terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Transposição do Paraíba do Sul pode virar elefante branco?"Por que ao invés de gastar com essa obra não se gasta com a recuperação da bacia? Na atual condição do rio quando a transposição ficar pronta não vai ter de onde se tirar água, vai se tornar um elefante branco""O que me preocupa é que não vejo nenhuma movimentação real do governo em pensar alternativas para substituir o Cantareira para que ele possa se recuperar."





Paula Bianchi
Do UOL, no Rio


  • Daniel Castelo Branco/Agência O Dia/Estadão Conteúdo
    Margem do rio Pomba, em Santo Antônio de Pádua (RJ), afluente do Paraíba do Sul Margem do rio Pomba, em Santo Antônio de Pádua (RJ), afluente do Paraíba do Sul

Anunciada pelo governo de São Paulo como uma das principais formas de recuperar a capacidade do sistema Cantareira, a transposição do Paraíba do Sul para o reservatório paulista é vista com reservas pelos especialistas ouvidos pelo UOL. Entre as principais questões está a localização dos dois mananciais que, vizinhos, estão sujeitos ao mesmo regime hídrico, e a disposição do governo do Rio de Janeiro de apenas definir o quanto e se a água será efetivamente transposta quando a obra estiver pronta.

"O guarda-chuva é o mesmo", afirma Vera Lúcia Teixeira, vice-presidente do Ceivap (Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul), ao lembrar que os dois Estados têm sofrido juntos com a longa estiagem que afeta a região Sudeste. No dia 28 o volume médio do Paraíba, que costuma ser de cerca de 50% nesta época do ano, chegou a 0,5% e em janeiro dois dos quatro reservatórios que compõem o sistema alcançaram o volume morto.


"Por que ao invés de gastar com essa obra não se gasta com a recuperação da bacia? Na atual condição do rio quando a transposição ficar pronta não vai ter de onde se tirar água, vai se tornar um elefante branco", afirma Vera.

Apesar de o edital, lançado no dia 30, prever uma vazão mínima de 5.130 a 8.500 litros de água por segundo do Paraíba para o sistema Cantareira, o governo do Rio diz que só será possível decidir se o Estado irá ceder ou não água ao vizinho no momento em que o projeto estiver pronto. 


A transposição irá ligar as represas de Jaguari, na bacia do Paraíba –que apresentava, no domingo (8), 2,17% de seu volume útil--, a Atibainha, parte do sistema Cantareira, e está orçada em R$ 830 milhões, valor que será custeado pelo PAC (Programa de Aceleramento do Crescimento). A previsão é de que a obra fique pronta em um ano e meio a partir do encerramento da licitação, previsto para abril.

Sem alternativas

Professor de gestão ambiental da USP (Universidade de São Paulo), Pedro Luiz Côrtes questiona a falta de iniciativas para recuperar a bacia do Canteira que, segundo ele, precisará de anos para voltar ao normal.

"Não há sentido nessa obra, pegar água de um lugar que não tem", afirma. "O que me preocupa é que não vejo nenhuma movimentação real do governo em pensar alternativas para substituir o Cantareira para que ele possa se recuperar."

O engenheiro e professor do Coppe-UFRJ (Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Paulo Carneiro, que coordenou o Plano Estadual de Recursos Hídricos no ano passado, critica a falta de debate em torno do projeto.

"Tenho muitas dúvidas a respeito da transposição. Dizem que vai ser um sistema de mão dupla, mas parte de um princípio de que é possível ter um sistema desabastecido e outro cheio, mas os dois estão sobre o mesmo regime de chuvas."

Segundo um relatório do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) publicado no início de fevereiro, o volume morto do Paraíba do Sul pode esgotar antes do fim de agosto caso a seca na região seja igual a de 2014 e as chuvas recentes não foram suficientes para recompor as represas.
"Mesmo esta obra sendo concluída rapidamente como a gente vai fazer esta transferência com o Rio na iminência de ficar sem água?", questiona Carneiro.

Histórico

Em março, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), levantou publicamente a ideia de desviar para o sistema Cantareira águas da bacia do rio Paraíba a fim de atenuar a crise hídrica no Estado. O então governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), ameaçou recorrer à Justiça. A situação acabou sendo mediada pelo governo federal, e Alckmin recuou.

Em outubro, o tucano trouxe novamente a questão à tona e o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro chegou a entrar com uma ação civil pública junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) questionando a transposição e pedindo para que fosse decretado "estado de calamidade hídrica no Estado".

Mais uma vez o governo federal interveio e, após uma reunião convocada pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux em novembro, Alckmin, Pezão e o então governador de Minas Gerais, Alberto Pinto Coelho, chegaram a um consenso, autorizando a obra.


Entenda a transposição

  • O que é?
    A transposição do Paraíba do Sul é uma obra para levar as águas do rio Paraíba do Sul, que atravessa os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, para o sistema Cantareira através de uma ligação entre as represas de Jaguari, na bacia do Paraíba, e Atibainha, parte do Cantareira. Construída com recursos do PAC, está orçada em R$ 830 milhões e deve ficar pronta em um ano e meio.
  • Como é feita?
    A transposição será feita por um sistema de bombeamento movido a energia elétrica. Serão levados, em média, 5.130 a 8.500 litros de água por segundo do Paraíba para o Cantareira. A água será transportada através de uma adutora de 13,5 quilômetros e de uma adutora em túnel com 6,5 quilômetros. Uma estação elevatória irá bombear a água de um túnel para o outro.
  • O que muda para São Paulo e para o Rio?
    São Paulo espera que as águas do Paraíba consigam socorrer o Cantareira e ajudem a recuperar o sistema, esgotado pela seca prolongada. O projeto prevê uma via de mão dupla, com a construção de um canal levando água no sentido inverso, do Cantareira para o Paraíba do Sul, o que, argumenta o governo de São Paulo, funcionaria como uma segurança para o Rio em um possível período de estiagem no futuro.

Nenhum comentário: