11 de abril de 2014 | 2h 06
As coisas andam esquisitas. Ou sempre estiveram, não
sei. Dia agradável de trabalho na Serra da Canastra, revisitei a
nascente do São Francisco e vi uma loba-guará se movendo com liberdade
em seu território. De noite sonhei com o PT. Logo com o PT.
Sentei-me na cama para entender como os pesadelos do Planalto
invadiam meus sonhos na montanha. Lembrei-me de que no início da noite
vira a história de André Vargas e do doleiro Alberto Youssef na TV, os
farmacêuticos do ar que vendiam remédios dos outros ao Ministério da
Saúde.
Pensei: esse Vargas é vice, no ano que vem seria presidente da
Câmara dos Deputados. Como foi possível a escalada de um quadro tão
medíocre? A resposta é a obediência, o atributo mais valorizado pelos
dirigentes, antítese de inquietação e criatividade, sempre punidas com o
isolamento.
Vargas fazia tudo o que o partido queria: pedia controle da imprensa e
fazia até o que o partido aprova, mas não ousa fazer, como o gesto de
erguer o punho na visita do ministro Joaquim Barbosa, do STF, ao
Congresso.
Em nossa era, esse deputado rechonchudo, que poderia passar
por um burguês tropical, simboliza o resultado catastrófico da política
autoritária de obediência, imposta de cima.
Num falso laboratório, com o nome fantasia de Labogen (gen é para dar
um ar moderno), Vargas e Youssef tramavam ganhar dinheiro vendendo
remédios ao ministério. O deputado, que ocupava o mais alto cargo do PT
na Câmara, trabalhava para desviar dinheiro da saúde! É um tipo de
corrupção que merece tratamento especial, pois suga recursos e
equipamentos destinados a salvar as pessoas. A corrupção na saúde ajuda a
matá-las.
A catástrofe dessa política autoritária se revela também na escolha
de Dilma Rousseff para suceder a Lula. Sob o argumento de que os quadros
políticos poderiam abrir uma luta fratricida, escolheu-se uma técnica
com capacidade de entender claramente que Lula e o PT fariam sua
eleição.
A suposição de que o debate entre candidatos de um mesmo
partido seria ameaçador para o governo é uma tese autoritária. Nos EUA,
vários candidatos de um mesmo partido disputam as primárias. E daí?
Lula sabia que um quadro político nascido do choque de ideias seria
um sucessor com potencial maior que Dilma para ganhar luz própria. E a
visão autoritária de Lula - sair plantando postes nas eleições, em vez
de aceitar que novas pessoas iluminassem o caminho - contribuiu para a
ruína do próprio PT.
Tive um pesadelo com o PT porque jamais poderia imaginar que chegasse
a isso. Os petistas, aliás, carnavalizaram uma tradição de esquerda.
Figuras como André Vargas erguem os punhos com a maior facilidade, como
se estivessem partindo para a Guerra Civil Espanhola na Disneylândia. E
os erguem nos lugares e circunstâncias mais inadequados, como num
momento institucional.
Um vice-presidente não pode comportar-se na Mesa
como um militante partidário. O correto é que tivesse sido destituído do
cargo depois daquele punho erguido. Mas o PT e seus aliados não
deixariam o processo correr. Ele são fortes, organizados, bloqueiam
tudo. Será que essa força toda dará conta do que vem por aí?
Estamos em ano eleitoral e Dilma, nesse cai-cai. É compreensível que
as esperanças se voltem para Lula como salvador de um projeto em ruínas.
Mas como salvar o que ele mesmo arruinou? O esgotamento do projeto do
PT é também o de Lula, em que pese sua força eleitoral. Ele terá de
conduzir o barco num ano de tempestades.
Para começar, essa da Petrobrás, Pasadena e outras saidinhas. O
vínculo entre Youssef, Vargas e a Petrobrás também está sendo
investigado pela Polícia Federal. Mas a relação do doleiro com o governo
não deveria passar em branco. Num dos documentos surgidos na imprensa,
fala-se que Youssef estava numa delegação oficial brasileira discutindo
negócios em Cuba. Por que um doleiro numa delegação oficial? Por que
Cuba?
Muitas novidades estão aparecendo. Mas essa do André Vargas, homem
influente no partido, um farmacêutico do ar que neste momento deve estar
erguendo os punhos no espelho, ensaiando para ser preso, interrompeu
meu sono em São Roque de Minas com uma clara mensagem: o PT é um
pesadelo.
Tenho amigos que ainda votam no PT porque acham ser preciso impedir a
vitória da direita.
Não vejo assim o espectro eleitoral. Há candidatos
do centro e da esquerda. Que importância tem a demarcação rígida de
terrenos, se estamos diante de fatos morais inaceitáveis, como a
corrupção na Saúde, o abalo profundo na Petrobrás, a devastação da nossa
vida política?
Cai, cai, balão, não vou te segurar. Estivemos juntos quando os
petistas eram barbudos e tinham uma bolsa de couro a tiracolo. Mudou o
estilo. Agora têm bochechas e um doleiro a tiracolo.
Naquela época já
pressentia que não ia dar certo. Mas não imaginava essa terra arrasada,
um descaminho tão triste.
É um consolo estar nas nascentes do São Francisco, ver as águas
descendo para a Cachoeira Casca Danta: o lindo movimento das águas
rolando para sentir a mudança permanente. Sei que essa é uma ideia
antiga, de muitos séculos. Mas para mim sempre foi verdadeira. É o que
importa.
Uma das grandes ilusões da ditadura militar foi interromper a
democracia supondo que adiante as pessoas votariam com maturidade. A
virtude do processo democrático é precisamente estimular as pessoas a
que aprendam por si próprias e evoluam.
As águas de 2014 apenas começaram a rolar. Tanto se falava na Copa do
Mundo como o grande teste e surge a crise da Petrobrás. Poucos se deram
conta de que, com os sete mortos nas obras dos estádios brasileiros,
batemos um recorde de acidentes em todas as Copas.
De certa forma, são
vítimas da megalomania, do ufanismo, de todas essas bobagens de gente
enrolada na Bandeira Nacional comprando refinarias no Texas, deixando
uma fortuna nas mãos de um barão belga que nem acreditou direito naquela
generosidade. Ergam os punhos cerrados para o barão e ele responderá
com uma merecida banana. Gestualmente, é um bom fim de história.
JORNALISTA
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