terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Crise entre delegados e agentes afeta trabalho da PF



Por Jailton de Carvalho


Num movimento sem precedente na história da Polícia Federal, agentes, escrivães e papiloscopistas estão se rebelando contra o suposto domínio dos delegados sobre a estrutura da instituição. Na guerra por cargos, salários e reforma da polícia, agentes estão se recusando abertamente a cumprir ordens de delegado para situações que vão do simples ato de dirigir um carro numa operação a produzir relatórios de inteligência de grandes investigações criminais. ...
Os atos de resistência contra o que chamam de feudo dos bacharéis vão além dos limites de uma simples rixa de corporações. Os embates entre os grupos, quase sempre pontuais, mas recorrentes, trincaram os pilares da disciplina em alguns setores e já estão afetando o número e a qualidade das operações de combate à corrupção. O clima é tão pesado que em alguns casos, policiais das categorias litigantes mal trocam cumprimentos.

As pequenas rebeliões, que se multiplicam em várias direções, podem complicar parte do esquema de segurança da Copa e repercutir até mesmo nas eleições presidenciais em outubro deste ano. Com a policia conflagrada, a presidente Dilma Rousseff teria dificuldade de apresentar a instituição como modelo de luta contra os desvios de verbas da administração pública como aconteceu durante as campanhas eleitorais de 2006 e 2010.

Numa reação também sem precedentes, delegados estão preparando um manual de procedimentos com regras detalhadas sobre obrigações de cada policial numa investigação. Segundo um dos responsáveis pela organização das normas, agentes, escrivães e papiloscopistas que saírem da linha depois da aprovação destas regras serão levados à temida Corregedoria-Geral, ao Ministério Público e ao Judiciário.

- É uma situação grave e irreversível. Não se trata apenas de uma questão corporativa. Trata-se de uma questão de interesse de toda sociedade brasileira, que é a modernização da polícia - afirma o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Alexandre Camanho.

O procurador acompanha de perto os embates cotidianos entre agentes e delegado. O trabalho da polícia sempre tem reflexo na atividade do Ministério Público. É a partir de indícios e provas obtidos nas investigações, quase sempre conduzidas pela polícia, que procuradores preparam as peças de acusação contra criminosos. A tensão entre delegados e agentes se estende também ao Instituto Nacional de Criminalística (INC). Peritos também reclamam do suposto exclusivismo dos delegados.

- As coisas estão se agravando. Delegados não cedem em ponto nenhum. Não vejo luz no fim do túnel - afirma um experiente perito.

As disputas de agentes, escrivães e papiloscopistas contra delegados são antigas, mas se tornaram ainda mais acirradas depois da fracassada greve dos policiais federais em 2012. 

Depois de 72 parados, agentes, escrivães e papiloscopistas voltaram ao trabalho sem os reajustes salarias reivindicados, mas decididos a esticar a corda até o limite da força. A partir de então, começaram a pipocar país afora os atos de desobediência explícita.

No Distrito Federal, um agente disse "não" quando a delegada Andreia Albuquerque, que estava à frente da Operação Miquéas, pediu um relatório analítico sobre escutas e movimentação financeira dos investigados. Segundo relato de um policial ao GLOBO, o agente disse que repassaria os dados brutos Andreia. Caberia a delegada, e não a ele, fazer os cruzamentos de informações e extrair as devidas conclusões sobre as supostas ligações de políticos com um famoso doleiro local.

Para se proteger contra eventuais punições, o agente se escudou na portaria 523/89, que estabelece as atribuições dos policiais. Na visão da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), a portaria não inclui entre as tarefas de um agente a análise crítica de uma investigação. Pelo entendimento deles, se não está na lei, a ordem do delegado perderia a eficácia.

- Antes, agentes faziam relatório de inteligência (com cruzamento de dados) e os delegados assinavam. Hoje eles não fazem mais. Não aceitamos a apropriação (indevida) de propriedade imaterial. Hoje os agentes fazem a investigação, fazem a análise parcial dos dados. O relatório, com as conclusões finais, quem faz é o delegado - afirma Flávio Werneck, presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Distrito Federal.

Em São Paulo, um dos atos de resistência teve desfecho trágico. Um grupo de 20 policiais de Ribeirão Preto e Bauru, especializados em ações contra o narcotráfico, se recusou a participar da interceptação de um avião que, depois de sair do Paraguai, pousaria numa fazenda em Bocaina carregado de armas e cocaína. 

Os policiais cruzaram os braços com o argumento de que não tinham fuzis potentes, visores noturnos e carros blindados para enfrentar os criminosos, conforme determina as normas de segurança


Fonte: Jornal O Globo - 03/02/2014      BLOG do SOMBRA



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