Estudo
britânico indica que uma breve visita a bairros pobres e depredados já é
suficiente para abalar a autoconfiança das pessoas e originar
sentimentos de paranoia.
O resultado alerta para a importância de se criarem ambientes seguros e esteticamente agradáveis nas cidades
O resultado alerta para a importância de se criarem ambientes seguros e esteticamente agradáveis nas cidades
Correio Braziliense
Vilhena Soares
Publicação: 25/02/2014 04:00
Diferentes estudos já mostraram que o bairro onde uma pessoa vive exerce forte influência na forma como ela se sente. Habitar uma área pobre, violenta e com pouca infraestrutura aumenta as chances de depressão ou de se envolver em crimes. Um estudo feito recentemente no Reino Unido, porém, mostra que não é necessário morar por um longo período em uma região assim para ser negativamente afetado por ela. Basta passar alguns minutos lá que o ambiente ao redor logo gera efeitos evidentes, afetando a autoconfiança das pessoas. Os resultados apontam queinvestimentos em urbanizações esteticamente agradáveis não é um mero capricho, pois podem ter impacto na saúde e no bem-estar dos cidadãos.
Para realizar o experimento, um grupo de pesquisadores da Universidade de Newcastle liderado pelo professor de ciência comportamental Daniel Nettle entrevistou moradores de dois bairros bem distintos da cidade, apesar de geograficamente próximos um do outro: o primeiro tem grandes problemas econômicos e sociais, e o segundo é de classe média alta e apresenta baixos índices de criminalidade. Ao analisar os questionários aplicados, os cientistas perceberam que os moradores da área mais carente tinham maior dificuldade de confiar em outras pessoas e apresentavam mais sentimentos de paranoia, como já era esperado.
Após essa constatação, a equipe partiu para a segunda parte do experimento, na qual 50 estudantes receberam a missão de entregar correspondências em endereços que ficavam em um dos dois bairros. Eles não eram moradores de nenhum dos lugares e foram designados aleatoriamente. Esses voluntários também não sabiam que a principal intenção dos pesquisadores não era a entrega de envelopes, mas saber, mais tarde, como os jovens se sentiam após caminhar brevemente, não mais que 45 minutos, pelas ruas das regiões estudadas.
As entrevistas com os voluntários mostraram que o grupo designado para a área mais precária se mostraram mais desconfiados e com maior tendência à paranoia que o outro grupo, que visitara o bairro rico. “Nós não ficamos surpresos com o fato de os moradores do bairro de alta criminalidade terem apresentado índices relativamente baixos de confiança e altos de paranoia. Isso faz sentido. O que nos espantou foi que uma visita curta a esse local tenha gerado os mesmos efeitos”, declara Nettle em um comunicado à imprensa.
Segundo ele, o estudo permite afirmar que o visual de uma determinada área pode influenciar instantaneamente o comportamento e os sentimentos das pessoas. Janelas quebradas, pichações e lixo exposto na rua, por exemplo, geram sensações negativas. “É uma ilustração impressionante de até que ponto nossas atitudes e nossos sentimentos são maleáveis e fortemente influenciados pelo ambiente social que nos rodeia no dia a dia”, complementa o líder do experimento.
Além disso, afirma Nettle, a pesquisa mostra que investimento em segurança tende a gerar um impacto extremamente positivo no bem-estar da sociedade. “Os líderes políticos, urbanistas e cidadãos precisam se lembrar disso. Melhorar a qualidade e a segurança do ambiente urbano não é apenas um luxo, mas poderia ter profundas repercussões para as relações sociais das populações e para a saúde mental.”
Relacionamentos
Na opinião de Angélica Capelari, professora de psicologia da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), o trabalho, de fato, reforça a necessidade de uma “reforma” em ambientes de convívio social. “Com certeza, o contato visual com um ambiente que esteja ‘feio’ pode trazer sentimentos ruins, como a insegurança. O ideal seria termos espaços mais conservados, mas isso precisaria ser feito de uma forma real, não superficial, para durar”, avalia a especialista.
Ela, no entanto, acredita que o estudo necessita de aprofundamento. “É uma pesquisa interessante por ter obtido dados mesmo com visitas curtas. Acredito que poderiam surgir resultados mais válidos caso a análise fosse feita de forma mais aprofundada, pois sabemos que a história de vida de cada pessoa pode influenciar os resultados”, acrescenta Capelari.
Para o psicólogo Gilberto Godoy, membro do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal, o estudo britânico aborda a relação entre ambiente e comportamento social, um tema bastante atual e abordado em trabalhos recentes. “O que podemos destacar é que o sentimento das pessoas depende muito do tipo de ambiente em que ela vive. O trabalho mostra com provas algo de que já suspeitávamos e que aparecia em pesquisas semelhantes”, diz. “Há um experimento, por exemplo, em que foi observado o comportamento de pessoas que frequentavam um banheiro quando ele estava totalmente sujo e, depois, com ele conservado. Ao encontrar o lugar limpo, os usuários tinham mais cuidado para mantê-lo naquele estado”, menciona.
Godoy acredita também que investigações com a da Universidade de Newcastle são importantes para auxiliar a sociedade a entender o seu comportamento e, desse modo, melhorar o convívio em grupo. “Temos visto grandes discussões sobre os rolezinhos que tratam justamente disso, do comportamento social e em grupo. Tratar pessoas individualmente é uma coisa, mas uma multidão pode trazer outros pontos de análise. Vimos isso também com as manifestações do ano passado contra a Copa do Mundo. Muitos se perdiam e não sabiam pelo que protestavam”, destaca.
“Hoje vemos também que as imagens de violência estão cada vez mais nas redes sociais, compartilhadas na internet, e a visão das pessoas já muda por conta disso. Elas se sentem menos chocadas, pois tem contato direto com isso. Ao saber como interagimos e reagimos ao meio, fica mais fácil lidar com os grupos e entender a visão e o comportamento das pessoas”, afirma Godoy.
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