Não se pode dizer que as pessoas sempre foram tolerantes. Ocorre que a roubalheira ficava bem escondida
O combate à
corrupção é um amplo movimento global. Comportamentos antes admitidos ou
deixados para lá — os políticos são assim mesmo, lembram-se? — agora
são alvo de radical intolerância. O político italiano Ignazio Marino, um
homem de esquerda, com as bandeiras progressistas, incluindo o
casamento gay, perdeu a prefeitura de Roma quando foram exibidas contas
elevadas de restaurante, que ele espetava no cofre municipal. Alguns
dirão que foi exagero, mas a bronca agora é assim. Depois de tanta
tolerância e impunidade, o pêndulo foi para o outro lado.
Há
grandes e pequenas corrupções. Nas grandes, com frequência se trata de
roubo em obras públicas, tecnologia dominada mundialmente. As pequenas
vão desde contas de restaurante até gastos das primeiras-damas em
cidades interioranas. E sem contar a história da Fifa. Na França, por
exemplo, a imprensa está muito ocupada com o Mundial de Rúgbi e com as
eliminatórias para a Eurocopa. Mas não passa dia sem notícia do caso
Michel Platini, o presidente da Uefa, associação de futebol da Europa,
candidatíssimo a moralizar a Fifa até ser apanhado recebendo um
pagamento por consultoria mal explicada.
Aliás, esta é outra modalidade frequente: consultorias nunca feitas, mas formalizadas em contrato para lavar o dinheiro.
Como
se chegou a este ponto? Na verdade, não se pode dizer que as pessoas
sempre foram tolerantes com a corrupção. Ocorre que a roubalheira ficava
bem escondida. Isso acabou com duas providências básicas: leis exigindo
a abertura, a transparência das contas públicas, regras bem
aproveitadas pela imprensa; e novas leis para o sistema financeiro que
praticamente acabaram com o sigilo das contas bancárias.
Tanto é
assim que o combate à corrupção é mais forte, e bem-sucedido, nos países
democráticos, com imprensa livre. Na Rússia e na Turquia, por exemplo,
denúncias têm dado cadeia para jornalistas nos últimos dias. Outro
fator crucial é a globalização do sistema financeiro. No primeiro
momento, essa internacionalização ajudou os corruptos a esconder
dinheiro, pulando com as contas de país para país. Agora, as autoridades
fazem o caminho inverso, seguindo o dinheiro pelo mundo afora.
Ainda bem.
VIAJANDO POR AÍ
E
por falar em globalização, tem Uber em São Petersburgo, lá no alto da
Rússia. É um enorme conforto para o estrangeiro. Você entra no
aplicativo e a página aparece na sua língua, exatamente no formato em
que foi feito o registro original. Elimina estresse com o idioma, mapas,
sistema de táxis, tarifas, câmbio etc.
Já a internet engasga.
Perguntei aqui e ali, e parece que é o seguinte: uma mistura de
problemas técnicos — redes de alcance limitado — com alguma censura.
Acontecem umas coisas estranhas quando se entra seguido em várias
páginas de noticiário. A conexão cai e, às vezes, o seu próprio notebook
simplesmente apaga. Já em Paris, a internet é bala, mas não tem
Uber. No país das corporações, os taxistas espalharam protestos, e o
aplicativo foi proibido por lei, como está acontecendo no Rio e em São
Paulo. Azar para quem vem para a Olimpíada.
Por outro lado, tanto
em Paris quanto em São Petersburgo o sistema de compra de ingressos para
espetáculos é totalmente globalizado. É como se fosse o Uber do
entretenimento. Pode-se fazer tudo pela internet, da compra ao pagamento
no cartão. Não precisa nem emitir o bilhete — você passa na catraca com
o código de barras recebido por e-mail no seu celular.
Tirante para os pequenos gastos, nem é preciso sacar dinheiro local. Vai tudo no cartão. Muita
gente reclama que as cidades ficaram muito iguais — e essa é mesmo a
primeira impressão. Dos aeroportos aos carros, as lojas, os restaurantes
— tudo parece familiar. Ainda mais quando se vê todo mundo com celular
na mão. No Museu Hermitage, por exemplo, estão à disposição aplicativos
da Apple e do Google pelos quais o visitante faz seu roteiro.
Não facilita só para o estrangeiro. Essa globalização dos serviços é amigável para todos.
Não elimina as identidades locais, muito menos as culturais. Dois
pequenos mas interessantes exemplos. São Petersburgo é conservadora. O
Teatro Mikhailovsky apresenta uma “Tosca” e um “Lago dos cisnes”
absolutamente clássicos. E na ópera, as legendas aparecem apenas em
russo.
Já na Ópera da Bastilha, as legendas estão em inglês e,
claro, francês. E apresenta um “Don Giovanni” contemporâneo. Os cantores
são verdadeiros atores, estão de terno e gravata — aqueles ternos
moderninhos, de paletó curto e calça apertada. O cenário os coloca numa
Paris de hoje, com prédios de apartamento e o conquistador fugindo de
elevador.
Na famosa ária em que Leporello, o empregado de Don
Giovanni, relata a série de conquistas de seu patrão, ele saca um
celular para ler o número de mulheres seduzidas. E mais: há uma
rápida
cena de nu frontal de uma das moças. A globalização é assim também:
entrega o clássico e o revolucionário, no caso, ambos espetáculos de
classe mundial.
Por: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
Por: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
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