Cerca de 80% dos entorpecentes apreendidos entraram pelas divisas de
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Quadrilhas tentam encontrar novos
modos de infiltrar maconha e cocaína no Estado
Divisa entre os Estados de Goiás e Mato Grosso: tráfico muda de tática para driblar a vigilância
Frederico Vitor
Um monomotor sobrevoa uma propriedade rural isolada na imensidão do Cerrado, quando se aproxima do solo para dar início a um rasante sobre uma área erma e de difícil acesso.
Em um instante, o que parece ser uma caixa é lançado da porta da aeronave e cai sobre a mata de capim alto e de árvores baixas de troncos retorcidos.
Após arremesso, o avião ganha altitude e desaparece nas nuvens. A manobra evasiva sinaliza que a missão está cumprida.
Mais um carregamento de drogas vindo do Mato Grosso foi infiltrado para dentro do território goiano.
Informado das coordenadas de onde a “carga” foi lançada, em pouco tempo um bando aparece para efetuar o resgate.
Semanas depois, a droga lançada pelo ar passa por um processo de transformação e entra em circulação nas ruas, levada por traficantres aos consumidores.
A cena narrada pelo titular da Delegacia Estadual de Repressão a Narcóticos (Denarc), Odair José Soares, é uma realidade — mesmo que possa parecer roteiro de filme de ação.
Com o aperto do cerco ao narcotráfico pelas polícias estaduais e federal, quadrilhas que agem em Goiás foram forçadas a trocar o modus operandi logístico, e isso incluem incursões aéreas.
Anteriormente, Goiás era considerado uma rota de passagem de drogas para unidades federativas como Rio de Janeiro, São Paulo e o Distrito Federal.
Atualmente, a realidade é outra. O Estado passou a ser importante mercado consumidor.
De acordo com a Polícia Civil, cerca de 80% das drogas aqui apreendidas são provenientes do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Estados que fazem fronteira com países que ocupam o topo do ranking de produção de cocaína e maconha.
O Mato Grosso faz fronteira com a Bolívia, o terceiro produtor mundial de cocaína.
O Mato Grosso do Sul se delimita com o Paraguai, país com o segundo maior plantio da cannabis sativa (maconha) do planeta, atrás apenas do México.
Deste modo, para que a droga chegue aos grandes centros consumidores do Brasil, há a necessidade da travessia do carregamento que adentra o País, grande parte dele pelo território goiano.
Outra variável que faz Goiás ser um entreposto imprescindível ao tráfico de drogas é a existência de uma boa e extensa malha viária.
As estradas que cortam Goiás tornam-se o elo entre as fronteiras com a Bolívia e o Paraguai e os grandes centros consumidores de psicoativos, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Deste modo, na medida em que aumenta o fluxo de drogas em Goiás, também há o aumento local do consumo.
E quais são as principais entorpecentes consumidas no Estado? Segundo informações da Superintendência Regional de Goiás da Polícia Federal (PF) a maconha paraguaia e a cocaína boliviana são os tipos mais comercializados e consumidos pelos goianos.
O delegado regional executivo da PF em Goiânia, Umberto Ramos Rodrigues, explica que a cocaína da Bolívia não é tão pura como a colombiana, mas o seu preço e a facilidade de entrada no Brasil a torna mais disseminada.
O mesmo ocorre com a maconha paraguaia.
O seu alto índice de THC — principal constituinte psicoativo — e melhor qualidade, se comparado à cannabis plantada no Brasil, a deixa mais compensatória ao tráfico.
Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção
Delegado federal Umberto Ramos Rodrigues: “Goiás é rota da droga”
Conjecturas favoráveis ao tráfico
Diferente de seus vizinhos, o Brasil não é um grande produtor de drogas, mas é o segundo maior mercado consumidor do mundo — superado apenas pelos Estados Unidos.
O País se tornou refúgio de narcotraficantes, e o maior exemplo foi a prisão, pela Polícia Federal em 2007, do narcotraficante colombiano Juan Carlos Ramirez Abadia.
O criminoso procurado em vários países foi detido numa mansão em um condomínio de luxo na Grande São Paulo.
Na época, Abadia teria dito aos federais que escolheu o Brasil para se esconder por achar que poderia passar despercebido pelas autoridades que o procuravam.
Por ter proporções continentais, 23.102 km de fronteiras, sendo 15.735 km terrestres e 7.367 km marítimas, com uma área superior a 8,5 milhões de quilômetros quadrados, fiscalizar o tráfico de drogas nos limites territoriais do País não é tarefa fácil.
Afinal, o Brasil faz divisa com dez países, três dos quais são os maiores produtores de cocaína — Peru, Colômbia e Bolívia —, e como já citado, o segundo maior produtor de maconha — Paraguai.
Em todo o globo, todos os aspectos de negócios prospectados com o narcotráfico movimentam anualmente cerca de US$ 500 bilhões.
Não há uma estimativa de valores levantados com o comércio de drogas no Brasil, mas não resta dúvida de que se trata de um mercado bilionário, levando em consideração que o País é rota de distribuição para a África, Ásia e Europa.
A Polícia Federal vem intensificando a fiscalização nos portos, aeroportos e as regiões de fronteiras mais críticas, como a famigerada Tríplice Fronteira — região onde confluem as divisas de Brasil, Argentina e Paraguai.
Em 2013, a PF apreendeu em todo Brasil 728 toneladas de cocaína e 220 de maconha. Goiás foi o quinto Estado brasileiro em apreensão de maconha, com mais de 5 toneladas no ano passado.
“Não há drogas sem financiamento”, ressalta Umberto Ramos Rodrigues.
O delegado federal reitera que, da mesma forma que são importantes as apreensões, também é fundamental o trabalho de desmantelamento da lavagem do dinheiro proveniente da comercialização de drogas.
A lógica é simples: os traficantes são facilmente substituíveis e não existe vácuo no tráfico, pois o espaço deixando por um é rapidamente preenchido por outro.
Entretanto, o espaço deixando pela ausência do capital financeiro não é ocupado por ninguém, isto é, não há drogas sem dinheiro.
Outra preocupação da polícia é sobre o controle eficaz de precursores químicos.
O Brasil é um dos maiores fornecedores de compostos de reações químicas para os países produtores de cocaína.
A PF tem procurado fazer um controle mais rigoroso desses componentes, inclusive com ações mais ostensivas, como investigações que visem desarticular as organizações que fornecem ilegalmente os produtos químicos aos grandes produtores de drogas, em especial a cocaína.
“Nosso desejo é de fazer um controle mais efetivo desses produtos que são desviados e exportados ilegalmente para esses países para a produção de cocaína”, afirma.
Falta melhor controle nas divisas e fronteiras
Ao trafegar pelas rodovias próximas às divisas territoriais do Estado é possível observar policiais em fardamento preto e empunhando armamento pesado.
O emblema destes militares é uma intimidadora pantera acima do mapa de Goiás e dois fuzis entrelaçados.
Trata-se do Comando de Operações de Divisas (COD), uma unidade tática criada em 2012 pela PM goiana com o objetivo de fechar as divisas estaduais.
O cerco é feito por meio de bloqueios e de patrulhamentos em rodovias e estradas vicinais, normalmente usadas pelo tráfico por aparentar pouca fiscalização.
Polícia Civil de Goiás realizou a maior apreensão de drogas do Brasil neste ano: 452 kg de pasta-base de cocaína
Com pouco tempo de existência, o COD têm conseguido incomodar os criminosos.
De acordo com o comandante da unidade, o tenente-coronel Luis Cesar Gonçalves de Paiva, mais de oito toneladas de drogas, entre pasta base de cocaína e tabletes de maconha, foram retirados de circulação.
“Temos intensificado nossas operações, principalmente na região sudoeste, pois é por lá a principal acesso de drogas, armas e cigarros contrabandeados”, informa.
Subordinado ao Comando de Policiamento Rodoviário (CPR) e apoiado pela Agência Goiana de Transportes e Obras (Agetop) — que garante a infraestrutura necessária além de efetuar o pagamento do adicional dos salários de cada um dos 100 militares que compõe a tropa —, além de Goiânia o COD possui outras nove bases operacionais distribuídas em municípios localizados em regiões limítrofes, tais como: Cachoeira Alta, Chapadão do Céu, Aporé, Jataí, Piranhas, Corumbaíba, Cabeceiras, Posse e Campos Belos.
Está previsto a construção pela Agetop de mais seis bases até o final de 2014.
Rota do tráfico
Tradicionalmente, a entrada de drogas em Goiás se dá por vias terrestres, mais especificadamente pelas rodovias que ligam ao Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Por isso, a rotina destes policiais consiste basicamente em abordar automóveis suspeitos.
No ano passado, por exemplo, os militares do COD conseguiram prender 35 pacotes de pasta-base de cocaína que poderia ser transformada em 175 kg de droga.
A apreensão ocorreu na GO-206, entre Chapadão do Céu e o povoado de Itumirim, próximo da divisa com o Mato Grosso do Sul.
A droga estava escondida no fundo falso de uma caminhonete com placas de Campo Grande (MS).
Como se sabe, os entorpecentes não entram somente por rodovias sob o domínio do Estado. É humanamente impossível fiscalizar os milhares de quilômetros que separam Goiás de outros Estados.
Seria mais fácil uma maior inspeção nas fronteiras nacionais, isto é, onde os entorpecentes adentram o território nacional.
Nada adiantaria os governos estaduais bloquearem suas divisas se a União não fizer o mesmo nas fronteiras nacionais. Este parece ser o maior desafio.
“A demanda aumentou e nosso trabalho intensificou na mesma medida. Nossas ações forçaram o tráfico a migrar para outras regiões”, conclui o tenente-coronel Paiva.
Tenente-coronel Paiva: “Ações de repressão ao tráfico nas divisas forçou o crime a migrar de região”
A organização do tráfico em Goiás
De acordo com dados da Delegacia Estadual de Repressão a Narcóticos (Denarc), as drogas mais disseminadas no Estado são a maconha, seguida pela cocaína e seus derivados — crack.
As drogas sintéticas como o ecstasy, lança-perfume e LSD vem em seguida em menor medida, por conta do preço elevado e pelo consumo mais elitizado.
Há também outro detalhe interessante como a diferenciação entre as drogas traficadas em Goiânia e as que circulam pelo interior do Estado.
Os entorpecentes consumidos na capital costumam ser mais puros do que as de cidades menores.
E essas localidades menores, por não representarem a maior fatia do mercado consumidor de drogas, tornaram-se pontos de depósito.
Ou seja, a maconha e a cocaína que abastecem a Grande Goiânia são estocadas em cidades próximas.
A mesma tática tem sido usada por quadrilhas que atuam na capital do País. Grande parte do carregamento que supre a demanda de Brasília fica armazenada nas cidades do Entorno do Distrito Federal.
“Não há em Brasília grandes apreensões como as efetuadas aqui em Goiás. Eles prendem os traficantes no Distrito Federal e os entorpecentes em Goiás”, diz o delegado Odair José.
Neste ano, a Denarc realizou a maior apreensão de pasta-base de cocaína de todo o Brasil: 440 tabletes da droga que pesaram 452 kg.
A operação, denominada de “Abre alas”, foi deflagrada na divisa entre Mato Grosso e Goiás, no município de Aragarças.
Em 2013, a Polícia Civil bateu o recorde de apreensões. Foram 14 toneladas de maconha e 284 kg de cocaína retirados de circulação. Somente neste ano, já foram pegos 3 toneladas de maconha e 800 kg de cocaína.
“Observamos que o tráfico tem aumentado e nunca antes apreendemos um volume tão elevado de drogas como nestes últimos anos.”
Drogas sintéticas
As drogas sintéticas, aquelas produzidas a partir de uma ou várias substâncias químicas psicoativas, é a nova tendência do tráfico no Brasil e em Goiás.
O ecstasy é o entorpecente do tipo mais apreendido pelas polícias brasileiras, sendo que somente neste ano, em Goiás, foram retirados de circulação cerca de 150 comprimidos.
No ano passado foram mais de 1,5 mil. De origem europeia, a droga também passou a ser confeccionada em países vizinhos, como a Venezuela.
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