Produtores têm ocupado espaços como o Lago Paranoá, mas situação incomoda até a Presidência
ludmila.rocha@jornaldebrasilia.com.br
Festas pagas em áreas públicas viraram febre em Brasília. Praças, a Prainha do Lago, o Parque Sarah Kubitschek, o calçadão da Asa Norte e até o próprio Lago Paranoá são utilizados para a realização dos eventos. Shows com bebida liberada, encontros de grupos e até de lanchas estão entre as opções de “balada”.
O problema é que, ao mesmo tempo em que os organizadores dos eventos e seus convidados têm o direito de utilizar os espaços, quem está de fora pode não concordar, e tem seu direito de frequentar o local tolhido.
Somam-se ao impasse os vizinhos, que, sem escolha, muitas vezes têm a sensação de que a festa acontece dentro de suas casas, tamanho é o barulho. Afinal, onde acaba o direito de um e começa o do outro?
O Lago Paranoá tem sido palco de festas disputadas e restritas. No último dia 18, na segunda edição da Sunrise Brasília – festa no Clube de Engenharia –, ocorreu um encontro de lanchas que movimentou o espelho d’água. Mas o barulho irritou moradores das redondezas. Um policial contou à reportagem que até a Presidência da República se sentiu incomodada com o som alto e reclamou da “bagunça”.
Entrada
O evento foi dividido em dois ambientes. Quem usufruiu da estrutura montada em terra, com DJ, bar e lanchonetes, pagou R$ 30 no ingresso masculino e R$ 20 no feminino. Os donos de lanchas, por sua vez, receberam pulseiras da equipe de organização da festa e não precisaram pagar entrada, já que estavam em uma área pública.
Para atendê-los, um barco de apoio, com bebida e comida à venda, ficou ancorado em frente ao palco principal da festa. As lanchas foram chegando, uma a uma, e atracando ao lado ou atrás das outras, até que o espaço em frente à festa ficasse completamente tomado pelas embarcações.
De acordo com informações da Prado Eventos, organizadora da festa, entre 17h e 21h, cerca de mil pessoas estiveram no clube e outras 200 lanchas passaram por lá.
Para restaurantes e bares da orla, a movimentação das festas é uma “faca de dois gumes”. Alguns clientes reclamam do burburinho do entra e sai de clientes e da música alta. Para o faturamento dos estabelecimentos, no entanto, as afters (festas que acabam cedo, com os convidados migrando para outro local) não são mau negócio.
Lucro dentro e fora da festa
O restaurante no Pontão do Lago Sul onde Paulo Sérgio Neves é gerente foi um dos estabelecimentos que lucraram com a festa. “Durante a Sunrise o movimento aqui foi bom. Muita gente saiu da festa e veio para cá”, comentou.
Os produtores precisaram solicitar autorizações à Marinha, ao Corpo de Bombeiros e à Guarda Florestal, que, segundo eles, liberam e dão apoio aos eventos, com operações de fiscalização e prestando socorro, caso necessário.
Além dos gastos para uma festa desse porte - cerca de R$ 12 mil com aluguel do espaço e aproximadamente R$ 40 mil com som, DJ, banda e estrutura para o palco - as empresas de eventos ainda precisam pagar taxas ao governo.
Pense nisso
Os espaços públicos devem ser ocupados de forma que possibilitem a convivência da sociedade, desde que ninguém saia prejudicado. Por isso, o primeiro passo parte do poder público, fiscalizando e coibindo atividades que ocorram de forma irregular. Além disso, é preciso rigor na emissão de licenças para esses eventos. Por outro lado, tolerância e respeito de ambas as partes se fazem necessários.
Taxas e impostos impedem expansão
Giovanni Montini, produtor da Prado, conta que só com o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), foram gastos cerca de R$ 2 mil (valor contabilizado desde o dia da montagem até o encerramento do evento).
Isso sem contar com o montante destinado ao Escritório Central de Arrecadação (Ecad), que arrecada os direitos autorais de cada música tocada no Brasil, seja nacional ou estrangeira.
O imposto é calculado sobre o número de ingressos vendidos, e na Sunrise se aproximou dos R$ 700. Todas as taxas precisam ser pagas antes da realização do evento, ou no dia da festa as produtoras são multadas pela administração regional em questão.
Taxa extra
De acordo com Marco Padilha, relação públicas da Prado, caso a festa seja grande e necessite de um efetivo militar maior, de policiais e bombeiros, as empresas de eventos ainda pagam uma taxa extra. Os organizadores estimam que cerca de 8% do faturamento da Sunrise foi gasto em impostos e taxas.
Mesmo assim, Marcelo Upiano, da Upiano Entretenimentos, acredita que os espaços públicos ainda são uma boa opção para a realização de festas de médio porte.
“Não há muitos espaços privados de qualidade para eventos na cidade, o produtor precisa inventar. Existe uma área enorme atrás do Teatro Nacional, por exemplo, que talvez pudesse ser disponibilizada.
A Concha Acústica seria outra excelente opção, mas as cadeiras de concreto de lá não permitem a excução de qualquer evento. Produzo 40% de festas a menos por falta de locais adequados”, comenta.
No dia 8 de junho, a empresa de Marcelo realizará a festa Oxalá Brasília, na Prainha. O evento começará às 17h e, mesmo sendo em um espaço público, será cobrado ingresso.
Limites e respeito
A maquiadora Vanessa Moraes (foto), de 27 anos, é uma das pessoas que acredita que é preciso colocar limite. Segundo ela, é preciso ter respeito, seja o evento em espaços públicos ou privados. Ela diz achar positiva a interação proporcionada pelas festas, mas que o som, às vezes, extrapola, principalmente se for durante a semana. “Já ouvi músicas de comemorações em lanchas que estavam tão altas que atrapalhavam até a conversar,” disse ela.
Eventos dividem opiniões
Muita gente discorda do empresário e acredita que as festas em espaços públicos têm se tornado um enorme transtorno. A estudante Mariane Maia, de 34 anos, moradora do Setor de Hotéis e Turismo Norte (SHTN), às margens do Lago, é uma delas.
“Muitas festas vão até o dia seguinte, com som bem alto. Semana passada aconteceu um evento de rock em um espaço público, próximo a minha casa, que incomodou muito”.
A estudante Caroline Medeiros, de 19 anos, tem uma opinião um pouco diferente. “Acho que se os espaços são públicos as pessoas podem usar como quiserem”, diz ela.
Felipe Balduíno, biólogo, de 30, também é a favor das festas em espaços públicos, desde que sem depredação ao patrimônio público e respeitando as pessoas que não estão participando.
Autorização
A Marinha do Brasil informou que a ocupação do espaço público, que inclui o Lago Paranoá, diz respeito à Secretaria do Patrimônio da União (SPU-DF). Ela zela pela segurança da navegação e pela prevenção da poluição hídrica gerada pelas embarcações.
A Administração Regional de Brasília, por sua vez, explicou que para ocupação de qualquer espaço público, seja qual for o fim, é necessário obter autorização. Após dar entrada na papelada, é preciso atender as exigências dos bombeiros, Defesa Civil, Polícia Militar, Detran e demais órgãos responsáveis. Segundo o órgão, toda ocupação de área pública é passível de cobrança de taxa e os valores variam de acordo com o espaço, tempo de duração da festa e a localização.
De acordo com a Administração, não há ilegalidade em cobrar ingressos em eventos realizados em espaços públicos. Áreas como a Esplanada dos Ministérios, no entanto, só são cedidas para eventos cívicos, como o aniversário de Brasília, datas comemorativas nacionais e eventos religiosos inteiramente gratuítos.
A Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis) disse que cabe ao órgão somente fiscalizar se existe autorização e licença de funcionamento e o que nela esta discriminado, como área de uso e atividade autorizada.
Saiba mais
As pessoas podem acionar a polícia ou a Agência de Fiscalização do
Distrito Federal (Agefis) toda vez que se sentirem incomodadas.
Vale tanto para a perturbação da ordem, ocasionada por música alta
após o horário, quanto para despedração do patrimônio, entre outras
ações comuns em algumas festas públicas e privadas.
Em caso de irregularidades, o evento poderá ser notificado, e, em casos mais extremos, multado ou até encerrado.
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