Por O lavo de Carvalho - Diário do Comércio
Discursar em favor da estatização da economia,
argumentar pela teoria da luta de classes, enaltecer o futuro brilhante
da humanidade no jardim das delícias do socialismo – nada disso tem a
força persuasiva da prática reiterada, tanto mais sedutora quanto mais
implícita, de atribuir aos comunistas e seus parceiros o monopólio do
bem e da virtude, reduzindo seus adversários e criticos à condição de
delinquentes pérfidos movidos por interesses egoístas.
A
propaganda comunista ostensiva colocaria o seu praticante na difícil
contingência de ter de defender o indefensável: o genocídio, a tirania, o
trabalho escravo, a miséria.
Muito mais prático é contornar o assunto,
evitar até mesmo a palavra "comunismo", omitir cuidadosamente as
comparações e em vez disso concentrar as baterias no "trabalho do
negativo":
a demonização constante e sistemática dos inimigos, donde
resulta, por irrefreável automatismo mental, a canonização dos amigos,
reforçada aqui e ali por alguma louvação discreta e comedida o bastante
para não dar impressão de sectarismo.
Toda
argumentação explícita em favor de alguma ideia ou partido desperta
irresistivelmente o impulso da contestação. A devoção tácita e indireta,
consagrada em hábito inconsciente, inibe e paralisa a discussão, dando
ao objeto de culto aquele poder mágico cuja conquista Antonio Gramsci
considerava o objetivo supremo da propaganda comunista: "a autoridade
onipresente e invisível de um imperativo categórico, de um mandamento
divino".
Tal tem sido o objetivo estratégico
e a única razão de ser da TV Cultura desde há muitos anos, e
especialmente o de um programa cujo nome já é, por si, um dos emblemas
consagrados da autobeatificação mitológica da esquerda como vitima
santa da maldade direitista.
Chamarei a
essa devoção "fanática"? O termo é inexato. O fanatismo supõe uma crença
formal, positiva, declarada. Os homens do "Roda Viva", como em geral os
esquerdistas brasileiros, não necessitam de nada disso. O esquerdismo
que os unifica, que lhes garante o sprit de corps, não consiste em
nenhuma fé, em nenhuma doutrina, em nenhum projeto de sociedade
explícito o bastante para poder ser discutido e, eventualmente,
impugnado, mas unicamente no ódio ao inimigo – um inimigo que ao mesmo
tempo não querem conhecer nem compreender, do qual só querem saber, com
seletividade obstinada, o que podem dizer contra ele.
No
Brasil, a deformidade congênita da "imaginação esquerdista" descrita
por Lionel Trilling tornou-se obrigação legal, critério de veracidade na
mídia, mandamento número 1 da moral e princípio fundador da educação.
No fundo, todo esquerdismo, hoje em dia, é isso e nada mais que isso.
Há
muito tempo os comandantes do processo já desistiram de impor ao
movimento revolucionário a unidade da vulgata marxista-leninista que
dava aos militantes de outrora uns ares de "intelectuais populares" não
desprovidos de certa nobreza.
Hoje preferem
dirigir as massas na base de slogans e palavras de ordem puramente
emocionais, sem um arremedo sequer de conteúdo sociológico ou
filosófico. Um marxista às antigas chamaria a isso "irracionalismo",
mas racionalismo e irracionalismo só existem no plano da discussão
teórica. Esta foi substituída pela engenharia comportamental, e, nessa
clave, nada pode ser mais racional que a manipulação científica da
irracionalidade alheia.
Os arruaceiros de
Nova York acreditam combater a alta finança internacional, mas seguem as
ordens de George Soros, que é a própria alta finança encarnada, apoiam o
governo Obama, que é um pseudópodo de Wall Street, clamam por uma moeda
mundial, que é a menina dos olhos da elite bancária globalista, e
bradam de ódio a Rupert Murdoch, homem de indústria totalmente alheio a
especulações financeiras.
Se não têm a menor
ideia de contra quê estão lutando, tanto melhor: sua fúria pode ser
canalizada contra qualquer alvo que o comando revolucionário escolha.
A
unidade da esquerda militante hoje em dia é simplesmente a do ódio – um
ódio que se torna tanto mais radical e intolerante quanto mais vagos e
indefinidos os objetos contra os quais se volta e as metas que
nominalmente o inspiram.
Como explicar, fora
dessa perspectiva, o fato de que a esquerda internacional lute, ao mesmo
tempo, pelo império do gayzismo e pelo triunfo do mais estrito
moralismo islâmico, sem que surja, no seu seio, a mais mínima discussão a
respeito, o mais leve sentimento de desconforto ante uma contradição
intolerável?
É aí que se deve buscar também a raiz da facilidade com que
uma militância inflada de retórica autobeatificante se acomoda, sem
escrúpulo de consciência, aos interesses do narcotráfico e do banditismo
organizado em geral.
Quando os sentimentos morais prescindem de
qualquer deferência para com os dados da realidade e se condensam no
puro ódio a um objeto indefinido, é inevitável que já não haja mais
distância entre a presunção de santidade e o mergulho na treva mais
funda do crime e da maldade.
Isso é a esquerda, hoje em dia: a síntese militante das ambições mais altas com os sentimentos mais baixos.
A
tensão insolúvel entre os dois pólos traz como consequência
incontornável a redução da vida psíquica aos seus mecanismos mais toscos
e elementares, o enrijecimento numa atitude de permanente autodefesa
paranoica, a produção obsessiva de novos pretextos de ódio e, portanto, a
supressão de toda compreensão humana, trocada por uma autopiedade cada
vez mais exigente e rancorosa.
Em muitos
países esse fenômeno está limitado às massas militantes, mas, no Brasil,
onde a hegemonia esquerdista reina sem contraste, ele se tornou o
padrão e a norma da cultura nacional.
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