Os debochados de Banânia
Vamos nos condenando a ser o que já somos, porém um pouco piores a cada dia porque outros melhoram
Bem, este escriba não acha que o país caminhe para o desastre. Nunca achou. Até o Sudão do Sul e o Haiti existem quando se é um empirista empedernido. Por que não existiria o Brasil? Não vislumbro a derrota final, mas a continuidade da mediocridade aviltante.
"Na ditadura era melhor?" Não, mas a pergunta é cretina. A democracia tem de ser avaliada segundo seus próprios valores. Há 20 anos --ou cinco...--, um vice-presidente da Câmara dos Deputados não receberia, a exemplo do que fez o sr. André Vargas (PT-PR), o presidente do Supremo com o punho cerrado, num ato de suposta resistência à decisão da corte suprema do país, que condenou larápios.
Ainda que, vá lá, os petistas queiram, como eles dizem, "politizar a questão" e disputar a opinião pública, há canais e instrumentos mais adequados, nunca uma solenidade oficial do Congresso, na abertura do ano legislativo. Ao receber o ministro Joaquim Barbosa com aqueles modos, Vargas mandou às favas seu papel institucional e se comportou como um chefete de facção, um arruaceiro, um "black bloc" do Parlamento. Tornou-se um depredador da ordem democrática.
Igualmente estupefaciente é a decisão do PT --e é ação partidária, sim-- de arrecadar fundos na internet para pagar as multas impostas pelo STF aos mensaleiros. Ao fazê-lo, note-se, marca um reencontro com aquela turma que se negou a homologar a Constituição de 1988, há longos 26 anos. Tratou-se, é sabido, de um gesto simbólico, a deixar claro, no entanto, que o partido não se colocava como um dos procuradores da ordem democrática. Evidenciava-se, e se reitera hoje, que o petismo não se sentia representado por aquele arcabouço legal e institucional nem se comprometia com a defesa dos seus valores.
A cerimônia em que Alexandre Padilha transferiu o comando do Ministério da Saúde para Arthur Chioro foi um emblema da degradação republicana. A solenidade foi transformada numa peça cínica de antecipação da disputa eleitoral, com generalizações e omissões grosseiras sobre os próprios feitos e os alheios. Os discursos estavam eivados de provocações baratas e mesquinharias que nada tinham a ver com o interesse público.
O Brasil vai acabar por isso? Não. O Sudão do Sul não acaba. O Haiti não acaba. Mas vamos nos condenando a ser o que já somos, porém um pouco piores a cada dia porque outros melhoram. Vejam o que aconteceu, por exemplo, com a Coreia do Sul em 26 anos. No Brasil, o futuro demora tempo demais para chegar. Mercadistas sem imaginação e oportunistas travestidos de esquerdistas pragmáticos acham isso tudo bobagem. Os banqueiros e a CUT fingem acreditar que existe lugar entre os bons para um país com moldura institucional estropiada.
Musil, em "O Homem Sem Qualidades", define assim o advento de uma nova era em Kakânia, um país imaginário: "Algo imponderável. Um presságio. (...) Como quando fios de novelos se desmancham. Quando um cortejo se dispersa. Quando uma orquestra começa a desafinar. ("¦) Ideias que antes possuíam um magro valor engordavam.
Pessoas antigamente ignoradas tornavam-se famosas. O grosseiro se suaviza. ("¦) Havia apenas um pouco de ruindade demais misturada ao que era bom, engano demais na verdade, flexibilidade demais nos significados ("¦)".
Servia para Kakânia. Serve para Banânia. No país imaginário de Musil, gênios até podiam ser tomados como patifes, mas patifes jamais eram tomados como gênios. Já aqui...
Reinaldo Azevedo | ||||||
Nenhum comentário:
Postar um comentário