sábado, 12 de abril de 2014

Vontade de afligir quem já está aflito--Carlos Brickmann

SÃO TANTAS COISINHAS MIÚDAS





O mensaleiro Jacinto Lamas, condenado à prisão no regime semiaberto por lavagem de dinheiro, aproveitou duas vezes a saída da Papuda para o trabalho para passar na igreja Nossa Senhora de Guadalupe. Outro mensaleiro, Valdemar Costa Neto, passou num McDonald’s drive-thru e pediu um sanduíche. Que horror!
E um grande jornal impresso, de circulação nacional, mobilizou cinco repórteres durante três semanas para apurar essas importantes violações da disciplina carcerária. Onde já se viu, ir à missa e comer no McDonald’s?
Certo: é violação das normas carcerárias. Como é violação (e mais grave) o encontro de Valdemar Costa Neto com o líder de seu partido na Câmara, Bernardo Santana. Mas no geral é coisa vagabunda, sem maior importância; não cabe à imprensa vigiar os detalhes da disciplina nas prisões. Dá a impressão de perseguição, de que qualquer coisinha chinfrim merece uma página com manchete de seis colunas. 

Bem ou mal, aceitem ou não as normas vigentes, cumprindo ou não as exigências legais de rigor carcerário, os presos estão presos, foram condenados, receberam forte marca negativa em sua reputação, deixaram claro que aproveitaram sua passagem no Governo para fins pouco republicanos. Cabe à imprensa afligir os confortáveis e, num caso como este, deixar que os aflitos enfrentem seus problemas, sem procurar agravá-los.
O cumprimento da pena dos condenados do Mensalão, sem dúvida, virou um pandemônio. O governador de Brasília, por ser governador e arrogante, arroga-se o direito de visitar seus companheiros de partido presos na Papuda na hora em que quiser (e colegas de Congresso também tentaram transformar o presídio numa grande festa, aparecendo a qualquer hora, levando convidados – só faltou mesmo a cerveja, se é que faltou)
Delúbio Soares está trabalhando dentro do partido (ficou melhor do que esteve antes, quando tinha sido expulso e não podia aparecer publicamente por lá), e fazendo o que sabe: arrecadou um monte de dinheiro para pagar as multas dele, parte da multa dos outros e isso é o que se sabe. José Dirceu, segundo seu próprio companheiro petista baiano, tinha um telefone celular à disposição e o usou para conversar com ele. Prisão com telefone celular não é prisão: é escritório em que não se paga aluguel.
As desculpas são tão ridículas quanto a reportagem sobre o temerário ato de ir à missa: o líder do PR na Câmara, por exemplo, depois de negar a visita a Valdemar Costa Neto, ex-presidente do partido, acabou cedendo depois que soube que tinha sido fotografado. Mas garantiu que os dois não trataram de política. 
 As desculpas são tão ridículas quanto a reportagem sobre o temerário ato de ir à missa: o líder do PR na Câmara, por exemplo, depois de negar a visita a Valdemar Costa Neto, ex-presidente do partido, acabou cedendo depois que soube que tinha sido fotografado. Mas garantiu que os dois não trataram de política.
 Claro: na festa dos cartolas só não se falou de futebol.


Mas não é fazendo papel de grande irmão que a imprensa pode colaborar para que a casa da mãe joana em que se transformou a prisão dos mensaleiros deixe de contribuir para a desmoralização da Justiça. Seria interessante saber, isso sim, se a direção do presídio é leniente, permite aos réus políticos fazer o que querem, ou é simplesmente incompetente, e não sabe o que acontece atrás de suas portas gradeadas. Terão as autoridades do presídio recebido ordens específicas para desafiar a lei e as ordens da Justiça? E o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, entre uma entrevista e outra, entre um pedido de explicações e outro, não terá condições de agir efetivamente, exemplarmente, decisivamente, para que a disciplina carcerária seja mantida, na forma da lei?


Sejamos claros: alguém acredita que uma criatura política como Valdemar Costa Neto vá trabalhar num restaurante industrial, local de ampla frequência, sem que seus antigos companheiros decidam visitá-lo? Alguém acredita que, nessas visitas, vão conversar sobre o tempo seco, lembrar histórias de Las Vegas, comentar o estilo literário de Milan Kundera ou a aposentadoria de Rivaldo? Se alguém acredita nisso, Polyana terá saído dos livros e filmes para a vida real, estará morando numa casa com paredes de bolo confeitado e telhas de chocolate, com leprechauns no jardim. 

E será amiga do Lobão Mau – o ministro.


Em resumo, como diria o padre Quevedo, essas coisas não ekzistem. As normas não podem ser essas. E, com relação à imprensa, nunca é demais lembrar um grande jornalista, José Carlos Del Fiol, cujo bordão imortal, para jovens jornalistas que queriam fazer reportagens absolutamente desimportantes, era “não tem serviço, não?”


Pois existe serviço, sim. Cinco repórteres de alta qualidade, trabalhando num só caso por três semanas, botam de cabeça para baixo o caso do cartel do Metrô, decifram os motivos que levaram a Petrobras a comprar a Refinaria de Pasadena e descobrem quando é que os sonháticos de Marina Silva vão passar a apoiar, de verdade, o candidato de seu partido, Eduardo Campos. Não é falta de serviço: é vontade de afligir quem já está aflito.

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