terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Câmara aprova texto principal de projeto sobre recursos genéticos, com restrições aos direitos de povos indigenas e tradicionais que, obviamente, não foram ouvidos na elaboração do projeto. Apenas os ruralistas foram consultados.Pobre Floresta Amazonia, pobre Brasil que ficará sem agua!.



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Votação de destaques está marcada para a tarde desta terça (10/2), mas há poucas chances de mudanças importantes no projeto. Texto traz várias restrições aos direitos de povos indígenas e tradicionais
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A Câmara aprovou, na noite de ontem (9/2), o substitutivo do Projeto de Lei (PL) 7.735/2014 do deputado ruralista Alceu Moreira (PMDB-RS), que pretende facilitar o acesso de pesquisadores e indústrias aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade e à agrobiodiversidade. O projeto trancava a pauta do plenário há mais de sete meses.


Um acordo costurado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), permitiu a votação do texto principal, deixando a análise dos destaques para a tarde de hoje. A perspectiva de alteração substancial da proposta nessa nova votação é pequena. Depois disso, o PL segue para o Senado.


A proposta traz uma série de retrocessos para povos indígenas e tradicionais. Por exemplo, não prevê que essas populações possam negar o acesso a seus conhecimentos e restringe seu direito à repartição dos benefícios oriundos da exploração econômica desses conhecimentos.


Segundo o texto aprovado ontem, essas comunidades só terão direito a alguma compensação se o conhecimento tradicional for “elemento principal de agregação de valor” do produto desenvolvido a partir dele e se este produto for incluído numa lista que será elaborada por alguns ministérios. Além disso, produtos desenvolvidos com base em acesso a conhecimentos tradicionais realizado antes de junho de 2000 também estarão isentos de repartir benefícios com essas populações (leia análise do ISA sobre o projeto).


Ruralistas comemoram
Os ruralistas comemoraram a aprovação do substitutivo, que prevê isentar produtores rurais do pagamento de royalties pelo uso de sementes de espécies exóticas de commodities introduzidas no País, como soja, milho e arroz.


“Tudo o que foi possível ser colocado para preservar os interesses das comunidades tradicionais foi colocado”, defendeu Moreira, que rejeitou as mais de 170 emendas apresentadas ao PL até então (mais 50 foram apresentadas no plenário ainda ontem). “Em toda a construção do texto o governo participou de cada detalhe”, informou.


Apenas PT, PSOL, PCdoB e PV votaram contra o substitutivo. O líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), liberou a base aliada para a votação do texto, finalizado, no final do ano passado, por representantes de ministérios, ruralistas e empresários, sem participação de povos indígenas e tradicionais e organizações da sociedade civil.


O secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Roberto Cavalcanti, disse que estava otimista com a aprovação do substitutivo. “O assunto vinha sendo discutido há muito tempo e é importante que se avance”, comentou.


Deputados como Ivan Valente (PSOL-SP), Chico Alencar (PSOL-RJ), Sarney Filho (PV-MA) e Alessandro Molon (PT-RJ) voltaram a denunciar que representantes de povos indígenas e tradicionais não foram ouvidos na elaboração do projeto (leia carta dos movimentos sociais).


Alceu Moreira alegou que a Fundação Nacional do Índio (Funai) foi ouvida e representa os índios e que integrantes de populações tradicionais também foram consultados. “Que tipo de discussão queriam? Que eu fosse fazer uma assembleia geral no meio de uma tribo? E o que tiraria dali? Nós imaginamos que o grau de representação naquela mesa [de negociação] era suficiente e responsável para representar quem devia estar lá?”, afirmou.

O que são os recursos genéticos? Os recursos genéticos da biodiversidade são encontrados em animais, vegetais ou micro-organismos, por exemplo, em óleos, resinas e tecidos, encontrados em florestas e outros ambientes naturais. Já os recursos genéticos da agrobiodiversidade estão contidos em espécies agrícolas e pastoris.

Comunidades de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e agricultores familiares, entre outros, desenvolvem e conservam, por décadas e até séculos, informações e práticas sobre o uso desses recursos.

Tanto o patrimônio genético quanto esses conhecimentos servem de base para pesquisas e produtos da indústria de remédios, sementes, gêneros alimentícios, cosméticos e produtos de higiene. Por isso, podem valer milhões em investimentos.

O Brasil é a nação com maior biodiversidade do mundo e milhares de comunidades indígenas e tradicionais, por isso é alvo histórico de ações ilegais de biopirataria, crime que o PL 7.735 também pretende coibir e punir.

PL 7.735/2014



O que está em jogo no PL de acesso aos recursos genéticos do Congresso?



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Instituto Socioambiental (ISA)
A votação do Projeto de Lei (PL) 7.735/2014 na Câmara pode acontecer nos próximos dias. A proposta pretende regulamentar o acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade. Veja abaixo uma breve contextualização e análise da proposta elaborada pelo ISA que aponta alguns dos principais retrocessos para povos indígenas e tradicionais que sua aprovação pode significar


Projeto de Lei 7.735/2014: O que está em jogo na regulamentação do acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional associado para os detentores desse conhecimento?


Um dos mais significativos avanços da Convenção sobre Diversidade Biológica é o reconhecimento do conhecimento tradicional de comunidades locais e povos indígenas como fundamental para a conservação e para o uso racional da biodiversidade. Desse reconhecimento, se derivaram importantes direitos a esses povos e comunidades, sendo os principais: (i) o consentimento prévio informado para o acesso ao conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos e (ii) a repartição justa e equitativa dos benefícios advindos da utilização de recursos genéticos e do conhecimento tradicional a eles associados.


Tais direitos, porém, encontram-se ameaçados em razão do Projeto de Lei (PL)7.735/2014, tramitando em regime de urgência na Câmara dos Deputados, que visa substituir a Medida Provisória 2.186-16/2001. As ameaças vêm daí, tanto por seu conteúdo como pela forma de sua concepção e tramitação.
Povos indígenas e comunidades locais, detentores do conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos, foram excluídos do processo de elaboração do referido PL e sequer foram consultados sobre seu conteúdo.



Por outro lado, a elaboração do PL, oriundo do Poder Executivo, contou com intensa participação dos setores empresariais envolvidos, o que garantiu a consolidação de seus interesses privados, como a dispensa de qualquer autorização para o acesso a recurso genético e conhecimento tradicional associado, a anistia geral e irrestrita a todas as penalidades impostas por suas irregularidades e a dispensa de pagamento de repartição de benefícios em diversas hipóteses.

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Além da falta de participação no processo de elaboração do PL, seu conteúdo também deve ser motivo de preocupação para os detentores de conhecimento tradicional. Direitos já consagrados na legislação brasileira, como o consentimento prévio informado e a repartição de benefícios derivada do uso dos recursos genéticos e do conhecimento tradicional associado, se apresentam de forma desfigurada no PL, sendo objeto de grandes limitações.


O processo de consentimento prévio informado, por exemplo, pressupõe que seja possível não consentir, ou seja, dizer ‘não’ ao acesso e ao uso do conhecimento tradicional. No PL, essa possibilidade não existe (veja o anexo para uma análise mais detalhada). A repartição dos benefícios advindos do acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional, por sua vez, deixa de ser justa e equitativa no PL, para ser injusta e insignificante.


Assim sendo, é fundamental que os detentores do conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético se mobilizem e se envolvam nesse debate, sob o risco de se permitir a consolidação de limitações aos seus direitos, tal como que sejam acessados seus conhecimentos para exploração econômica sem sua concordância e sem a justa e equitativa repartição de benefícios.


As relações de força no Congresso Nacional são desfavoráveis aos direitos dos povos e comunidades tradicionais, tornando necessária a incidência das organizações junto aos parlamentares, bem como ao governo federal, autor da proposta e de seu regime de urgência.


Leia uma pequena análise sobre o que consideramos fundamental no PL
Sobre a tramitação do Projeto de lei, acesse aqui

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