questão agrária
Fim da moratória da soja deverá incentivar 'desmatamento legal' na Amazônia
Acordo que impedia expansão da
sojicultura na floresta termina em dezembro. Cultura passa a ser
regulada apenas pelo novo Código Florestal, sem barreiras ao cultivo da
oleaginosa
arquivo rba
Plantio industrial de soja na Amazônia pode ampliar fronteiras sobre a floresta, quando caírem medidas restritivas
São Paulo – A moratória da soja, que impede a
comercialização de soja brasileira proveniente de áreas desmatadas na
Amazônia depois de 2006, chega ao fim em 31 de dezembro.
Com o término do acordo entre o governo brasileiro, exportadores e ONGs ambientalistas, não haverá mais qualquer impedimento ético à expansão da fronteira agrícola da soja na Amazônia.
A partir do ano que vem, a sojicultura e demais atividades produtivas serão regulamentadas apenas pelo Código Florestal e fiscalizadas pela União pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR).
A nova legislação, aprovada em 2012, permite que o produtor desmate 20% da área de floresta situada em sua propriedade. Nessa porção, poderá realizar qualquer atividade agrícola, inclusive o cultivo de soja, que até então era vedado pela moratória.
O secretário-geral da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Fábio Trigueirinho, uma das entidades signatárias do acordo, assume que o desflorestamento aumentará com o fim da moratória.
Mas argumenta que o término do compromisso e a vigência do Código Florestal farão com que o sojicultor se veja obrigado a preservar os 80% de floresta da propriedade – chamado Reserva Legal. “Se tiver algum desmatamento autorizado, vamos tolerar, só que o produtor vai ter que cuidar do resto”.
No início do ano, Grupo de Trabalho da Soja (GTS), responsável pelo cumprimento da moratória, decidiu pela última renovação do acordo.
O término estava previsto para o último mês de janeiro. A moratória impediu a comercialização de soja plantada em áreas desmatadas do bioma amazônico a partir de 24 de julho de 2006, quando entrou em vigor.
A decisão foi convencionada entre as entidades representantes do setor privado Associação Nacional de Exportadores de Cereais (Anec), Abiove e associadas, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e ONGs de conservação ambiental, como o Greenpeace e a WWF Brasil.
Segundo o diretor geral da Anec, Sérgio Mendes, os exportadores de cereais decidiram fazer parte da moratória para “desfazer qualquer mal entendido” com clientes no exterior, “principalmente os da Europa”, frisa.
À época, o mercado europeu, grande comprador da soja brasileira, pressionou as exportadoras do país no sentido da produção sustentável de oleaginosas. Foi essa pressão dos clientes internacionais que motivou Anec e Abiove a assinarem o termo.
Hoje, porém, a maior parte da soja produzida no Brasil é escoada para o mercado chinês. De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, a China importou, no ano passado, 32 milhões de toneladas de soja brasileira, o que representa 31,25% a mais do que os 22 milhões comprados em 2012.
Já a importação europeia caiu 5,5% no mesmo período: foram 5,1 milhões de toneladas de soja provenientes do Brasil em 2013, contra 5,4 milhões em 2012.
Para o secretário-geral da Abiove, a queda da exportação de soja para a Europa pode ser explicada porque o continente tem um “mercado maduro”.
Entretanto, Fábio Trigueirinho admite que o mercado chinês não pede contrapartidas ambientais tão exigentes como os europeus ao comprar os grãos do Brasil. “A China está sendo a locomotiva do mercado da soja no mundo inteiro. Hoje, ela importa cerca de 70% da demanda mundial de soja em grão”, disse.
O novo sistema do Grupo de Trabalho da Soja considera que o monitoramento do plantio da oleaginosa na Amazônia de acordo com o Código Florestal poderá ser feito pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR), uma ferramenta do Programa de Regularização Ambiental (PRA) do governo federal em que o produtor declara a posse de determinado território e o Ministério do Meio Ambiente fiscaliza a conservação da área de floresta cadastrada por meio de imagens de satélites.
A ferramenta, porém, e apesar do fim iminente da moratória, ainda não foi regulamentada e posta em prática pelo governo.
Ainda que as regras do Código Florestal Brasileiro sejam válidas para todo o país, a fiscalização pelo CAR será feita massivamente, em um primeiro momento, somente em dez municípios no bioma amazônico.
Na moratória, estas áreas, consideradas “pontos sensíveis” pelo GTS, representam 70% da produção de soja em área desflorestada depois de 2006. “Nós queremos trazer o produtor rural para esse sistema de cadastro, porque ele ficará totalmente visível para o governo”, explica Trigueirinho.
Entretanto, como o novo sistema de controle do desmatamento da Amazônia não está completamente estabelecido, o Greenpeace acredita que a moratória ainda seja necessária, como afirma o representante da ONG Rômulo Batista. “O CAR é um sistema novo que ainda precisa ser testado. No bioma amazônico, há muito mais área desmatada do que o sistema pode fiscalizar ou autuar”, diz. Batista destaca também o baixo contingente populacional e a grande extensão territorial da região como empecilhos ao monitoramento.
Ele destaca que os programas de regularização fundiária do governo federal, como o Terra Legal, acirraram a concentração de áreas para o cultivo de soja e o confronto com a população tradicional.
Rego relata que, por conta da proibição do plantio de soja em áreas desmatadas após 2006, os produtores rurais cadastram no Terra Legal a posse de áreas pertencentes ao estado, como assentamentos e terras quilombolas e indígenas para realizarem o cultivo da oleaginosa. O conflito de terras na região torna-se ainda maior e a posse de terra uma utopia para o pequeno produtor. “Se o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] pesquisasse minimamente em seu sistema, saberia que ali é uma terra quilombola ou um assentamento e que não há como fazer cadastro dessas áreas”.
A CPT é contrária à moratória por acreditar que ela precarizou a questão fundiária e o acesso à terra pelas populações locais, mas Rego teme que os confrontos sejam ainda piores com o fim do acordo e a regularização do Cadastro Ambiental Rural como ferramenta de controle do desmatamento.
“O GTS quer transformar o CAR em documento fundiário. Os assentamentos, que são coletivos, terão cadastros individuais. Nós também teremos cadastros dentro de unidades de conservação, dentro de reservas extrativistas. Isso vai acabar com a história das comunidades”, argumenta o coordenador da entidade.
No entanto, produtores de soja, por meio da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja), adotam o discurso da evolução da governança ambiental para justificar o fim da moratória. “Entendemos que a moratória perdeu o sentido a partir da consolidação dos mecanismos de governança ambiental definidos na reforma do Código Florestal”, diz a nota da Aprosoja.
“Hoje há abertura de florestas no Pará, mas não é possível identificar pelo satélite se é em área de plantio da soja. Com isso, os produtores dizem que o local desmatado é um assentamento e é criado um discurso de que não é mais a soja que desmata, que a moratória está funcionando e diz que quem desmata é a população local.
Todo ano, eles abrem mais mata e os conflitos [entre sojicultores e os povos tradicionais] continuam”, lamenta o coordenador da CPT Santarém.
Para o Greenpeace, o sistema de governança do bioma amazônico ainda é falho e representa uns dos principais motivos pelos quais a moratória continua sendo um instrumento necessário para evitar o desmatamento.
“As associações disseram que a moratória havia perdido sua eficácia por conta do novo marco legal do Código Florestal e pela existência de uma nova governança ambiental, mas nós acreditamos que essa governança não está totalmente estabelecida”, contesta Batista ao afirmar que o CAR ainda não foi regularizado.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), a Amazônia possui áreas abertas suficientes para expandir a produção brasileira de soja.
“Não há necessidade de desmatar absolutamente nada na Amazônia. Nós temos alguns milhões de hectares de áreas degradadas que poderiam ser aproveitadas para o plantio de soja”, afirma o diretor do Departamento de Políticas para o Combate ao Desmatamento, Francisco Oliveira, do MMA.
“A área amazônica não-utilizada ou subutilizada é mais do que suficiente para dobrar a produção agrícola do país, seja ela por forma de recuperação dessas áreas degradadas, seja por forma de melhoria na utilização das áreas subutilizadas”, argumenta Batista.
Este ano, a Aprosoja passará a integrar o GTS como representante dos produtores da oleaginosa. Porém, entidades representantes de moradores das regiões afetadas pelo cultivo do grão, durante os oito anos de vigência da moratória, nunca tiveram espaço no grupo de trabalho.
Para o coordenador da CPT Santarém, a moratória “não foi feita para que houvesse envolvimento da sociedade local”.
A Abiove afirma que o acordo é “voltado para a parte ambiental” e que, portanto, não haverá inclusão dos povos tradicionais.
Com o término do acordo entre o governo brasileiro, exportadores e ONGs ambientalistas, não haverá mais qualquer impedimento ético à expansão da fronteira agrícola da soja na Amazônia.
A partir do ano que vem, a sojicultura e demais atividades produtivas serão regulamentadas apenas pelo Código Florestal e fiscalizadas pela União pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR).
A nova legislação, aprovada em 2012, permite que o produtor desmate 20% da área de floresta situada em sua propriedade. Nessa porção, poderá realizar qualquer atividade agrícola, inclusive o cultivo de soja, que até então era vedado pela moratória.
O secretário-geral da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Fábio Trigueirinho, uma das entidades signatárias do acordo, assume que o desflorestamento aumentará com o fim da moratória.
Mas argumenta que o término do compromisso e a vigência do Código Florestal farão com que o sojicultor se veja obrigado a preservar os 80% de floresta da propriedade – chamado Reserva Legal. “Se tiver algum desmatamento autorizado, vamos tolerar, só que o produtor vai ter que cuidar do resto”.
No início do ano, Grupo de Trabalho da Soja (GTS), responsável pelo cumprimento da moratória, decidiu pela última renovação do acordo.
O término estava previsto para o último mês de janeiro. A moratória impediu a comercialização de soja plantada em áreas desmatadas do bioma amazônico a partir de 24 de julho de 2006, quando entrou em vigor.
A decisão foi convencionada entre as entidades representantes do setor privado Associação Nacional de Exportadores de Cereais (Anec), Abiove e associadas, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e ONGs de conservação ambiental, como o Greenpeace e a WWF Brasil.
Segundo o diretor geral da Anec, Sérgio Mendes, os exportadores de cereais decidiram fazer parte da moratória para “desfazer qualquer mal entendido” com clientes no exterior, “principalmente os da Europa”, frisa.
À época, o mercado europeu, grande comprador da soja brasileira, pressionou as exportadoras do país no sentido da produção sustentável de oleaginosas. Foi essa pressão dos clientes internacionais que motivou Anec e Abiove a assinarem o termo.
Hoje, porém, a maior parte da soja produzida no Brasil é escoada para o mercado chinês. De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, a China importou, no ano passado, 32 milhões de toneladas de soja brasileira, o que representa 31,25% a mais do que os 22 milhões comprados em 2012.
Já a importação europeia caiu 5,5% no mesmo período: foram 5,1 milhões de toneladas de soja provenientes do Brasil em 2013, contra 5,4 milhões em 2012.
Para o secretário-geral da Abiove, a queda da exportação de soja para a Europa pode ser explicada porque o continente tem um “mercado maduro”.
Entretanto, Fábio Trigueirinho admite que o mercado chinês não pede contrapartidas ambientais tão exigentes como os europeus ao comprar os grãos do Brasil. “A China está sendo a locomotiva do mercado da soja no mundo inteiro. Hoje, ela importa cerca de 70% da demanda mundial de soja em grão”, disse.
O novo sistema do Grupo de Trabalho da Soja considera que o monitoramento do plantio da oleaginosa na Amazônia de acordo com o Código Florestal poderá ser feito pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR), uma ferramenta do Programa de Regularização Ambiental (PRA) do governo federal em que o produtor declara a posse de determinado território e o Ministério do Meio Ambiente fiscaliza a conservação da área de floresta cadastrada por meio de imagens de satélites.
A ferramenta, porém, e apesar do fim iminente da moratória, ainda não foi regulamentada e posta em prática pelo governo.
Ainda que as regras do Código Florestal Brasileiro sejam válidas para todo o país, a fiscalização pelo CAR será feita massivamente, em um primeiro momento, somente em dez municípios no bioma amazônico.
Na moratória, estas áreas, consideradas “pontos sensíveis” pelo GTS, representam 70% da produção de soja em área desflorestada depois de 2006. “Nós queremos trazer o produtor rural para esse sistema de cadastro, porque ele ficará totalmente visível para o governo”, explica Trigueirinho.
Entretanto, como o novo sistema de controle do desmatamento da Amazônia não está completamente estabelecido, o Greenpeace acredita que a moratória ainda seja necessária, como afirma o representante da ONG Rômulo Batista. “O CAR é um sistema novo que ainda precisa ser testado. No bioma amazônico, há muito mais área desmatada do que o sistema pode fiscalizar ou autuar”, diz. Batista destaca também o baixo contingente populacional e a grande extensão territorial da região como empecilhos ao monitoramento.
Conflitos
O oeste do Pará é uma das regiões com grande concentração de plantações de soja na Amazônia. Em Santarém (PA), sojicultores e povos tradicionais vivem em conflito por terras, como conta o coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Santarém, Gilson Rego.Ele destaca que os programas de regularização fundiária do governo federal, como o Terra Legal, acirraram a concentração de áreas para o cultivo de soja e o confronto com a população tradicional.
Rego relata que, por conta da proibição do plantio de soja em áreas desmatadas após 2006, os produtores rurais cadastram no Terra Legal a posse de áreas pertencentes ao estado, como assentamentos e terras quilombolas e indígenas para realizarem o cultivo da oleaginosa. O conflito de terras na região torna-se ainda maior e a posse de terra uma utopia para o pequeno produtor. “Se o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] pesquisasse minimamente em seu sistema, saberia que ali é uma terra quilombola ou um assentamento e que não há como fazer cadastro dessas áreas”.
A CPT é contrária à moratória por acreditar que ela precarizou a questão fundiária e o acesso à terra pelas populações locais, mas Rego teme que os confrontos sejam ainda piores com o fim do acordo e a regularização do Cadastro Ambiental Rural como ferramenta de controle do desmatamento.
“O GTS quer transformar o CAR em documento fundiário. Os assentamentos, que são coletivos, terão cadastros individuais. Nós também teremos cadastros dentro de unidades de conservação, dentro de reservas extrativistas. Isso vai acabar com a história das comunidades”, argumenta o coordenador da entidade.
Desmatamento
A taxa de desmatamento na Amazônia aumentou 28% em 2013. Um estudo feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) constatou que entre as áreas mais afetadas estão Mato Grosso e Pará, com desflorestamento 52% e 37% maior que em 2012, respectivamente.No entanto, produtores de soja, por meio da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja), adotam o discurso da evolução da governança ambiental para justificar o fim da moratória. “Entendemos que a moratória perdeu o sentido a partir da consolidação dos mecanismos de governança ambiental definidos na reforma do Código Florestal”, diz a nota da Aprosoja.
“Hoje há abertura de florestas no Pará, mas não é possível identificar pelo satélite se é em área de plantio da soja. Com isso, os produtores dizem que o local desmatado é um assentamento e é criado um discurso de que não é mais a soja que desmata, que a moratória está funcionando e diz que quem desmata é a população local.
Todo ano, eles abrem mais mata e os conflitos [entre sojicultores e os povos tradicionais] continuam”, lamenta o coordenador da CPT Santarém.
Para o Greenpeace, o sistema de governança do bioma amazônico ainda é falho e representa uns dos principais motivos pelos quais a moratória continua sendo um instrumento necessário para evitar o desmatamento.
“As associações disseram que a moratória havia perdido sua eficácia por conta do novo marco legal do Código Florestal e pela existência de uma nova governança ambiental, mas nós acreditamos que essa governança não está totalmente estabelecida”, contesta Batista ao afirmar que o CAR ainda não foi regularizado.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), a Amazônia possui áreas abertas suficientes para expandir a produção brasileira de soja.
“Não há necessidade de desmatar absolutamente nada na Amazônia. Nós temos alguns milhões de hectares de áreas degradadas que poderiam ser aproveitadas para o plantio de soja”, afirma o diretor do Departamento de Políticas para o Combate ao Desmatamento, Francisco Oliveira, do MMA.
“A área amazônica não-utilizada ou subutilizada é mais do que suficiente para dobrar a produção agrícola do país, seja ela por forma de recuperação dessas áreas degradadas, seja por forma de melhoria na utilização das áreas subutilizadas”, argumenta Batista.
Este ano, a Aprosoja passará a integrar o GTS como representante dos produtores da oleaginosa. Porém, entidades representantes de moradores das regiões afetadas pelo cultivo do grão, durante os oito anos de vigência da moratória, nunca tiveram espaço no grupo de trabalho.
Para o coordenador da CPT Santarém, a moratória “não foi feita para que houvesse envolvimento da sociedade local”.
A Abiove afirma que o acordo é “voltado para a parte ambiental” e que, portanto, não haverá inclusão dos povos tradicionais.
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