Principais candidatos não tocam na questão da violência policial em seus programas.
Medo de perder 'voto conservador' afasta violência policial de
campanhas. Tema foi sugerido pelos leitores da BBC Brasil em consulta
nas redes sociais.
Após os protestos de 2013, a ONU cobrou explicações do Brasil sobre o
que chamou de uso excessivo da força policial na repressão aos
manifestantes. Casos como o do pedreiro Amarildo também levantaram o
debate sobre a atuação cotidiana da polícia militar em todo o país. Mas
uma "fuga histórica do debate" e o receio de perder votos de setores
conservadores impedem que o tema entre nos programas dos presidenciáveis
lideres nas pesquisas, segundo especialistas...
A violência policial e também a violência sofrida pelos policiais – até
mesmo dentro da corporação – foram apontadas por leitores em uma
consulta promovida pelo #salasocial - o projeto da BBC Brasil que usa as
redes sociais como fonte de histórias originais. Trataremos do tema ao
longo desta semana, durante a quarta parte da cobertura especial da BBC
Brasil sobre as eleições de 2014.
Em seus programas oficiais de governo, os candidatos líderes nas
pesquisas, Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB),
apresentam propostas de capacitação, modernização e investimento na
carreira e na infraestrutura policial (ver quadro). Alguns deles
mencionam itens como "transparência" e "controle da atuação policial".
No entanto, não há menção explícita a questões relacionadas ao uso
excessivo de força, à alta letalidade da força policial no Brasil e a
ações que promovam uma diminuição da violência que atinge os policiais.
Entre os candidatos à Presidência, apenas Luciana Genro (PSOL) e Zé
Maria (PSTU) mencionam a violência policial. Ambos propõem a
desmilitarização da polícia.
'Defesa de uma polícia mais dura'
Para Bruno Langeani, coordenador da área de sistema de justiça e
segurança pública do Instituto Sou da Paz, a segurança ainda não é um
tema no qual os candidatos à Presidência "gostam de entrar", apesar de
ter aparecido como a segunda maior preocupação dos brasileiros em uma
pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada no início de agosto.
"O maior papel na segurança está com os Estados e as políticas públicas
dão resultados de longo prazo. Não é algo que traz benefícios políticos
imediatos para o candidato. Historicamente, eles fogem do debate,
quando podem", afirma.
O cenário, no entanto, estaria mudando, na medida em que a população
cobra mais posicionamentos. "Há um tempo, o candidato podia passar a
campanha inteira sem falar do tema. Hoje eles já têm que responder mais
perguntas sobre isso nos debates. Estamos avançando", disse Langeani à
BBC Brasil.
"O combate à violência policial é reivindicado por todos os movimentos
de periferia e é talvez o único tema que unificava dos protestos de
2013. Acho um fato notável que isso não seja mencionado pelos principais
candidatos", afirma o filósofo, ativista e professor da USP Pablo
Ortellado, autor do livro Vinte centavos: a luta contra o aumento.
Para Ortellado, a ausência do tema nas campanhas se deve a um processo
que chama de "moralização do debate político brasileiro, semelhante ao
que ocorreu nos Estados Unidos nos anos 90 e acontece agora na França e
em muitos países".
"Temas como a proibição do aborto e do casamento gay, guerra contra as
drogas e a redução da maioridade penal ganharam muito espaço,
ultrapassando temas econômicos. A defesa de uma polícia mais dura faz
parte dessa agenda", diz. "Acho que os candidatos simplesmente não estão
lidando com o tema porque temem perder o eleitor conservador, seja ele
de direita ou de esquerda."
Papel do poder executivo
No Brasil, a organização da Polícia Militar é de competência dos
governos estaduais, o que explicaria, em parte, a menor presença do tema
nas campanhas presidenciais. Para os especialistas ouvidos pela BBC
Brasil, no entanto, propostas do governo federal seriam essenciais para o
avanço da discussão sobre a violência policial e contra os policiais.
"A violência policial não é o único problema da polícia, mas ela não é
resolvida apenas com carreira, salário, estrutura e outras questões da
segurança pública", diz Pablo Ortellado. "A polícia precisa de reforma
em vários níveis, mas a violência policial é uma cultura, que precisa de
ações específicas como uma corregedoria independente, instrumentos de
sanção para quem cometa violência. É necessário que o policial preste
contas."
Para Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz, o problema da violência
policial "tem que estar expressamente colocado nos programas, porque
afeta a falta de confiança na polícia e o desgaste da corporação".
"O papel do governo federal é ter liderança, colocar modelos e
diretrizes. Ele poderia estabelecer como critério que os Estados recebam
recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública que tenham programas de
redução de violência policial ou mesmo a criação de corregedorias e
ouvidorias policiais independentes", disse ele.
"Mas isso também só dará certo se o governo federal investir mais em
segurança pública. O orçamento da segurança pública atualmente é menos
de 0,5% do PIB brasileiro, em média."
Mudanças mais profundas na formação e atuação dos profissionais – como a
possibilidade de realizar o ciclo completo de policiamento (preventivo,
ostensivo e investigativo), uma das bandeiras de movimentos pela
diminuição da violência – devem também ser propostas pelo poder
executivo, de acordo com Langeani.
"Os candidatos falam da capacitação para o ciclo completo, mas isso só
não dá conta, porque é preciso ter mecanismos legais para que o policial
possa atuar no ciclo completo. Mesmo que isso seja uma atribuição do
Legislativo, sabemos que quando as propostas vêm do Executivo elas têm
mais força”, afirma.
Principais propostas de Dilma, Aécio e Marina para a polícia
Dilma Rousseff (PT):
Criação da Academia Nacional de Segurança Pública, para formação
conjunta das polícias, formulação e difusão de procedimentos
operacionais padronizados e formação de analistas;
Dar continuidade ao processo da integração das instituições de segurança pública no País.
Marina Silva (PSB):
Regulamentar nacionalmente uso da força pelas instituições policiais e
de justiça criminal e atribuir à Câmara Gestora − ou a outra instância
adequada a ser legalmente criada − a responsabilidade de regular e
autorizar a aquisição de armamentos letais e não-letais pelos órgãos do
sistema e de estabelecer protocolos publicamente conhecidos de
procedimentos nas relações das polícias com os cidadãos.
Criar um Programa Nacional de Capacitação Policial e desenvolver um
padrão de ensino e treinamento mais uniforme nas academias de formação
desses profissionais.
Propor reforma do modelo de atuação policial e da gestão das
organizações policiais, com implementação de planos de carreira, de
formação e de capacitação para o ciclo completo da ação policial
(preventivo, ostensivo e investigativo); de avaliação de desempenho por
metas e de indicadores combinados para as polícias Civil e Militar a fim
de estimular sua atuação conjunta.
Controlar permanentemente a atuação policial, integrando a atividade
das polícias em cada território, alterando profundamente a formação
policial e oferecendo treinamento constante, valorização dos
profissionais e melhoria de estrutura das polícias.
Aécio Neves (PSDB):
Estímulo ao policiamento em áreas de intensa criminalidade, por meio do fornecimento de metodologia e treinamento adequados.
Apoio a inovações gerenciais que visem integrar e otimizar as ações das
polícias brasileiras, bem como introduzir mecanismos de incentivos com
base em resultados.
Criação de políticas de valorização, apoio, aperfeiçoamento e
qualificação de policiais federais e estaduais e dos demais integrantes
dos sistemas de segurança pública.
Criação do Fundo de Valorização da Polícia, para apoio aos policiais
civis e militares dos Estados, com o estabelecimento e metas para a
transferência de recursos e a publicidade das metas e dos resultados
obtidos.
Proposição de aumento da pena para os crimes de violência ou ameaça
praticados contra agentes públicos que tenham função de repressão penal -
policiais, juízes, promotores e agentes prisionais.
Fonte: Por CAMILLA COSTA, BBC Brasil em São Paulo - 16/09/2014 - - 08:48:53
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