domingo, 16 de fevereiro de 2014

Para FHC, Lula segue louco por campanhas






Beto Silva
Sérgio Vieira

Ricardo Trida/DGABC


Se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-2003 a 2012) voltar a disputar uma eleição, não será surpresa para o também ex-chefe da Nação Fernando Henrique Cardoso (PSDB-1995 a 2002).

Indagado sobre a frase do petista logo depois de deixar o Palácio do Planalto, de que iria mostrar como se comporta alguém que deixou o principal posto público do País – uma crítica ao tucano, que comentava algumas ações do seu sucessor –, FHC é contundente: 

De fato, o ex-presidente mostrou como, em geral, seus companheiros de condição se comportam: não se conformam em deixar o poder e continuam loucos para entrar em novas campanhas eleitorais”. 

Em entrevista exclusiva ao Diário, Fernando Henrique diz que, ao contrário dos pleitos anteriores, neste ano o PSDB está unido, pois não há concorrência interna para fazer frente à candidatura do senador Aécio Neves (MG) à Presidência. O sociólogo e professor, que ministra palestra amanhã, em Santo André, discorre ainda sobre o Plano Real, o qual lançou em 1994; as manifestações populares de junho; câmbio e economia; e acerca da possibilidade de reforma política no País. “Nenhum partido nem qualquer liderança com poder de estado está realmente empenhado em reforma alguma.”

DIÁRIO – Em julho, o Plano Real completa 20 anos. Qual a avaliação do sr. a respeito da trajetória da moeda ao longo dessas duas décadas? E como enxerga o desempenho da inflação nesse período? Está em linha com suas previsões quando da implementação do plano?

FHC – Não há dúvidas de que o Plano Real foi um mecanismo eficaz para controlar um surto de hiper-inflação. De 20% ao mês, ela se reduziu, hoje, a coisa de 6% ao ano. Mas a inflação é uma manifestação insidiosa de desequilíbrio nas contas públicas, precisa ser continuamente vigiada e controlada.

DIÁRIO – Qual a avaliação do sr. sobre a postura do governo federal de incentivar o consumo após a crise financeira de 2008, como forma de driblar a turbulência? Esse remédio, que incluiu políticas de desoneração, foi eficiente para a retomada da economia brasileira e criação de empregos? E os estímulos aos investimentos, é possível traçar um paralelo com o seu governo?

FHC – Nos períodos de crise cíclica, cabe aos governos agirem anticiclicamente. A política econômica não pode ser manejada por uma receita única e estável. Assim, diante da crise internacional e da falta de liquidez, o governo agiu corretamente. Entretanto, mais tarde, se equivocou, continuando a atuar aumentando o crédito indiscriminadamente e imaginando que mais protecionismo e mais subsídios garantiriam o crescimento econômico, o que não ocorreu. Só uma política com regras claras e estáveis e mais capitais investidos produtivamente (privados e públicos) cria condições favoráveis ao crescimento sustentável.

DIÁRIO – De que maneira o câmbio afeta a indústria, já que, durante seu governo o dólar custava R$ 1 e hoje, mesmo com a moeda norte-americana cotada a R$ 2,39, os empresários ainda a consideram insuficiente para emplacar seus produtos no Exterior e impedir entrada maciça de importados no País?

FHC – Depende da conjuntura nacional e internacional. O dólar, no início do Real (governo Itamar Franco) valia R$ 0,86. No meu tempo, a moeda se desvalorizou lentamente (temíamos os efeitos inflacionários da desvalorização em uma economia ainda muito indexada).

Com a ameaça da eleição do Lula (percebida pelos mercados como catastrófica), o dólar foi a mais R$ 3, voltando, pouco a pouco, a se desvalorizar, valendo o real cerca de 1,7 dólar no fim do governo Lula.

Os industriais exportadores gritaram, como no passado, dizendo que isso impedia as exportações. Agora, voltamos a R$ 2,40, e a gritaria continua. Onde está o certo? A variação do câmbio depende, como já disse, de circunstâncias monetárias, locais e internacionais e do equilíbrio das contas.

Em si, a taxa de câmbio não resolve as deficiências estruturais da produção industrial. Estas dependem de uma política de aumento contínuo da criatividade e da produtividade, dentro das fábricas, mas, sobretudo, na sociedade e no governo.

DIÁRIO – Em linhas gerais, quais os principais aspectos que o sr. identifica a respeito do futuro do desenvolvimento dos municípios, tema de sua palestra em Santo André? E o que é necessário hoje para otimizar as oportunidades dos municípios, principalmente do Grande ABC, no futuro?

FHC – Desde quando eu comecei a me interessar pela região do Grande ABC até agora, as mudanças foram enormes. São Bernardo, quando eu escrevi um ensaio sobre a cidade, na década de 1970, já tendia um setor terciário importante, mas ainda não era uma cidade de serviços.

Hoje, manteve a industrialização, mas se tornou uma cidade onde o setor terciário predomina na oferta de emprego e tudo mais. São Caetano passou a ser um dos municípios mais prósperos do Estado.

Ocorre, entretanto, que, como toda grande confirmação urbana brasileira, em conjunto, o Grande ABC padece de regras metropolitanas e de oferta de serviços de boa qualidade em matéria de Segurança, Mobilidade Urbana, Saúde, Educação e até saneamento.

Não é apenas o Grande ABC que sofre desses problemas, são todas as grandes cidades brasileiras. Esse é nosso desafio futuro: como tornar mais habitáveis, amenas e seguras nossas cidades.

DIÁRIO – Como sociólogo, como o sr. enxergou as manifestações populares em junho em todo o Brasil? E qual deveria ter sido o caminho adotado pelas autoridades públicas? Acredita em mais manifestações durante a realização da Copa do Mundo?

FHC – A forma adotada pelas manifestações de junho e julho tem a ver com as mudanças tecnológicas: com a presença crescente da internet e com as mobilizações por esse meio, que saltam as organizações.

A motivação tem a ver com o sentimento de mal-estar gerado pelo acúmulo de problemas, sobretudo urbanos, dada a pouca eficiência dos serviços públicos (Segurança, Transportes, Saúde, Educação e mesmo de acesso à web) e pelo sentimento difuso de muitos gastos desnecessários, inclusive na Copa, e muita corrupção. 

Não foi um movimento dirigido contra este ou aquele partido ou contra tal ou qual detentor do poder, foi mais geral. Como tudo isso persiste, não é de espantar que as manifestações voltem a ocorrer. Aliás, quase diariamente há incêndio de ônibus e viaturas nas várias cidades do País.

DIÁRIO – O sr. acredita que ainda há chance de sair a reforma política neste ano? E o que falta para que ela possa finalmente ser votada? Quais os pontos o sr. acha fundamentais que deveriam ser implementados?

FHC – Não, não acredito. Nenhum partido nem qualquer liderança com poder de Estado está realmente empenhado em reforma alguma. Enquanto isso, o sistema político como um todo vai perdendo a confiança do povo, o que é preocupante.

DIÁRIO – O PSDB enfrentou dificuldades internas de unidade nas últimas eleições presidenciais, o que contribuiu para as derrotas nas urnas. Como vê o partido para as eleições deste ano? Eduardo Campos é adversário ou futuro aliado em provável segundo turno? E em São Paulo, enxerga favoritismo do governador Geraldo Alckmin?

FHC – Desta vez o PSDB está unido, ninguém mais disputa a condição de candidato com Aécio Neves. Espero que Eduardo seja aliado no segundo turno. Há melhores condições de vitória hoje do que no passado: o governo Dilma está desgastado, há fadiga de material e tanto Eduardo como a ex-senadora Marina Silva (PSB) se deslocaram do bloco que pode ir para a oposição.

DIÁRIO – Logo após vitória de Dilma Rousseff (PT), o então presidente Lula disse em discurso que iria mostrar como se comporta um ex-presidente. Hoje, que avaliação o sr. faz dessa fala dele?

FHC – De fato, o ex-presidente mostrou como, em geral, seus companheiros de condição se comportam: não se conformam em deixar o poder e continuam loucos para entrar em novas campanhas eleitorais.


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