gente que já está trancafiada, seja por determinação policial, provisória, seja por decisão judicial. Vigiar o dia a dia, fazer transferências ou mesmo conter rebeliões são suas tarefas mais rotineiras.

E ali estão os problemas.

A própria superlotação dos presídios e as condições em que vivem os presos já são motivos de angústias. Mas o drama cresce em volume quando o agente vai averiguar o perfil dos encarcerados, quem são eles, por que estão ali. Grande parte são ladrões de galinhas, presos e condenados por razões que mereceriam penas mais brandas, fora das prisões. Os grandes é que estão fora, em liberdade. Na tentativa de entender, advêm os dramas dos policiais.

Os quartéis, em geral, têm estrutura para o preparo físico da tropa e, no caso do DF, é bastante fácil o acesso a atendimento de saúde, no que se refere aos cuidados com o corpo. Quando a moléstia se envereda para o campo psicológico, no entanto, a questão fica complicada e os cuidados são bastante precários, ou limitados.

Nessa área, a PM mantém um atendimento rudimentar, quase ambulatorial, para cuidados emergenciais. E algum atendimento continuado em um de seus hospitais. Mas não há um tratamento sistemático. O paciente é colocado em funções que não exijam o porte de arma, por exemplo, e vai buscar amparo no sistema de saúde, fora da caserna. Por isso, clínicas psiquiátricas do DF, públicas e privadas, estão cheias deles, custeadas por planos de saúde.

O retorno ao trabalho pode ser lento, por etapas, e muitas vezes nem ocorre. Muitos, porém, dão cabo da vida antes de serem tratados. E assim o problema vai sendo levado, ou contornado. E suas raízes parecem intocadas.

(Artigo de agosto/2013, considerado ainda atualizado)

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