26/04/2014
às 16:00 \
MARCOS FAVA NEVES: “Parte da nossa sociedade parece passar por um processo de ‘vagabundização’, onde o importante, o correto, o almejado é depender do Estado”
Por Marcos Fava Neves, professor titular de planejamento estratégico e cadeias alimentares da FEA-RP/USP
A deterioração do fator trabalho no Brasil
“Minha vida é andar por este país, para ver se um dia descanso feliz”… Inspirado no mestre Luiz Gonzaga, minha vida como cientista, investigador e palestrante faz com que eu possa rodar o Brasil.Normalmente falo uma hora para muita gente, e ouço muita gente por muitas horas, sempre aprendendo, desde Petrolina (PE) até Naviraí (MS), de Vacaria (RS) até Campo Novo dos Parecis (MT). Este texto é um compartilhamento das discussões, minha leitura dos fatos.
É o trabalho que gera produção, serviços e valores que são usados para promover desenvolvimento econômico, social e ambiental. A propensão ao trabalho e ao empreendedorismo são valores presentes em muitas sociedades que deram certo e que merecem admiração. Cabe a um país criar condições institucionais para estimular este ambiente.
Se nas viagens os empresários reclamavam de protecionismo, de câmbio, de falta de crédito, hoje a questão do trabalho salta e toma boa parte do tempo de troca de ideias, pois estamos perdendo competitividade por problemas de quantidade (oferta) e qualidade (preparo e custo) das pessoas.
Sobre a quantidade, costumo dizer que somos (o Brasil) uma empresa com 200 milhões de sócios. É uma maneira simples para que as pessoas entendam que todos têm responsabilidade sobre o patrimônio do país. Me parece que questões de cidadania, da antiga “educação, moral e cívica” estão lentamente sendo perdidas em nossa sociedade.
Estamos todos vibrando com a ideia do Brasil a pleno emprego, porém, um aspecto não muito comentado é que temos em nossa sociedade 61 milhões de pessoas em idade de trabalho e produção que não trabalham, não estudam, e não estão procurando trabalho, portanto não aparecem na taxa de desemprego.
É certo que dentro destes 61 milhões há muitas pessoas no trabalho do lar, no “trabalho de mãe” e em atividades informais, entre outras alocações de tempo. Mas há uma parte grande apta a trabalhar e que não trabalha, não gerando produção e impostos à sociedade.
Faço uma simples analogia com um condomínio. Imaginemos morar num edifício com 200 apartamentos. Pois bem, 61 apartamentos que deveriam e poderiam, não pagam o condomínio, e usufruem de toda a infraestrutura existente onerando os demais. Não pagam e não querem pagar.
É preciso ampla investigação nas causas existentes nestas 61 milhões de pessoas, e são distintas, mas está claro que uma parte capaz não está procurando trabalho pois está contemplada em programas assistencialistas, que cresceram muito nos últimos 20 anos. Se encontrar trabalho, perde algum tipo das inúmeras bolsas. Duplo prejuízo ao Brasil, pois perde-se um trabalhador e mantém-se o gasto com a bolsa.
Há tempos queria trazer este aprendizado em um texto, mas a motivação final veio de uma entrevista em VEJA (20/04/14) com George Osborne, ministro das Finanças da Inglaterra, que assumiu em 2010 tendo que cortar o gasto público, pois herdou de seus antecessores do partido trabalhista um déficit orçamentário de 11% do PIB.
Quando perguntado se os cortes de benefícios sociais podem ser bons no longo prazo, disse:
“Eu acredito em um estado de bem-estar social que apoie os necessitados. Ou seja, os deficientes físicos, os idosos e as pessoas que não conseguem encontrar um novo emprego. No Reino Unido, porém, os incentivos sociais se tornaram um equivoco completo. Às vezes, o cidadão ganha mais dinheiro ficando em casa e recebendo seguro-desemprego e outros benefícios do que se decidir trabalhar. Como resultado, o número de famílias de desempregados estava aumentando. A reforma do sistema de bem-estar social é uma parte importante do programa deste governo, e não apenas porque permite economizar dinheiro público, mas porque encoraja as pessoas a procurarem emprego. Trabalhar é a melhor forma de sair da pobreza. Desde que começamos a reformar os programas assistenciais, o número de famílias desempregadas caiu ao menor nível nos últimos vinte anos”.
Abro um parênteses neste texto sobre o trabalho para externar uma opinião de que passamos por uma perda de valores morais e sociais, de ética e de transparência.
Parece que as pessoas perderam a vergonha e acham normal viver às custas dos demais. Tenho dito que parte da nossa sociedade parece passar por um processo de “vagabundização”, onde o importante, o correto, o almejado é depender do Estado, da sociedade, seja pendurados desnecessariamente nas inúmeras bolsas, ou nos milhares de cargos da estrutura Federal, Estadual e Municipal do enorme e ineficiente Estado brasileiro.
Me parece que nossa sociedade não se choca mais com o fato, absolutamente anormal, das pessoas saírem de cargos públicos e irem para a cadeia.
A vagabundagem, a corrupção e o assalto ao bem público atingiu patamares incríveis e uma aceitação na sociedade, nas organizações estudantis, como nunca tinha visto.
O patrimônio do país vem sendo dilapidado, destruído aos nossos olhos, sob uma indignação “homeopática” da sociedade. Nunca imaginei que chegaríamos a este nível de tolerância generalizada.
Finalizando o aspecto da quantidade do trabalho, precisamos resgatar o principio de Osborne, pois é o trabalho que deve fazer a pessoa sair da pobreza, portanto é necessário que revisemos imediatamente os programas assistencialistas no Brasil, para que ele fique apenas onde é estritamente necessário, visando ofertar mais quantidade de mão de obra. Converter quem tem capacidade, mas está parado, acomodado, em força produtiva para o país.
O segundo aspecto é a qualidade e custo do trabalho. » Clique para continuar lendo e deixe seu comentário
Nenhum comentário:
Postar um comentário