segunda-feira, 3 de março de 2014

20 anos do fim de um pesadelo que o PT não queria que acabasse

Edição 2017 de 2 a 8 de março de 2014

Cezar Santos 
 
 
O Plano Real, que domou a inflação, faz aniversário e só agora, depois de três derrotas para os petistas, os tucanos decidem usá-lo como trunfo na campanha eleitoral 
 


Quem estava pelo me­nos na fase média da adolescência ali pelos idos dos anos 1980, sob o governo José Sarney, em que a inflação passou de 80% ao mês, e primeira metade dos anos 1990, se lembra bem do horror. 

Nos supermercados, funcionários passavam dia e noite remarcando preços de mercadorias, algumas mais de uma vez por dia — esses estabelecimentos tinham uma equipe dedicada exclusivamente a essa função, armada com uma espécie de “pistola” que cola a pequena etiqueta de preço nos produtos.
Muitas vezes, pela pressa e pelo tanto de serviço, os remarcadores nem se davam ao trabalho de tirar a etiqueta antiga, apenas colavam a nova de qualquer jeito em cima. 


Produtos em embalagens menores tinham quatro, cinco etiquetas diferentes de preços sobrepostas. 

As gerações mais novas não têm ideia do que esse tipo de situação provocava, a angústia que causava principalmente nos pais de famílias mais pobres, que iam às compras com dinheiro contado.
Em junho de 1994, no mandato-tampão de Itamar Franco, que tinha herdado o governo do “impeachado” Fernando Collor de Mello, a inflação era de 46,58%. 


Então ministro da Fazenda, o senador tucano Fernando Henrique Cardoso montou uma equipe de craques economistas que engendrou o Plano Real, com o objetivo de estabilizar e promover reformas econômicas.
O programa começou oficialmente em 30 de julho de 1994 com a publicação da Medida Provisória nº 434 no Diário Oficial da União — na verdade, uma das etapas do plano, que tivera outras fases lançadas antes. FHC já não era ministro, tinha sido substituído por Rubens Ricupero. 


A medida provisória instituía a Unidade Real de Valor (URV), estabelecendo regras de conversão e uso de valores monetários, iniciando a desindexação da economia, e determinando o lançamento de uma nova moeda, o real. 

Foi o mais amplo programa de reforma econômica jamais realizado no Brasil. O alvo principal era o controle da hiperinflação que assolava o país.

O Plano Real deu certo, mesmo com ceticismo e torcida contra de adversários do governo, notadamente do PT. O plano foi o propulsor da eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência meses depois. 


Do ponto de vista eleitoral, o PT estava certo, pois o plano era tão bom que teria potencial para alavancar seu principal mentor nas urnas, como de fato aconteceu. E nas asas do Plano Real, FHC logrou sua reeleição em 1998.
Na terça-feira, 25, o PSDB promoveu sessão solene no Congresso para homenagear os 20 anos do Plano Real. 


O tom do encontro, proposto pelo candidato tucano à Presidência, Aécio Neves, foi o do resgate do legado do governo FHC. 

Resgate sim, porque o Plano Real foi banido das campanhas do PSDB nas três derrotas presidenciais. 

Aécio pretende apresentar a herança de FHC como um dos principais suportes de sua candidatura neste ano.
A homenagem ao Plano Real constituiu-se num ato de pré-lançamento da candidatura do senador mineiro ao Palácio do Planalto. Aécio afirmou: “Precisamos de um novo choque de esperança e confiança, como aquele que o Plano Real produziu há 20 anos”. 


Ele criticou o PT, cuja política errática na economia tem provocado vários problemas, como a volta da inflação — ainda, felizmente, nem uma pálida sombra do que foi há 20 anos.
A verdade é que os 12 anos de governo do PT levaram o Brasil a estar hoje, mais uma vez, mergulhado em um ambiente de desesperança e descrença no futuro”, disse o tucano, que reverenciou o então presidente Itamar Franco, que lançou o Plano Real. 


E criticou os adversários do plano, aos quais classificou de “pescadores de águas turvas” que torciam para o plano não dar certo e o acusavam de “estelionato eleitoral”.
Fernando Henrique lembrou a concepção do plano, as dificuldades enfrentadas para sua efetivação e fez críticas acerbas aos governos do PT, especialmente ao atual na condução da política econômica. FHC defendeu “renovação” e “sangue novo” no comando do país.

O ex-presidente reconheceu avanços após o Plano Real, como a expansão das bolsas criadas em seu governo, pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Referiu-se ao Bolsa Família. 


Disse que o PT fez muita coisa para “recriar a confiança” dos mercados, que “ficaram possuídos por uma eventual eleição do PT”.
Fernando Henrique disse que o Brasil vai avançando, mas afirmou a necessidade de tomar novos rumos. “Nós estamos chegando a um desses momentos”, afirmou. 


Para o ex-presidente, a economia contemporânea é a economia do conhecimento e requer inovação. Lembrou que a taxa de crescimento da produtividade é quase nula no Brasil.
Fernando Henrique comparou o programa de concessões de rodovias e aeroportos às privatizações das telecomunicações, realizadas em sua gestão. “O que eu fiz com a telefonia? Não foi concessão? E a mesma coisa?”, afirmou. 


Criticou o enfraquecimento das agências reguladoras e sua infiltração por “interesses de todos os tipos”, numa referência ao total aparelhamento a que estas foram submetidas nos governos petistas.
Como era de esperar, nenhum petista participou da sessão solene, que foi presidida pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e teve a presença do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) e parlamentares de outros partidos. Fernando Henri­que, exercendo sua verve, atribuiu a ausência a “arrependimento, por não terem apoiado desde o início”. 


Para Aécio, os governistas não foram porque acham que o Brasil começou em 2003. “Não digo que seja ingratidão. Mas o PT sempre teve uma dificuldade enorme em reconhecer as vitórias dos outros. 

Não vieram pelo constrangimento de ter ficado contra o Real, contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e outros avanços que o Brasil alcançou graças do PSDB.”
Com a defesa do Plano Real, pode ser que o ainda chocho discurso do tucano ganhe substância na campanha.
 

Algumas considerações petistas sobre o Plano Real
Lula
 
“Esse plano de estabilização não tem nenhuma novidade em relação aos anteriores. Suas medidas refletem as orientações do FMI (…) O fato é que os trabalhadores terão perdas salariais de no mínimo 30%. 
 
Ainda não há clima, hoje, para uma greve geral, mas, quando os trabalhadores perceberem que estão perdendo com o plano, aí sim haverá condições” (O Estado de S. Paulo, 15.1.1994).
 
“O Plano Real tem cheiro de estelionato eleitoral” (O Estado de S. Paulo, 6.7.1994).

 
Guido Mantega
 
“Existem alternativas mais eficientes de combate à inflação (…) É fácil perceber por que essa estratégia neoliberal de controle da inflação, além de ser burra e ineficiente, é socialmente perversa” (Folha de S. Paulo, 16. 8.1994).

 
Marco Aurélio Garcia
 
“O Plano Real é como um relógio Rolex, destes que se compra no Paraguai e têm corda para um dia só (…) a corda poderá durar até o dia 3 de outubro, data do primeiro turno das eleições, ou talvez, se houver segundo turno, até novembro” (O Estado de S. Paulo, 7.7.1994).

 
Gilberto Carvalho
 
“Não é possível que os brasileiros se deixem enganar por esse golpe viciado que as elites aplicam, na forma de um novo plano econômico” (“O Milagre do Real”, de Neuto Fausto de Conto).

 
Aloizio Mercadante 
 
“O Plano Real não vai superar a crise do país (…) O PT não aderiu ao plano por profundas discordâncias com a concepção neoliberal que o inspira” (“O Milagre do Real”, de Neuto Fausto de Conto)

 
Vicentinho (atual líder do PT na Câmara dos Deputados)
 
“O Plano Real só traz mais arrocho salarial e desemprego” (“O Milagre do Real”).

 
Maria da Conceição Tavares (economista-guru do PT)
 
“O plano real foi feito para os que têm a riqueza do País, especialmente o sistema financeiro” (Jornal da Tarde, 2.3.1994).

 
Paul Singer (economista)
 
“Haverá inflação em reais, mesmo que o equilíbrio fiscal esteja assegurado, simplesmente porque as disputas distributivas entre setores empresariais, basicamente sobre juros embutidos em preços pagos a prazo, transmitirão pressões inflacionárias da moeda velha à nova” (Jornal do Brasil,  11.3.1994).
 
“O Plano Real é um arrocho salarial imenso, uma perda sensível do poder aquisitivo de quem vive do próprio trabalho” (Folha de S.Paulo, 24.7.1994).
 
Jornal Opção

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