Silvia Gómez
O urbanista e
arquiteto, ex-prefeito de Curitiba, que revolucionou o Brasil com suas
ideias, é um fã de Buenos Aires. “Planejar uma cidade é como fazer
malabarismos com pratos chineses”, diz, nesta entrevista ao jornal
Clarín.
Jaime Lerner nasceu em Curitiba, capital do Paraná, no Brasil. Assim que se formou como arquiteto e urbanista começou uma série de viagens que o levaram a conhecer dezenas e dezenas de cidades ao redor do mundo.
As cidades são seu lugar preferido. E ao contrário do que muitos portenhos poderiam pensar e sentir, Lerner acredita que é justamente em Buenos Aires – e em outras megalópoles – onde as coisas boas acontecem. Ele foi três vezes prefeito de Curituba e duas vezes governador do Paraná.
Além disso, presidiu diversos institutos profissionais e recebeu vários prêmios ao longo de sua carreira. E, entre outras coisas, promoveu o primeiro corredor de ônibus do mundo, nos anos 1970.
Na recente visita a Buenos Aires para participar do fórum “Democracia e Desenvolvimento” – organizado pelo Grupo Clarín – Jaime Lerner deixou muitas de suas ricas opiniões e uma visão pluralista sobre a evolução das cidades. Do ponto de vista da arquitetura e do urbanismo “até nas favelas é possível dar qualidade de vida”, disse.
- O senhor disse que a cidade é o último refúgio da solidariedade. É complicado imaginar isso em Buenos Aires.
- É que a solidariedade é uma coisa dos moradores, é difícil de encontrar em outros lugares, é na cidade onde é possível melhorar a vida das pessoas. As administrações centrais que não são sensíveis às cidades não serão sensíveis às pessoas.
- A Organização Mundial da Saúde estima que 70% da população mundial morará nas cidades em 2050.
- É provável, mas essas cifras não necessariamente vaticinam um desastre, ao contrário, a cidade não é um problema para um país, ela é a solução, porque se a vida da cidade melhorar, a vida do país melhora.
- E como o senhor vê Buenos Aires nesta visita?
- Buenos Aires é uma cidade que me interessa muito. Para conhecê-la melhor eu tenho o hábito de me hospedar sempre em bairros diferentes. Mas desta vez a mudança rutilante que eu vi foi na Área Central, onde o pedestre ganhou um espaço muito importante. Agora o que falta é que as pessoas voltem a residir nessa zona, o que terminará revitalizando-a.
- Uma das grandes mudanças foi a implementação do corredor de ônibus, uma obra que no começo gerou muita polêmica.
- Devemos nos preparar para as mudanças e também para as críticas. O corredor de ônibus é uma ideia simples e propõe uma solução importante. Por exemplo, em Curitiba nós não tínhamos recursos financeiros para desenvolvê-lo, então apostamos em uma equação de responsabilidade social: o Estado definiu os percursos e os privados investiram na frota. E depois pagávamos as empresas que o exploravam por quilômetro rodado.
- O corredor da avenida 9 de Julio em Buenos Aires foi criticado não só porque transformou a avenida, mas porque seu trajeto é parecido com o da linha C do metrô.
- Isso não é um problema, ao contrário, gera-se uma combinação entre as paradas do metrô e as do corredor de ônibus. Os metrôs em Buenos Aires são antigos e o conceito era construir muitas estações. Isso aconteceu também em outros lugares do mundo. Hoje as estações são mais espaçadas porque é caríssimo construir uma rede de metrô.
- Mas o metrô não é a solução para os problemas de trânsito que as cidades enfrentam?
- Penso que se trata de um falso debate. O metrô demanda muito tempo de obra e é muito caro. Não há necessidade de sacrificar gerações de cidadãos por um custo tão alto. Quando Londres e Paris desenvolveram suas redes de metrô, a construção era muitíssimo mais barata. Há 60 anos se debate se vale a pena desenvolver a linha da 2ª Avenida em Manhattan. Hoje ela custaria US$ 4 bilhões.
- O senhor aborda algo dessa filosofia relacionada com os investimentos no livro Acupuntura Urbana.
- Exato. Porque o processo de planejamento urbano leva muito tempo, mas às vezes uma pequena intervenção cria uma nova energia que ajuda a melhorar a cidade. A cidade é um sonho coletivo e para mudá-la é necessário diagramar uma ideia, fazer uma proposta. E entender que às vezes essa ideia pode não ser aceita. Aconteceu comigo quando começamos com a ideia do corredor de ônibus.
- Em regiões como as nossas, onde não há possibilidades de contar com grandes investimentos, é possível inovar e melhorar as cidades?
- É claro que sim. Inovar é começar e, sobretudo, não esperar muitos recursos. A criatividade começa quando se tira um zero do orçamento e a sustentabilidade começa quando são tirados dois zeros. Quando eu fui governador do Paraná tivemos o desafio de limpar a nossa baía, mas não contávamos com financiamento nem com dinheiro. Então recorremos de novo à equação social e chegamos a um acordo com os pescadores: comprávamos o lixo deles. Se o dia era ruim para pescar, eles zarpavam mesmo assim, porque pescavam lixo. Quanto mais eles pescavam, mais a nossa baía ficava limpa e mais peixes chegavam. Não quero dizer que tudo seja simples de resolver, mas cada cidade deve colocar sua imaginação para trabalhar.
- Em Puerto Madero, o bairro mais novo de Buenos Aires, houve dinheiro e grandes investimentos.
- Eu vi a transformação de Puerto Madero. No entanto, para equilibrar, é necessário que existam mais moradias para setores menos ricos. Fazer o planejamento é como fazer malabarismos com pratos chineses: se tiver muitos escritórios, é preciso fazer o prato da moradia girar, ou o dos comércios, ou o das instalações sanitárias. Quanto mais pratos estiverem girando, melhor.
- Nas antípodas de Puerto Madero estão as favelas. É possível urbanizá-las ou melhorá-las?
- Levar infraestrutura não é difícil, a chave é não tocar muito no que já está construído. No Brasil, onde as favelas são construídas em morros ou no fundo dos vales, levamos a água e a luz através dos corrimãos das escadas. É preciso usar a tecnologia mais simples, intervir o menos possível. E novamente inovar. Por exemplo, para evitar o drama sanitário gerado pelo lixo em uma favela, o Estado poderia comprar esse lixo e os moradores o levariam até um ponto de coleta. Assim, nas favelas também é possível dar qualidade de vida.
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