Blocão de deputados federais descontentes com governo ameaça retaliações, mas se reconforta com o refrão "mamãe, eu quero mamar"
Observa-se com bons olhos a retomada, ano a ano, do Carnaval de rua em
inúmeras cidades do país. Após décadas de declínio, ameaçada de
restringir-se aos gigantescos e ensaiados desfiles das escolas de samba,
a festa popular recupera sua espontaneidade.
As vias públicas se reconquistam de diversas maneiras, contraditórias ou
não. As primeiras manifestações de junho passado tinham ardor e
juventude; depois dos excessos repressivos da polícia, cresceram e
diversificaram-se, na pacífica celebração da própria existência. Vieram
as máscaras, os coquetéis molotov, os rojões assassinos, e a festa do
protesto degenerou em orgia destrutiva.
Com o Carnaval, a população volta às avenidas e, conforme a imagem que
os brasileiros fazem de si mesmos, se há desordem, há de ser também
pacífica. Os mais variados blocos ocupam, com nomes extravagantes, as
ruas rabugentas de São Paulo.
Num espírito fiel à diversidade das culturas paulistanas, há por exemplo
o bloco dos Originais do Punk, que revisita sucessos do radicalismo
roqueiro em ritmo de marchinha. Faz o mesmo, com as canções dos Beatles,
o fluminense Sargento Pimenta.
Registre-se, ainda, a presença do Jegue Elétrico, do Bloco Fluvial do Peixe Seco e do Bloco Bastardo.
Todas essas organizações momescas empalidecem, contudo, diante de um
grupo capaz de reunir mais recursos, mais folgazões e fantasiados do que
todas as campeãs do Sambódromo carioca.
Reuniu-se agora mesmo em Brasília; conhece com precisão cada nota de sua
partitura; tem a seu serviço a experiência da Velha Guarda e todo o
ardor dos estreantes. Tal o seu peso --seriam cerca de 250 deputados
federais-- e tão pouco inovador o seu estilo que nem sequer precisa de
nome pitoresco.
É o Blocão. Assim mesmo, sem mais nada --nada de original, nada de
jegue, nada de fluvial, nada de peixe seco; algo de bastardo, talvez.
Pois pertencem ao agrupamento os descontentes de vários partidos, nem
todos iguais.
Há o PMDB à frente, tendo como mestre-sala o deputado Eduardo Cunha, do
Rio de Janeiro. Seguem-se o PDT, governista, e o Solidariedade, de
oposição. A ala evangélica não faz feio, com PR e PSC. Na honrosa
retaguarda de sempre, o PP, de Paulo Maluf.
Reclamam maior atenção do poder federal. São as emendas de sempre, além
dos cargos ambicionados para os próximos meses, com a perspectiva da
reforma ministerial. Expressam-se, ademais, os descontentamentos com os
palanques estaduais, a serem compostos com vistas às eleições para
governador e presidente neste ano.
Ameaçam retaliar a administração Dilma Rousseff. A lembrança é óbvia,
mas vem ao caso: nenhuma outra marchinha conhece o Blocão, além daquele
êxito de sempre --"mamãe, eu quero mamar".
03 de março de 2014
Editorial Folha São Paulo
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