sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Candidato à Fifa diz: "não pode ser culpada pelo que foi feito no Brasil"

    TERRA 

Jérôme Champagne deixou a Fifa em 2010 e é o primeiro candidato à eleição presidencial da entidade, que está marcada para junho de 2015



Jérôme Champagne conta com o apoio de Pelé em sua candidatura à presidência da Fifa Foto: @JChampagne2015/Twitter / Reprodução
Jérôme Champagne conta com o apoio de Pelé em sua candidatura à presidência da Fifa
Foto: @JChampagne2015/Twitter / Reprodução


A próxima eleição para a presidência da Fifa ocorre somente em junho de 2015, mas já há um primeiro candidato anunciado. O francês Jérôme Champagne confirmou sua intenção em participar da disputa no último mês de janeiro, em Londres. Ex-braço direito de Joseph Blatter, o diplomata que conta com apoio de Pelé em sua candidatura falou ao Terra sobre seus planos para o futebol e analisou alguns problemas da entidade que rege o esporte mais popular do mundo.


"Precisamos de uma Fifa mais ativa, mais democrática para discutir reformas, e também uma Fifa que esteja mais adaptada aos desafios do Século XXI. Precisamos de mais transparência e responsabilidade", disse Champagne, que morou no Brasil durante a década de 1990 e fala português fluentemente. Sua campanha tem como meta "reequilibrar o jogo em um Século XXI globalizado".
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Pelé grava vídeo apoiando Jérôme Champagne à presidência da Fifa

O candidato deixou a Fifa em 2010 após questões não totalmente esclarecidas que envolvem uma disputa com o catariano Mohammed Bin Hamman, ex-presidente da Confederação Asiática de Futebol (AFC) e que foi banido do futebol pelo Comitê de Ética da Fifa, e também uma suposta rixa com Jérôme Valcke, atual secretário-geral da entidade. Entretanto, sua relação com o atual presidente, Sepp Blatter segue positiva, e Champagne chegou a conversar com o mandatário antes de lançar sua candidatura.


Apesar de alguns veículos internacionais alegarem que o francês possa desistir da disputa caso Blatter tente mais uma reeleição, Champagne evitou falar do tema. Ele, entretanto, não deixou de comentar sobre outros problemas da Fifa, como a polêmica Copa do Mundo de 2022, marcada para o Catar, a imagem danificada da entidade e a realização do Mundial no Brasil. "É normal que a população prefira hospitais e escolas a estádios, mas estou convencido de que a Fifa não pode ser culpada do que foi feito no Brasil", afirmou.
Champagne lança sua campanha "Hope For Football" em Londres Foto: AP
Champagne lança sua campanha "Hope For Football" em Londres
Foto: AP

Confira a seguir a entrevista com Jérôme Champagne:



Terra - O que fez com que o senhor decidisse por lançar essa candidatura à presidência da Fifa?

Jérôme Champagne - Acho que hoje o futebol se beneficia muito da globalização. Ela fez que com que o futebol se transformasse no esporte número um do mundo. O futebol ganhou todas as partes do mundo, mas ao mesmo tempo a globalização faz com que o esporte passe por processos complicados. Há um crescimento da desigualdade, entre os continentes. Hoje temos perdido a competitividade em algumas ligas. A decisão no campo está cada vez mais influenciada pelo orçamento. A liga inglesa é um grande exemplo disso. 


Há um sentimento de perda de credibilidade. Não somente no futebol, mas globalmente, como entre os governos. Hoje o futebol está numa contínua elitização. Cada vez mais um número menor de clubes e ligas concentra os melhores jogadores. A consequência disso é o futebol se transformar em algo como o basquete, em que a NBA domina. 

O futebol tem que continuar a ser universal, e a Fifa tem que manter o futebol mais equilibrado. Nesse caso não precisamos da mesma Fifa, precisamos de uma Fifa mais ativa, mais democrática para discutir reformas, e também uma Fifa que esteja mais adaptada aos desafios do Século XXI. Precisamos de mais transparência e responsabilidade, e a Fifa tem que continuar o que foi bem feito. Por isso que decidi me candidatar. Para fazer com que a Fifa seja mais forte e que minhas ideias possam ser difundidas.
Champagne é o primeiro candidato à eleição presidencial da Fifa; especula-se que Joseph Blatter, Jérôme Valcke e Michel Platini possam participar do pleito Foto: Reuters
Champagne é o primeiro candidato à eleição presidencial da Fifa; especula-se que Joseph Blatter, Jérôme Valcke e Michel Platini possam participar do pleito
Foto: Reuters

Terra - Como surgiu o apoio de Pelé? O senhor procurou Pelé para conseguir seu apoio?

Jérôme Champagne - Para mim é fantástico ter o apoio dele. Nos próximos meses vou apresentar mais pessoas, mas não há melhor para ser o primeiro do que o Pelé. Fui primeiro secretário da embaixada da França e meu trabalho na embaixada, em Brasília, era o de seguir o trabalho interno do país. Eu já sabia que ia trabalhar no Comitê Organizador da Copa de 1998 e assim conheci o senhor Pelé. Pouco a pouco desenvolvemos uma amizade, falamos sobre a Copa de 1998 e quando entrei na Fifa discutimos muitas coisa. Desenvolvemos uma amizade com conselhos e discussões. Quando lhe expliquei minha intenção de me candidatar, ele me disse que daria o apoio.


Terra - O senhor já conta com o apoio de alguma federação?

Jérôme Champagne - Isso não vou falar, porque ainda temos um tempo para que apresentar as cinco federações de que preciso. Não vou revelar nada nesse momento porque não quero por ninguém em uma situação difícil.


Terra - Existe a possibilidade de que Joseph Blatter tente mais um mandato. Se isso realmente ocorrer, o senhor mantém sua candidatura?

Jérôme Champagne - Não vou responder a uma pergunta hipotética. Hoje sou o primeiro candidato, não sei o que vão fazer as outras pessoas.
Muitas críticas sobre a Fifa são feitas sem que ela tenha responsabilidade, não posso questionar que há um déficit de imagem


Terra - Mas o senhor mantém contato com Joseph Blatter? Chegou a conversar com ele sobre sua candidatura?

Jérôme Champagne - Sim, informei ao senhor Blatter. Antes de viajar a Londres pedi um encontro. Falei sobre minhas intenções e ele me recebeu muito bem.


Terra - Uma das propostas apresentadas pelo senhor é o limite de jogadores estrangeiros em uma equipe. Como fazer para implementar isso no futebol europeu, já que está sob as leis da União Europeia?

Jérôme Champagne - O futebol por definição é a mistura, das origens e da técnica, mas hoje a liberdade de movimentação só beneficia os clubes mais ricos. Podem comprar um jogador internacional em vez de revelar um. Então em alguns países, como na Inglaterra, os jogadores elegíveis para a seleção nacional estão cada vez mais escassos. Isso é um problema. O que se vê é que muitas federações nacionais não estão dando conta do problema, seja na Rússia, seja na Turquia. Caso contrário o futebol de seleções que vai sofrer. Essa liberdade de movimentação é um sistema que só beneficia aos mais ricos. Se uma outra organização política regional, seja o Mercosul ou alguma outra, tivesse decidido uma regra similar, ninguém teria aceitado isso. Temos que trabalhar para convencer de que é responsabilidade da Fifa de proteger o futebol nacional. O futebol não é homogêneo como era há vinte anos. Antes era possível um clube norueguês, sueco ou holandês chegar muito longe na Liga dos Campeões. Hoje não é possível porque há a concentração. No Tratado de Lisboa (acordo assinado pelos países membros da União Europeia em 2007) há uma cláusula que diz que a União Europeia deve proteger a especificidade do esporte, isso é um aspecto legal para reequilibrar o futebol europeu e, a partir daí, o mundo todo.
Champagne participa do sorteio da Copa do Mundo de 2006 com Michael Schumacher Foto: AFP
Champagne participa do sorteio da Copa do Mundo de 2006 com Michael Schumacher
Foto: AFP

Terra - É possível implementar a proposta de divulgar salários do presidente da Fifa e dos altos executivos?

Jérôme Champagne - Eu pessoalmente não vejo nenhum problema em transparência nesses temas. Se conhece o salário do presidente dos Estados Unidos, do presidente francês. Eu sou favorável à transparência.


Terra - O projeto do Catar para a Copa do Mundo de 2022 vem sendo bastante combatido, seja por conta de denúncias de trabalho escravo, seja pelas fortes temperaturas do país, seja por acusações de fraude na escolha como sede da Copa. Como lidar com esses problemas?

Jérôme Champagne - O meu primeiro posto diplomático era no sultanato de Omã. Vivi lá por algum tempo, aprendi árabe e acho muito bom que a Copa do Mundo possa chegar a um país árabe. Mas a Copa de 2022 não tem como ser disputada em junho e julho. Devemos encontrar uma outra data, mas será difícil, porque que terá consequências complicadas em todas as competições do mundo. Sobre os outros problemas, a Fifa deu um prazo até 15 de fevereiro para o Catar explicar melhor a situação trabalhista. A terceira questão são as alegações de influência sobre a votação favorável ao Catar. Se falou de Ricardo Teixeira, de França e Alemanha, então há uma comissão de investigação. Temos três processos, e a Fifa diz que isso tudo tem que ser concluído em 2014. A princípio a Copa no Catar segue, mas temos que saber o resultado desses processos. A Copa tem que ser protegida, ter uma imagem perfeita. Não podemos ter uma Copa do Mundo com a imagem danificada. Tem que ser limpa.


A Copa tem que ser protegida, ter uma imagem perfeita. Não podemos ter uma Copa do Mundo com a imagem danificada


Terra - A Fifa nos últimos anos se envolveu em muitas denúncias de corrupção e fraudes. A atual administração já age contra esta situação, mas como combater esses problemas e "limpar" a imagem da Fifa?

Jérôme Champagne - Acho que a Fifa é culpada por coisas pela qual não tem responsabilidade. É por isso também que decidi me candidatar. Fazer esse trabalho de proteger o futebol para corrigir essas consequências negativas da globalização e usar as consequências positivas. Temos que ter uma Fifa com uma imagem melhor, reconciliada com a opinião pública. Muitas críticas sobre a Fifa são feitas sem que ela tenha responsabilidade, não posso questionar que há um déficit de imagem. Mas ao mesmo tempo sabemos que muitas coisas são responsabilidade dos membros do Comitê Executivo, mas a Fifa é responsabilizada. Quando há algum tempo Mohamed bin Hammam deixou a Confederação Asiática de Futebol (AFC), a Fifa foi atacada, mas a ela não tem responsabilidade continental. A Fifa tem que melhorar essa imagem, renovar os laços com a opinião pública para ter uma credibilidade maior.


Terra - Atualmente a imagem da Fifa no Brasil é bastante negativa, e a entidade foi um dos alvos dos protestos ocorridos durante a Copa das Confederações. O senhor acha que a Fifa merece esse tipo de tratamento no Brasil?

Jérôme Champagne - Morei no Brasil, é um país que adoro, cheguei pouco depois da implementação do Real e a democracia brasileira dá ao povo o poder de contestar decisões. E o verdadeiro lugar onde devemos organizar uma Copa é em uma democracia. É normal que a população prefira hospitais e escolas a estádios, mas estou convencido de que a Fifa não pode ser culpada do que foi feito no Brasil. Enquanto à escolha de cidades, construções, tudo isso é uma coisa nacional, mas estou convencido de que o povo brasileiro aproveitará a Copa do Mundo, porque é uma grande oportunidade de mostrar o Brasil. É um país com problemas, tem que enfrentar a corrupção, mas estou muito otimista pelo futuro e convencido de que se a Seleção for bem, todos vão apoiar. Organizar uma Copa do Mundo é muito complicado, mas estou convencido de que será uma Copa fantástica.
Champagne deixou a Fifa em 2010 Foto: Reuters
Champagne deixou a Fifa em 2010
Foto: Reuters

Terra - O senhor pretende vir ao Brasil durante a Copa do Mundo?

Jérôme Champagne - Creio que vou viajar, vou ver no Brasil, mas não sei quantas partidas conseguirei ver. Não sei exatamente. Mas vou chegar ao começo para ver a abertura. O Brasil é um país fantástico, onde nasceu meu primeiro filho. Tenho muito carinho pelo país.


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