26/04/2014 08h50
É o maior número desde o primeiro relatório de comissão, feito em 1985.
Governo tenta conter conflitos e incluiu 99 índios em lista de proteção.
Levantamento sobre mortes ocorridas no campo por consequência de conflitos agrários aponta que 34 pessoas foram assassinadas em 2013, sendo 15 delas indígenas. O número de índios mortos nessa circunstância é o maior já registrado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), que desde 1985 divulga esse tipo de estatística.
A maior parte dos óbitos de índios (5) ocorreu em Roraima, com Yanomamis. Em seguida, vem a Bahia (4), onde uma disputa antiga entre fazendeiros e Tupinambás no sul do estado obrigou o governo federal a enviar a Força Nacional para conter a violência.
Mato Grosso do Sul registrou três mortes de guaranis. Amazonas, Pará, Paraná tiveram uma morte de indígena cada. As demais vítimas, um total de 19, são posseiros, sem-terras, trabalhadores rurais, pescadores e assentados.
Os dados a que o G1 teve acesso fazem parte do relatório “Conflitos no Campo Brasil 2013”, que será lançado na próxima semana. Segundo a CPT, a morosidade por parte do governo para demarcar territórios para povos nativos foi o estopim para os conflitos.
O Ministério da Justiça afirma trabalhar na instalação de mesas de negociação para alcançar um diálogo entre as partes e coibir as disputas.
A Fundação Nacional do Índio (Funai) diz que processos de demarcação de terras indígenas estão em andamento e reconhece a necessidade de se criar mais territórios para os povos no Centro-Sul, Sudeste e Nordeste, onde vivem 554 mil índios.
A Secretaria de Direitos Humanos, ligada à Presidência da República, informou que 99 indígenas ameaçados de morte foram incluídos no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, que fornece proteção especial. A lista total tem 417 nomes.
Motivos
Os dados foram levantados por agentes da CPT distribuídos nos estados e cruzados com informações publicadas em diversos veículos de mídia. O estudo é feito desde 1985. Os conflitos, segundo o relatório, ocorrem principamente com madeireiros, mineradores, grileiros, além do próprio governo federal, com a instalação de grandes obras de infraestrutura.
O documento diz ainda que, das 15 tentativas de assassinato no campo, 10 foram com indígenas; das 241 ameaças de morte registradas pelos agentes, 34 foram direcionadas a índios e, das 143 prisões efetuadas em decorrência das disputas por terra, 36 ocorreram com indígenas.
Segundo Isolete Wichinieski, da coordenação nacional da comissão, as mortes aumentaram em consequência da demora na aprovação de novas áreas demarcadas especialmente para os índios, serviço realizado pela Funai. "A principal garantia de sobrevivência dessas comunidades é a defesa de seu território. O governo tem que garantir", explica.
Cleber Buzzato, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), confirma que o não prosseguimento das demarcações de terras para os índios é um dos motivos, mas ressalta que realização de discursos inflamatórios que incitam a violência contra as populações de diversas etnias é outra causa.
Ele cobra do governo o cumprimento da Constituição e a continuidade da demarcação, com a publicação de portarias que definem onde estão os territórios. “Cria-se uma demanda na comunidade por ações políticas. Parte dessas ações se traduzem na retomada de parte de suas terras”, explica.
Novos territórios em estudo
Imagem
de outubro de 2013 mostra trabalhadores retirando gado de área ocupada
por índios em Mato Grosso do Sul
A fundação tem conhecimento dos conflitos envolvendo regularização fundiária, “sobretudo em áreas cujo processo de colonização é mais truncado”, e afirma que estão em andamento processos para determinar novos territórios apenas para os índios.
Atualmente há 128 estudos para criação de novas áreas indígenas e processos ainda não concluídos que destinariam 64,7 mil km² do território do país a diversas etnias indígenas.
De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos, 99 índios de todo o país, ameaçados por envolvimento em conflitos relacionados à demarcação e regularização de terras, recebem proteção especial.
Eles foram incluídos no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, que não está voltado apenas à proteção da vida e da integridade física deles, mas, segundo a SDH, foca também na articulação de medidas e ações que refletem nas causas que geram as ameaças e as situações de risco.
Entre elas está a realização de audiências públicas para a solução de conflitos, divulgação do trabalho do defensor, acompanhamento de investigações e denúncias, além da retirada provisória do defensor do seu local de atuação, em casos excepcionais.
O Ministério da Justiça informou que atualmente há mesas de negociação para conter conflitos entre índios e agricultores em Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Nos próximos dias, o mesmo tipo de instrumento vai ser instalado no Rio Grando do Sul.
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Um dos conflitos mais acirrados em andamento acontece no Sul da Bahia, onde os Tupinambás pedem a demarcação de uma área de 480 km², localizada em Ilhéus, Una e Buerarema, que seria originalmente ocupada por eles. O local abriga 600 propriedades rurais, de agricultores que não querem deixar as suas terras e ter prejuízo com a produção.
No ano passado, quatro índios foram mortos no segundo semestre e, por conta disto, homens da Força Nacional de Segurança seguiram para evitar mais homicídios.
Novos desdobramentos foram registrados nesta quinta-feira (24), quando o cacique Rosivaldo Ferreira da Silva, o cacique Babau, da comunidade indígena Tupinambá Serra do Padeiro, se entregou na sede da Polícia Federal em Brasília.
Ele teve a prisão temporária decretada pelo juiz da Vara Criminal de Una por ter sido supostamente o mandante do assassinato do produtor rural Juraci dos Santos Santana, de 44 anos. O agricultor foi morto a tiros por quatro homens no dia 10 de fevereiro deste ano. O cacique nega participação no crime e, segundo ele, decidiu se entregar em Brasília porque teme ser assassinado na cidade baiana.
Índios da etnia Tupinambá ocupam área de fazendas no sul da Bahia (Foto: Reprodução/TV Bahia)
Um estudo elaborado pela Funai sobre a área (que causou divergências entre o órgão e o MJ, mas que depois foi aceito pelo ministério) norteou a elaboração da portaria que vai ser base para outros processos de demarcação pelo país, incluindo dados sobre indenizações a agricultores. No entanto, segundo o MJ, não há previsão para o documento ser publicado no Diário Oficial da União e, com isso, virar normativa no Brasil.
Ainda de acordo com o ministério, uma mesa de negociação para que índios e agricultores dialogassem foi instalada no estado, reunindo diversas lideranças, o que, segundo o governo, esfriou os ânimos até que a portaria passe a valer.
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