Paula Bianchi
Do UOL, no Rio
Do UOL, no Rio
- Daniel Castelo Branco/Agência O Dia/Estadão ConteúdoMargem do rio Pomba, em Santo Antônio de Pádua (RJ), afluente do Paraíba do Sul
Anunciada pelo governo de São Paulo como uma das principais formas de recuperar a capacidade do sistema Cantareira, a transposição do Paraíba do Sul para o reservatório paulista é vista com reservas pelos especialistas ouvidos pelo UOL. Entre as principais questões está a localização dos dois mananciais que, vizinhos, estão sujeitos ao mesmo regime hídrico, e a disposição do governo do Rio de Janeiro de apenas definir o quanto e se a água será efetivamente transposta quando a obra estiver pronta.
"O guarda-chuva é o mesmo", afirma Vera Lúcia Teixeira, vice-presidente do Ceivap (Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul), ao lembrar que os dois Estados têm sofrido juntos com a longa estiagem que afeta a região Sudeste. No dia 28 o volume médio do Paraíba, que costuma ser de cerca de 50% nesta época do ano, chegou a 0,5% e em janeiro dois dos quatro reservatórios que compõem o sistema alcançaram o volume morto.
"Por que ao invés de gastar com essa obra não se gasta com a recuperação da bacia? Na atual condição do rio quando a transposição ficar pronta não vai ter de onde se tirar água, vai se tornar um elefante branco", afirma Vera.
Apesar de o edital, lançado no dia 30, prever uma vazão mínima de 5.130 a 8.500 litros de água por segundo do Paraíba para o sistema Cantareira, o governo do Rio diz que só será possível decidir se o Estado irá ceder ou não água ao vizinho no momento em que o projeto estiver pronto.
A transposição irá ligar as represas de Jaguari, na bacia do Paraíba –que apresentava, no domingo (8), 2,17% de seu volume útil--, a Atibainha, parte do sistema Cantareira, e está orçada em R$ 830 milhões, valor que será custeado pelo PAC (Programa de Aceleramento do Crescimento). A previsão é de que a obra fique pronta em um ano e meio a partir do encerramento da licitação, previsto para abril.
Sem alternativas
Professor de gestão ambiental da USP (Universidade de São Paulo), Pedro Luiz Côrtes questiona a falta de iniciativas para recuperar a bacia do Canteira que, segundo ele, precisará de anos para voltar ao normal."Não há sentido nessa obra, pegar água de um lugar que não tem", afirma. "O que me preocupa é que não vejo nenhuma movimentação real do governo em pensar alternativas para substituir o Cantareira para que ele possa se recuperar."
O engenheiro e professor do Coppe-UFRJ (Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Paulo Carneiro, que coordenou o Plano Estadual de Recursos Hídricos no ano passado, critica a falta de debate em torno do projeto.
"Tenho muitas dúvidas a respeito da transposição. Dizem que vai ser um sistema de mão dupla, mas parte de um princípio de que é possível ter um sistema desabastecido e outro cheio, mas os dois estão sobre o mesmo regime de chuvas."
Segundo um relatório do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) publicado no início de fevereiro, o volume morto do Paraíba do Sul pode esgotar antes do fim de agosto caso a seca na região seja igual a de 2014 e as chuvas recentes não foram suficientes para recompor as represas.
"Mesmo esta obra sendo concluída rapidamente como a gente vai fazer esta transferência com o Rio na iminência de ficar sem água?", questiona Carneiro.
Histórico
Em março, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), levantou publicamente a ideia de desviar para o sistema Cantareira águas da bacia do rio Paraíba a fim de atenuar a crise hídrica no Estado. O então governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), ameaçou recorrer à Justiça. A situação acabou sendo mediada pelo governo federal, e Alckmin recuou.Em outubro, o tucano trouxe novamente a questão à tona e o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro chegou a entrar com uma ação civil pública junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) questionando a transposição e pedindo para que fosse decretado "estado de calamidade hídrica no Estado".
Mais uma vez o governo federal interveio e, após uma reunião convocada pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux em novembro, Alckmin, Pezão e o então governador de Minas Gerais, Alberto Pinto Coelho, chegaram a um consenso, autorizando a obra.
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