Revista ÉPOCA
Diego Escosteguy, Murilo Ramos e Leandro Loyola, com Marcelo Rocha
No
começo de 2004, os deputados José Janene e Pedro Corrêa, líderes do PP,
estavam no saguão de embarque do aeroporto Santos Dumont, no Rio,
quando esbarraram com o engenheiro Paulo Roberto Costa, funcionário de
carreira da Petrobras e diretor do gasoduto entre Brasil e Bolívia.
Corrêa o conhecia desde o governo Fernando Henrique Cardoso, do PSDB.
A
dupla do PP, que comandava o partido, estava em busca de um nome de
confiança para indicar à cobiçada Diretoria de Abastecimento da
Petrobras, conforme fora acordado com outra dupla, aquela dupla mais
poderosa da República do Brasil naqueles tempos: o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e o ministro da Casa Civil, José Dirceu.
Os
três conversaram rapidamente no aeroporto. Num átimo, Costa topou. Foi
uma decisão que mudou sua vida. E que, dez anos depois, no momento em
que a corrupção da Petrobras no passado alcança a fragilidade do governo
Dilma Rousseff no presente, pode mudar o futuro político do país. Esse
entrechoque entre passado, presente e futuro se dará na CPI da Petrobras
— com o avanço do noticiário policial envolvendo a estatal, ela se
tornou inevitável.
A
soma do passado com o presente da Petrobras ameaça o futuro de Dilma
graças à sintonia entre os interesses do blocão, aquele grupo de
deputados descontentes com o governo dela, e os presidenciáveis Aécio
Neves e Eduardo Campos. Os dois lados querem derrotar Dilma, cada um por
suas razões.
Os
deputados do blocão trabalham para diminuir os votos que o PT terá nas
próximas eleições, nas campanhas para deputado e senador. Temem ser
obliterados pela hegemonia do PT e voltar para um Congresso cada vez
mais dominado por petistas. Ou pior: nem sequer voltar para Brasília, ao
perder seus mandatos para petistas.
Desgastar
Dilma é uma das maneiras de diminuir as chances de que eles levem uma
sova eleitoral do PT. Aécio e Campos se aproveitam disso para antecipar o
desgaste que tentariam aplicar a Dilma somente no segundo semestre. O
início da CPI no Congresso é, portanto, o início das eleições.
Situação
e oposição preparam suas estratégias. A oposição decidiu criar antes
uma CPI no Senado, para depois migrar para a CPI mista e, assim, driblar
a força de Renan Calheiros, presidente do Senado. Renan não tem
interesse nenhum em apurações na Petrobras.
É
o padrinho de Sérgio Machado, há 11 anos presidente da Transpetro, o
braço da Petrobras encarregado de transportar o petróleo extraído.
Com
a onda desfavorável — em pesquisa da semana passada, Dilma registrou
36% de aprovação, seu pior índice desde os protestos de junho —, o
ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, a convenceu a pegar pesado.
A
estratégia do governo é anarquizar a CPI. Parlamentares do PT serão
orientados pelo Planalto a apresentar requerimentos para investigar
denúncias que atinjam tucanos e o presidenciável Campos. Pedirão, de
modo a tumultuar os trabalhos, documentos das investigações sobre o
cartel de trens nos governos tucanos em São Paulo. E, também,
informações sobre as obras do Porto de Suape, em Pernambuco, Estado
governado por Campos.
É
uma tática de intimidação. O governo permitirá a convocação de gente da
Petrobras, como a presidente Maria das Graças Foster. Mas usará sua
força para marcar esses depoimentos para dias estrategicamente
esvaziados. Entre as datas estudadas estão 12, 17 e 23 de junho, os dias
de jogos do Brasil na Copa do Mundo — quando a atenção para a política
deverá ficar abaixo de zero. Uma investigação na Petrobras é uma
aventura arriscada para todos.
Uma
das propostas, inevitável, era investigar o contrato de US$ 860 milhões
da Petrobras com a Odebrecht. Ao ver o nome, Aécio arregalou os olhos. A
menção à Odebrecht desapareceu em instantes do pedido de CPI.
No
ano passado, o lobista João Augusto Henriques disse a ÉPOCA que o
contrato rendeu doações da empreiteira à campanha eleitoral de Dilma em
2010. Ficou acertado que a CPI investigará a compra da refinaria
Pasadena, nos Estados Unidos, os indícios de pagamento de propina a
funcionários da estatal pela holandesa SBM, construções de refinarias e
denúncias de plataformas entregues inacabadas.
A
história do medo que os políticos têm da CPI pode ser contada a partir
daquele encontro no aeroporto Santos Dumont. Dois de seus três
participantes estão na cadeia. Costa foi preso há dias pela Polícia
Federal, acusado de ser parceiro de negócios de Alberto Youssef, um dos
maiores doleiros do Brasil.
Também
é suspeito de receber propina de empreiteiras quando era diretor da
Petrobras. Corrêa está preso desde dezembro. Foi condenado pelo Supremo,
no julgamento do mensalão, a 7 anos e 2 meses de prisão, por corrupção
passiva e lavagem de dinheiro. Cumpre pena num presídio de Pernambuco.
Janene morreu em 2010, antes de ser julgado pelo Supremo.
O
doleiro Youssef, hoje apontado como sócio de Costa, era o responsável
por lavar o dinheiro do mensalão para os deputados do PP. Foi preso na
mesma operação da PF que levou Costa em cana.
Se
Costa não tivesse aceitado o cargo naquela conversa no Santos Dumont,
talvez tudo transcorresse da mesma maneira no Planalto, no Congresso e
na Petrobras. Seja lá por que razões tenha aquiescido à indicação do PP,
Costa aceitou, há dez anos, ser mais um na multipartidária indústria da
corrupção que define, em larga medida e há muitas décadas, a política
brasileira: a arrecadação de dinheiro por meio de cargos no governo.
Dinheiro
sujo para financiar campanhas eleitorais. E dinheiro sujo para todos os
que participam dessa indústria: donos de partidos, lobistas que criam
dificuldades para vender facilidades, fornecedores do governo, doleiros
que tornam viável o pagamento de propina.
O reparte da Petrobras
O
esquema do mensalão, em todas as suas complexas ramificações, consistiu
numa tentativa de centralizar o vasto caixa nas mãos do PT.
Especificamente, nas mãos do ex-tesoureiro Delúbio Soares, que contava
com a ajuda de alguns auxiliares.
Era
uma decisão ideológica. Para quem entendia a indústria por dentro, como
o ex-deputado Roberto Jefferson, do PTB, era impossível de executar.
A
ideia do governo Lula era oferecer menos cargos a partidos como o PP e,
em troca, manter um fluxo financeiro razoável para os aliados, por meio
da dinheirama do mensalão.
O
esquema operado por Marcos Valério, contudo, era insuficiente para
manter no azul a indústria da corrupção política. Era preciso mais. Era
preciso entregar um pedaço do que todos os vários aliados do governo
queriam: a Petrobras, maior empresa do país, que oferece as melhores
oportunidades de negócios. Por isso o esquema coexistiu, no começo do
governo Lula, com poucas, mas relevantes, nomeações de peso dos demais
partidos. Paulo Roberto era uma delas.
Para
aprovar o nome de Costa, Janene o levou à sede do PT em São Paulo, onde
ambos se encontraram com Dirceu e Delúbio. Segundo um petista que
testemunhou a reunião, Costa entendeu que, se devia a indicação ao PP,
devia também, a partir daquele momento, fidelidade ao PT.
Obedeceria
doravante a dois mestres. Em seguida ao encontro na sede do PT, Lula
recebeu, no Planalto, Dirceu e o então presidente da Petrobras, José
Eduardo Dutra. Dirceu apoiou a nomeação de Costa; Dutra contestou.
Exaltou-se. Disse o que todos, em Brasília ou na Petrobras, sabiam:
Janene era insaciável, e as operações de Costa poderiam trazer sérios
prejuízos à Petrobras.
Dirceu
não recuou. Lula — que, alertado dos perigos do mensalão, nada fez —
nomeou Costa. E repartiu politicamente os cargos na Petrobras. Deu
diretorias para PT e PP, além de assegurar a presidência da Transpetro, a
principal e bilionária subsidiária da Petrobras, ao PMDB.
O
ex-senador Sérgio Machado virou chefe da Transpetro, por indicação
exclusiva do hoje presidente do Senado, Renan Calheiros. “Esse negócio
de indicação
(para a Transpetro) eu não tenho conhecimento”, diz Renan.
Com mensalão e Petrobras, entre outros cargos menores, os aliados pareciam finalmente satisfeitos.
A
descoberta do mensalão, em 2005, mudou tudo. A estratégia do PT,
centralizar os financiamentos dos políticos, dera errado. Era preciso se
ater aos esquemas tradicionais: cada partido cuidaria de seu caixa, por
meio dos cargos que tivesse, ou que viesse a ganhar.
A
campanha de reeleição de Lula, em 2006, coincide com o primeiro momento
da hoje infame compra da refinaria Pasadena, coordenada por Nestor
Cerveró, então diretor internacional da Petrobras, indicado pelo PT e
pelo PMDB.
Como
se confirmou há duas semanas, essa operação foi avalizada pela
presidente do Conselho de Administração da Petrobras, Dilma Rousseff,
então ministra da Casa Civil. Dilma disse desconhecer as condições do
contrato que eram lesivas à Petrobras.
Disse
ainda que faria diferente se soubesse delas. Como tinha enorme
influência na Petrobras, Dilma será obrigada, caso a CPI trabalhe
seriamente, a responder pelo que se fez com a estatal durante o governo
Lula.
No
caso do mensalão, tudo se descobriu; no caso da Petrobras, a corrupção
ficou escondida por mais tempo. Com o avançar do governo Lula e a queda
de operadores poderosos como Dirceu e Janene, os executivos da Petrobras
buscaram novos padrinhos.
Costa se tornou o principal diretor da Petrobras, representando os interesses do PP, do PT e do PMDB.
Reportava-se,
nos casos da construção de refinarias no Brasil, diretamente ao
presidente Lula. Lula chamava Costa de “Paulinho”, de acordo com um dos
sócios de Costa. Cerveró foi substituído na Diretoria Internacional por
Jorge Zelada, uma indicação do PMDB da Câmara. Conforme revelou ÉPOCA,
Zelada era subordinado, na prática, ao lobista João Augusto Henriques,
uma espécie de Delúbio do PMDB. Arrecadava propina, segundo ele mesmo
confessou a ÉPOCA, em nome da bancada do partido. O caso é investigado
pela PF e pelo Ministério Público.
Agenda dupla
Executivos
como Zelada e Costa dividiam sua agenda entre o trabalho na Petrobras e
despachos com os chefes políticos em Brasília. Costa frequentava cafés
da manhã, almoços e jantares organizados por parlamentares. A maioria
dos encontros dava-se nos apartamentos dos ex-líderes do PP na Câmara,
Mário Negromonte, que foi ministro das Cidades, e João Pizzolatti.
Nessas ocasiões, Costa prestava contas sobre negócios de interesse dos
deputados. Zelada fazia o mesmo. Sérgio Machado, da Transpetro, também.
Um
dos muitos negócios narrados nos encontros em Brasília envolve a
Jaraguá Equipamentos Industriais, empresa de Sorocaba especializada em
fornecer equipamentos para refinarias da Petrobras, área de influência
de Costa. Em 11 de agosto de 2010, a Jaraguá transferiu, de uma só vez,
R$ 1,1 milhão para as contas bancárias das campanhas de cinco políticos
do PP.
Desse total, R$ 1 milhão para os anfitriões dos encontros com
Costa. Negromonte e Pizzolatti ganharam R$ 500 mil cada um. Apesar de
ter sido a maior doadora de sua campanha, Pizzolatti não lembra a
doação.
“Tenho
de ver com quem fez a prestação de contas. Não lembro”, diz. A
generosidade da Jaraguá foi recompensada logo depois. No dia 30 de
novembro de 2010, após as eleições, ela fechou dois contratos com a
Petrobras, no valor de R$ 200 milhões, para trabalhar nas obras e
montagem da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.
Dali a quatro meses,
num consórcio com a empresa Egesa, fisgou outro contrato, de R$ 337
milhões, para trabalhar no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, o
Comperj. Esse contrato ainda está em vigor. Para ser aprovados, os três
contratos passaram pelo crivo de Costa. Costa, afilhado do PP,
interferiu na aprovação de mais de R$ 500 milhões para a Jaraguá. “Costa
era nosso porta-voz na Petrobras”, diz o senador alagoano Benedito de
Lira.
Casos
como esse devem pulular na CPI. Ameaçam deputados e senadores do PP, do
PT, do PTB, do PMDB… Os que vieram a público até o momento referem-se
ao passado, àquele momento em que o mensalão secou. Quando Dilma assumiu
o governo, conseguiu, para crédito dela, extirpar da Petrobras nomes
como Costa e Zelada, apeados em 2012.
A exceção é José Carlos Cosenza,
que substituiu Costa como diretor de abastecimento. Foi uma surpresa
para os técnicos da área. Cosenza era o número dois de Costa. Agia,
portanto, sob as ordens dele. Todos esperavam que caísse junto.
A
amigos, a atual presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster,
confidenciou que não houve jeito. Dilma e Graça queriam demitir Costa
desde o começo do governo. Pediram que o ministro de Minas e Energia,
Edison Lobão, convencesse o PMDB a abdicar de Costa. Como o PMDB não
cedesse, Lobão pediu a Costa que se demitisse. Ele não topou. Saiu
demitido. Cosenza assumiu seu lugar, com o aval do PMDB do Senado.
Elle voltou
Dilma também não conseguiu limpar a Transpetro e a BR Distribuidora, as duas maiores subsidiárias da Petrobras.
Aqui,
entra o presente. Essas duas empresas ainda estão nas mãos de políticos
— que correrão os riscos inerentes a uma investigação parlamentar.
O
ex-presidente Fernando Collor de Mello, antes inimigo do PT e de Lula, é
o padrinho, desde 2009, de três diretores da BR, incluindo o presidente
da empresa, José Lima Neto, que também recebeu o aval de Lobão.
Em
mais uma demonstração de que o tempo se recusa a passar em Brasília,
Collor conquistou as diretorias da BR durante… a última CPI da
Petrobras. Em 2009, o Senado criou uma comissão para investigar a
estatal. Era um arremedo. Não deu em nada.
Não
para Collor. Eleito senador em 2006, ele foi o representante do PTB na
CPI. Ameaçava com requerimentos e queria até levar a discussão do
precioso marco legal do pré-sal para a comissão. Em agosto, descia a
lenha na Petrobras. Lula o chamou para conversar. E tudo foi resolvido.
No
mês seguinte, o Conselho de Administração da Petrobras, numa reunião em
que Dilma estava presente, aprovou a nomeação de dois dos indicados de
Collor.