domingo, 6 de abril de 2014

No princípio parecia fácil e veio a euforia. Bastava anunciar a retomada do território, entrar e hastear uma bandeira que as fortalezas do tráfico estariam dominadas.

Ocupar o território - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 06/04

No princípio parecia fácil e veio a euforia. Bastava anunciar a retomada do território, entrar e hastear uma bandeira que as fortalezas do tráfico estariam dominadas. Depois, vieram as decepções com os casos de violência policial, o ataque às UPPs. Agora, nova e difícil frente foi aberta na Maré: 130 mil pessoas passaram a integrar a cidade e exigem os serviços que nunca tiveram.

Como no Alemão, as Forças Armadas foram chamadas a ajudar na tarefa de consolidação da ocupação do Complexo da Maré. São 12 favelas, com população maior do que a do Alemão e da Penha somadas, e lá há uma dificuldade a mais: existem duas facções criminosas rivais e uma milícia.

O secretário José Mariano Beltrame, com quem conversei, deixou claro que a lógica da política de Polícias Pacificadoras é territorial e há um longo caminho pela frente. “A euforia tomou conta das pessoas no início, mas eu disse sempre que a luta não estava ganha; não está ganha. A lógica é territorial. A droga não vai acabar, o crime não vai acabar. O que tem de acabar é o império. Nessas áreas, um imperador exercia o poder executivo, legislativo e judiciário. Eram o Menor P, o Nem, O Fabiano Atanásio. Pessoas tinham de pagar pedágio ao imperador para ter os serviços de luz, água e o direito de ir e vir. Isso é que a UPP enfrenta. A partir daí, o Estado tem de entrar e, na minha visão, não entrou com a força que deveria ter entrado”, disse o secretário de Segurança do Rio.

Ao todo, já foram instaladas 37 UPPs, em 253 favelas, beneficiando direta e indiretamente dois milhões de pessoas, entre moradores das áreas e do entorno. “Nunca foi, nem será fácil, porque havia além do tráfico todo o tipo de negócio que vivia à sombra do tráfico, como os fornecedores de serviços que o Estado e as empresas não podiam suprir. Eu sempre soube que eles não iriam entregar fácil”, disse Beltrame.

Ele lembra, no entanto, que apesar dos ataques às UPPs, nenhuma área foi retomada pelo tráfico: “E nem será, porque quando eles entrarem, voltamos lá com 500, 600 homens e tomamos de novo. Eles não terão mais o poder que já tiveram.”

Beltrame também falou dos casos de violência policial, como a que matou o pedreiro Amarildo ou a auxiliar de serviços gerais Cláudia Ferreira: “É inaceitável. Triste e difícil. Mas, no caso Amarildo, a polícia trabalhou lá investigando e foram presos 20 pessoas, inclusive policiais. Foi dada uma resposta com a retirada desses policiais da Corporação. É ruim quando a polícia vai com uma proposta de pacificação e faz o contrário. Mas durante 30 anos a polícia era jogada na favela como numa zona de guerra. Agora, estamos tirando os fuzis da mão dos policiais. Há resistência, ele se sente nu sem a arma. Mas para que fuzil numa área pacificada?”

Perguntei se os jovens que entram cheio de entusiasmo e ideal para renovar a polícia não estão sendo pouco treinados. Há casos de jovens policiais mortos em áreas que têm UPPs. Ele disse que a própria arquitetura das favelas torna tudo mais difícil: “Há becos sem luz, e quando há uma situação de crime o policial tem que entrar. Alguns foram mortos covardemente.”

Os índices de homicídio doloso estavam estacionados em torno de 45 por 100 mil habitantes e caíram para 26,5, em 2012. Mas, em 2013, aumentou em 9,7% na cidade e 16,7% no estado. Beltrame contou que há uma estratégia para enfrentar esse retrocesso nos indicadores, que será posta em prática logo após a Copa.

O secretário alertou que a questão de segurança envolve vários outros debates. Semana passada, houve um problema no Pavão provocado por um bandido com seis passagens pela polícia e sete mandados de prisão revogados pela Justiça e outro que estava preso e saiu com indulto de Natal. Além de reforma penal e outros debates, ele acha essencial haver alternativas para a juventude.

“Neste momento, legiões de jovens estão soltas, sem rumo em áreas ocupadas por facções. No Rio, as facções criminosas são subnações. Jovens se jogam para a morte em nome delas, mesmo sem saber o que são. No dia da ocupação da Maré, de repente 30 rapazes começaram a se jogar pedra.” O caminho será ainda longo, mas ocupar o território tinha que ser o ponto de partida.
 

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