Josias de Souza
Há 20 dias, essas cenas eram impensáveis. Rumava-se para a reedição do Fla-Flu. Dilma e Aécio ignoravam os menos de 10% de Eduardo Campos. Equipavam-se para a sexta final consecutiva do eterno torneio entre PT e PSDB. De repente, a morte de Campos eliminou a represa que impedia o potencial de votos de Marina de jorrar. E Dilma, que segundo seu marqueteiro veria “do Olimpo” os rivais se comendo “numa antropofagia de anões”, é obrigada agora a se engalfinhar com uma ex-anã que ficou do seu tamanho. E ainda pode ficar maior.
Quanto a Aécio, restou-lhe tentar impedir que o voto útil o empurre para o mesmo acostamento em que estava estacionada a terceira via de Eduardo Campos.
Levando-se em conta que a rejeição à candidatura de Dilma bateu em 45%, um pedaço do eleitorado de Aécio pode ficar tentado a despejar votos em Marina, na expectativa de liquidar o jogo no primeiro tempo. Por isso, a exemplo de Dilma, o presidenciável tucano também não pode se dar ao luxo de ignorar Marina.
Nas considerações finais do debate desta segunda-feira, Aécio disse que a corrida presidencial envolve “dois campos políticos”, não três. De um lado, o “governismo”. Do outro, a infantaria “das mudanças”. Deu de barato que Dilma perderá a eleição. E bateu em Marina com a suavidade que o favoritismo dela exige: “Acredito nas boas intenções da Marina, mas ela não consegue superar as enormes contradições… Defende hoje teses que combatia há pouco tempo.”
Para infortúnio de Aécio, Marina repete agora um discurso que começara a entoar na sucessão de 2010. Diz que, na economia, quer restaurar o tripé macroeconômico instituído em 1999, sob FHC: metas de inflação, câmbio flutuante e superávit nas contas públicas. Tem do seu lado um dos pais do Real, André Lara Rezende. E soa mais realista do que o PSDB ao encampar a ideia de dar autonomia formal ao Banco Central. O discurso atucanado de Marina joga água no moinho do voto útil.
Autor da ideia de antecipar a eleição, Lula anda sumido. Diz-se que reaparecerá no Nordeste nesta semana. Ele havia relançado Dilma em 20 de fevereiro de 2013, em São Paulo, num seminário comemorativos dos dez anos do PT. Respondendo a ataques que Aécio fizera ao partido no Senado, Lula dissera: “Eles podem se preparar, podem juntar quem eles quiserem, porque se eles têm dúvidas, nós vamos dar como resposta a eles a reeleição da Dilma em 2014.”
Discursando no mesmo evento, Dilma também pisara no calo do tucanato: “Nós não herdamos nada, nós construímos.” Cinco dias depois, num seminário realizado em Belo Horizonte pelo PSDB mineiro, Fernando Henrique chamaria Dilma de “ingrata”. Ela “cospe no prato que comeu”. Passados quatro meses, a rapaziada desceu ao asfalto para restabelecer a normalidade.
Se as ruas disseram alguma coisa para Lula e Dilma foi que a democracia, tratada pelo petismo como estorvo para um governo definitivo, deveria voltar a funcionar como corretivo para a falibilidade humana. Agora, ao elevar a estatura de Marina, o eleitorado informa a FHC e ao tucanato que talvez prefira pratos limpos e uma refeição nova.
O debate promovido por UOL, Folha, SBT e Jovem Pan serviu para potencializar a nova conjuntura. Ela traz duas novidades extraordinárias: 1) quem dita o ritmo da eleição é o eleitorado, não os marqueteiros. 2) a sucessão perdeu aquele ar de mera formalidade convocada para renovar o mandato de uma candidata imbatível. Quem quiser a poltrona de presidente terá de guerrear.
Até Marina, que parece obter votos por geração espontânea, levou à vitrine um programa de governo, expondo suas ideias, contradições e inconsistências. Aécio promote divulgar o seu na semana que vem. E Dilma talvez perceba que não basta “desconstruir” a nova rival. É preciso construir-se a si própria.
No debate desta terça, a pretexto de fustigar Marina, Dilma realçou a “governabilidade” de que dispõe a sua administração. E disse recear que um eventual governo de sua rival, sem uma base partidária no Congresso, resulte em “crise institucional”. Ficou evidente que a ficha da candidata de Lula ainda não caiu.
Todos os países são difíceis de governar. Mas só o Brasil, com sua governabilidade de resultado$, tornou-se inadministrável.
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