28/11/2014 10h43
Famílias 'apertam o cinto' e redução de gastos aparece no PIB
Com renda corroída pela inflação e juros, brasileiro coloca o pé no freio.
Números mostram saturação da 'festa' do consumo que fez o país crescer.
Handerson
Eduardo de Oliveira, de 37 anos, Kaline Neri Pereira, 36, e o filho
Leonardo: gastos de Natal serão reduzidos em até 30%
Quem antes comprava com folga, na prática, passou a economizar. A família do personal trainer Handerson Eduardo de Oliveira, de 37 anos, decidiu apertar o cinto para aliviar o orçamento doméstico. "O Natal vai ser bem magrinho", conta.
Com um filho pequeno e outro em gestação, ele e a mulher Kaline Neri Pereira, de 36, pretendem economizar até 30% do que gastaram no ano passado.
As finanças do casal serão consumidas por gastos tradicionais nas festas de fim de ano: comida típica, bebidas, confraternizações com colegas de trabalho, presentes e pequenas viagens para visitar parentes.
O corte virá, principalmente, do valor dos presentes aos familiares e amigos. Eles serão substituídos por lembranças mais simples. “Passamos a gastar bem mais com despesas rotineiras como supermercado, gasolina e alimentação. Tem sobrado menos dinheiro em caixa para as despesas extra”, conta Handerson.
O casal também sentiu o peso da inflação nos planos de saúde, na escola do filho e em produtos e serviços. A perspectiva para 2015 é que sobre ainda menos dinheiro no bolso, prevê o personal trainer.
O retrato deste sentimento já aparece nos números. Em novembro, a confiança do consumidor brasileiro caiu 6,1% ante outubro, o menor patamar desde dezembro de 2008, de acordo com a Fundação Getulio Vargas (FGV). A piora é sentida tanto no atual momento quanto na expectativa para os próximos meses.
Para o economista e sócio da Go Associados, Gesner Oliveira, a redução da confiança tem reflexo maior sobre os bens cuja compra pode ser adiada, como televisores, aparelhos de som e carros. “Os bens de consumo duráveis saem dos planos do consumidor. Ele sabe que não é momento para cometer imprudências”, avalia.
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) também prevê um Natal moderado para a aquisição destes bens. O recuo de 0,8% no indicador de consumo das famílias em novembro foi o menor patamar desde 2011, início da série histórica, recuando 3% na comparação mensal e 15,4% na anual.
Família espera ainda menos dinheiro no bolso em 2015
Nos três primeiros meses de 2010, a demanda dos lares chegou a crescer 8,5% na comparação trimestral e avançava com força nos períodos seguintes. Mas desde o início de 2013, a expansão dos gastos familiares não chega a 3% na mesma base de comparação – um terço do ritmo anterior.
Junto da chamada recessão técnica da economia – caracterizada por dois trimestres seguidos de PIB negativo – o consumo das famílias encolheu 0,2% entre janeiro e março deste ano, e teve leve alta de 0,3% entre abril e junho.
Com peso de 62% no PIB, a demanda dos lares perdeu força, mas ainda é um suporte importante para evitar um decréscimo maior no PIB, comenta Oliveira, da Go Associados. "Isso porque os outros componentes da demanda, como a Formação Bruta de Capital Fixo e exportações, não têm dado sinais de crescimento robusto".
Na visão do economista da LCA Investimentos Francisco Pessoa, o resultado dos dois primeiros trimestres do ano foi tão ruim que era natural esperar uma sensível melhora no resultado do terceiro trimestre. "Isso não significa, contudo, que a economia voltará ao ritmo anterior", diz.
O poder de compra do brasileiro foi corroído, especialmente, por uma combinação entre a alta dos preços e a escalada dos juros, avalia Oliveira, da Go Associados. Em outubro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou 6,59% no acumulado de 12 meses, acima do teto da meta do governo, fixado em 6,5%.
Neste período, a taxa Selic abandonou o ciclo de queda para voltar a subir, chegando aos atuais 11,25%. "A massa salarial continua crescendo, mas o consumidor tem perdido o poder de barganha nas negociações de compra", afirma o economista.
Mesmo com estímulos, crédito cresce menos
Em julho, o Banco Central (BC) anunciou medidas para aumentar a capacidade dos bancos em emprestar dinheiro, a fim de estimular o consumo. O órgão reduziu os valores dos depósitos compulsórios (reserva obrigatória formada pelos bancos no BC), esperando uma injeção extra de R$ 30 bilhões a pessoas físicas e empresas.
Apesar dos estímulos, o BC prevê uma expansão bem menor do crédito em 2014 – em torno de 12%. Em 2010, o volume emprestado nos bancos cresceu 20,6%, chegando a 18,8% em 2011, para 16,4% no ano seguinte e 14,6% no ano passado.
“Vemos que o estoque [de crédito] para pessoas físicas está desacelerando, já que os bancos estão compreensivelmente mais seletivos, devido ao aumento da inadimplência”, observa Oliveira, da Go Associados.
Em agosto, Banco Central anunciou duas novas medidas para liberar mais R$ 25 bilhões para os bancos ofereceram crédito. Surtiu algum efeito. A oferta de crédito pelos bancos teve o maior crescimento do ano em setembro, de 1,32%, e avançou 0,8% em outubro. O volume atingiu R$ 2,92 trilhões, ou 57,3% do PIB.
O Índice de Consumo das Famílias (ICF), medido pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), caiu 0,6% na variação mensal, o menor nível da série histórica. Ante novembro de 2013, o recuo foi de 7,6%.
Investimentos seguram consumo no longo prazo
Quando o PIB brasileiro cresceu 7,5%, em 2010, perdeu-se a oportunidade de aproveitar as condições favoráveis para ampliar investimentos em produção, na visão do economista Oliveira. “Em vez disso, viu-se um estímulo pouco sustentável do consumo, baseado no forte endividamento da população”, analisa.
O professor de economia do Insper, Otto Nogami, acredita que o consumo nunca foi o motor de crescimento da economia, apenas uma solução pontual e momentânea. “O consumo precisa ser associado ao aumento dos investimentos no setor produtivo, o que melhora o nível de renda e sustenta a demanda no longo prazo”, avalia.
A média histórica de investimentos no Brasil tem ficado em 17% do PIB por ano. O ideal, na opinião de Nogami, seria uma taxa anual de 20%, para conquistar competitividade e reduzir o custos dos produtos, de modo a sustentar o consumo.
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