quinta-feira, 10 de julho de 2014

Dos técnicos aos jogadores: o que é preciso para reeguer o futebol brasileiro


Maior vergonha do esporte nacional na história apenas sacramenta que o Brasil não pode ser considerado, há algum tempo, o país do futebol. O problema é que vexame pode se repetir, caso não haja uma profunda reforma



10/07/2014 08:12

Fim de jogo, na terça, registrou um placar  para a história ( AFP PHOTO / PEDRO UGARTE)
Fim de jogo, na terça, registrou um placar para a história


Os dias de Luiz Felipe Scolari e Carlos Alberto Parreira no comando da Seleção Brasileira, em Brasília, neste fim de semana, serão os últimos da dupla à frente de qualquer equipe. Parreira já era, desde 2010, um senhor aposentado, após (mais um) trabalho fracassado na Copa da África do Sul com os anfitriões; e Scolari vinha de passagem pelo futebol do Uzbequistão, para, em seguida, empurrar o Palmeiras à Segundona do Brasileiro. Com essas credenciais, embora se pendurassem em títulos de décadas passadas, os dois desembarcaram no comando do Brasil, em novembro de 2012, às vésperas do Mundial.

A humilhação pública sofrida pelo Brasil diante da Alemanha, por 7 x 1, em uma semifinal de Copa do Mundo em casa, foi o último — e o mais importante — capítulo da biografia dos dois. Todo o resto terá pouca ou quase nenhuma importância. Talvez pela amplidão da catástrofe, nem Scolari nem Parreira (e, ao que parece, ninguém dentro da CBF) tenham compreendido o que aconteceu. A constrangedora entrevista da comissão técnica, capitaneada pela dupla, ontem, é sinal disso.

Provavelmente (mal) orientado pela assessoria, Scolari voltou a falar em “pane”. Agora, foram seis minutos da tal pane. Em uma frase de quatro palavras, o técnico ignorou os outros 564 minutos de mal futebol da sua equipe na Copa e a gentileza alemã, que parou de atacar o Brasil depois de 5 x 0 no primeiro tempo.

Ignorou também aquela que pode ser a única lição dessa vergonha para a eternidade: o resultado vexatório no Mineirão não foi obra do acaso. Apenas oficializou que o país do futebol, como conhecíamos, não existe mais. Na realidade, não existe há algum tempo.

Não de hoje, é o país de um futebol que tolera casos de racismo em campo e nas arquibancadas, de um futebol que não pune a guerra de torcidas, de um futebol que se contenta com média de público inferior a 15 mil pessoas em seu principal torneio, de um futebol que convive com atrasos de salário e falta de estrutura nos clubes de ponta, de um futebol que não investe na base nem na formação de técnicos, de um futebol que, a cada temporada, se distancia mais de qualquer traço de modernidade.

O resultado dessas desventuras em série materializou-se em cada gol alemão, na terça trágica de 8 de julho. E o mais grave: pode se repetir. Provavelmente, nunca naquelas proporções, mas em doses mais suaves, se é que há suavidade na catástrofe.

Cartolagem

 
Quando um clube brasileiro de grande porte cai para a segunda divisão — e isso vem se tornando frequente justamente em função de uma cartolagem incapacitada —, diz-se que, dali, deve surgir a reconstrução; ainda que, no caso do futebol nacional, os erros se repitam.

Os 7 x 1 da Alemanha sobre o Brasil na Copa do Mundo são impacto multiplicado por 200 milhões. Numa comparação impossível, seria como se um time caísse para divisões inexistentes do futebol. Série H, Série L… E, por consequência, a (boa) intenção precisa acompanhar a proporção do caos. Nessa situação, deve-se buscar uma ressurreição.

Pela primeira vez em muito tempo, não chegaremos à Copa de 2018, na Rússia, como um dos favoritos. Não importa quem seja o próximo técnico, não interessa como jogue a Seleção nas Eliminatórias. Na estreia do Brasil, daqui a quatro anos, os 7 x 1 ainda ecoarão estrondosamente na atmosfera do estádio em que iniciaremos nosso caminho. Melhor assim. A ressurreição requer um ponto de partida muito claro e que faltou nos últimos anos: o reconhecimento de que estamos muito longe de ser um país de futebol.


O que precisa de um CTRL+ALT+DEL

 (Alexander Joe/AFP)

Sério: o que são os nossos técnicos?

 
Logo depois da saída de Mano Menezes do comando da Seleção Brasileira, alguns (poucos) setores da imprensa local ventilaram o nome do espanhol Pep Guardiola como o ideal para substituí-lo. A turma de treinadores brazucas, em uníssono, protestou e quase foi às ruas, como nas manifestações de 2013, só para emplacar uma tese: o Brasil não pode ser treinado por um estrangeiro. Disse quem?

Talvez por só encontrar mercado em países futebolisticamente inexistentes, como o Uzbequistão, formou-se um elo protecionista entre os técnicos. Seu time pode ainda não ter percebido — ou até notou e deu de ombros —, mas essa “reserva de mercado” é o que mantém nomes como Celso Roth, Ney Franco, Dorival Júnior, Joel Santana, Caio Júnior, Paulo Autuori e outros tantos na roda. Que ninguém se iluda, nem eles mesmos, mas Scolari e Parreira são versões desse grupo.

A escolha dessa comissão técnica para dirigir a Seleção na Copa em casa nada mais foi do que um reflexo do que, vira e mexe, ocorre nos clubes. Não há um critério real que estabeleça uma conexão entre opção e planejamento.

No Mundial, mesmo quem acabou (ou pode acabar) atrás do Brasil mostrou evoluções táticas alguns padrões acima da nossa — leia-se Sampaoli, com o Chile, ou Van Gaal, com a Holanda. E, se nenhum treinador gringo serve para dirigir o Brasil, que se formem novos treinadores verdadeiramente. Ou se preste atenção na lista de comandantes desta Copa. Nela, havia quatro técnicos alemães e três argentinos. Sim, as mesmas nacionalidades da grande final.


 (Christophe Simon/AFP)

O melhor do Brasil (não) é o brasileiro

 
Acesse uma gaveta antiga da memória e puxe de lá a última vez em que um jogador brasileiro foi — de fato — o melhor do mundo. Ronaldo em 2002? Ronaldinho em 2004? É possível. Ainda assim, trata-se de uma década desde então.

Na eleição da Fifa, aquela que vem consagrando Lionel Messi e Cristiano Ronaldo há meia dúzia de temporadas, um brasileiro não aparece entre os três primeiros desde 2007, ironicamente o mesmo ano em que o Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo.

Quando se cobra de Fred, comete-se uma injustiça tremenda. Não é que Fred, aos 30 anos, vá mudar de patamar porque foi convocado. Ele continua sendo o centroavante do Fluminense. Da mesma forma que Jô é só o centroavante do Atlético-MG. Eles não jogam no Real Madrid, no Manchester City ou no Bayern. Nenhum dos dois atua nem no mesmo padrão de Higuaín (Napoli) ou de Schuerrle (Chelsea).

O Brasil que chegou à Copa do Mundo e levou sete da Alemanha só tem um protagonista numa equipe de ponta do futebol mundial: Neymar. Bernard, por exemplo, o substituto do camisa 10 escolhido por Scolari, é reserva num time médio da Ucrânia.

Se não é a matéria-prima nossa maior arma, que se crie versatilidade. Outras seleções e equipes fazem isso já há algum tempo. Enquanto elas trabalhavam opções, o Brasil discutia se devia ou não levar Kaká e Ronaldinho Gaúcho. Não por coincidência, dois atletas da época em que paramos de produzir “melhores do mundo”.

 (Rodrigo Coca/AG Corinthians)

Calendário, uma discussão mais aguda

 
Em 2003, o futebol brasileiro prometeu, e de certa forma promoveu, aquilo que se batizou de modernização. Trocou o sistema de mata-mata no principal torneio do país pelos pontos corridos, adotados em qualquer país do mundo com uma organização minimamente decente. Foi pouco. E, veja lá, isso tem mais de 10 anos.

Quando imprensa, atletas e até treinadores pedem uma reformulação do calendário do futebol nacional, não se trata de balela, embora nem todos os envolvidos compreendam bem o discurso — mesmo os favoráveis a ele. No ano passado, os principais times do país jogaram, em média, 79 vezes na temporada. São 7,18 jogos por mês (consideradas as férias) ou um a cada quatro dias, mais ou menos.

Na Europa, no mesmo ano, as principais equipes atuaram, em média, 60 vezes, quase 20 partidas a menos. E é evidente que isso faz uma considerável diferença. Quando a comparação é com o Bayern, campeão do país que sapecou sete no Brasil na terça-feira, a distorção é mais impressionante. Na temporada 2012/2013, o clube alemão atuou apenas 53 vezes, quase dois terços dos 79 jogos dos times brasileiros.

 (Ed Alves/CB/DA Press)

História desprovida de punições

 
Por anos, dirigentes dos principais clubes do país se penduraram em dívidas impagáveis para favorecer — nessa ordem — os próprios interesses e contratações sem qualquer medida lógica ou contábil. Resultado: a conta de cada time chega, sem esforço, à casa dos R$ 400 milhões acumulados. O valor da Seleção da Holanda inteira.

Além do desleixo em relação à rolagem dessa dívida, porque sobre ela, como em qualquer dívida do mundo, incide juros, alguns cartolas foram adiante: abraçaram o conto do dinheiro fácil ao se associar a empresas de origem duvidosa para rechear os cofres com moedas que, mais à frente, se mostravam quase virtuais.

Durante anos, essa farra jamais foi nem sequer monitorada por qualquer órgão regulador ou pela entidade responsável por administrar o futebol brasileiro. A “solução” brotou no início do ano passado com a Medida Provisória que perdoava quase 90% da dívida dos clubes brasileiros, que já alcançou a casa dos R$ 4 bilhões. O projeto, que ainda tramita no Congresso, acabou modificado e não perdoa mais nada, porém estende o pagamento ad eternum, permitindo, entre outras coisas, o recebimento de aporte de dinheiro público, como no caso das instituições financeiras que patrocinam equipes de futebol.

A responsabilidade, aqui, se ao menos resvala na questão financeira, ainda passa longe de outro problema grave: o caos que vem das arquibancadas, seja em forma de briga de torcidas ou de ofensas racistas.

Como não são punidos verdadeiramente (a pena fica sempre restrita a perda de mandos de jogos, o que já se comprovou uma bobagem), os clubes nada fazem para coibir qualquer tipo de comportamento agressivo. Ainda assim, seguem sustentando as organizadas como forma de manter apoio político a projetos pessoais.



Comentario

Anonimo 

Enfim, o Governo PT que sucateou a educação, o sistema de saúde, a segurança, a urbanização das cidades sucateou também nosso futebol.Por que não sucatearia?

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