Na tarde da última terça-feira (11) ocorreu
na Câmara dos Deputados, no plenário Ulysses Guimarães, uma Comissão
Geral sobre o Projeto de Lei (PL) 7735/2014, que trata do acesso e uso
dos conhecimentos tradicionais e recursos genéticos e que foi
encaminhado sob regime de urgência pelo Poder Executivo ao Congresso.
Representantes
das indústrias farmacêuticas e do Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior admitiram, durante a Comissão Geral, que o
governo está debatendo o teor do PL 7735 a três anos com o setor
industrial. No entanto, povos e comunidades tradicionais foram excluídos
intencionalmente do processo. Não houve qualquer tipo de discussão ou
consulta aos povos indígenas, comunidades tradicionais e camponeses.
Uma
carta assinada por 54 organizações manifesta repúdio ao Projeto de Lei e
a forma como o mesmo tem tramitado. Leia o documento na íntegra:
De onde brotam os espinhos
Brasília, 11 de novembro de 2.014
Os
Povos e Comunidades Tradicionais e Agricultores Familiares do Brasil,
em nome próprio, representados por suas entidades e entidades parceiras
que subscrevem a presente, com base nos artigos 8 ‘j’, 10 ‘c’ da
Convenção da Diversidade Biológica, promulgado pelo Brasil no Decreto
nº. 2.519/1998, a Convenção 169 da OIT, promulgada no Decreto nº 5.051/
2004, especialmente em seus artigos, 5, 6 e 7, no Tratado Internacional
sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura, promulgado
no Decreto nº 6.476/2008, especialmente em seu artigo 9, na Constituição
Federal, especialmente nos artigos 215, 216 e 225, no Decreto
6.040/2007, Lei 10.711/2003, Lei 11.326/2006, e Decreto 7.794/2012, vêm a
público manifestar repúdio ao Projeto de Lei que tramita na Câmara
Federal sob o nº 7.735/2014, encaminhado em regime de urgência pelo
Poder Executivo, sob pressão do Ministério do Meio Ambiente, Ministérios
da Ciência, Tecnologia e Inovação e do Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio, e denunciar os poderes Legislativo e Executivo
Nacionais pela violação aos Direitos dos Agricultores Familiares, Povos e
Comunidades Tradicionais, diante dos motivos que passa a expor:
–
O Projeto de Lei representa uma nova tentativa de regulamentar o tema
do Acesso e Repartição Justa e Equitativa de Benefícios, hoje regido
pela MP 2.186-16/2001, que evidencia motivo de preocupação nacional e
internacional, especialmente no Brasil, por sua megadiversidade e por
ser, historicamente, território de inúmeras formas de expropriação de
conhecimentos tradicionais e de recursos naturais.
–
A preocupação para com os direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais
e de agricultores familiares (considerados como guardiões da
biodiversidade e detentores dos conhecimentos tradicionais a ela
associados) surge apenas no aspecto econômico e em especial no trato da
repartição de benefícios, não considerando o papel fundamental de povos e
comunidades tradicionais para o uso sustentável e a conservação da
biodiversidade brasileira, os quais constituem os outros objetivos da
Convenção da Diversidade Biológica.
–
A não observância ao processo de debate internacional quanto à
implementação do Protocolo de Nagoya sobre Acesso aos Recursos Genéticos
e Repartição de Benefícios, ainda não ratificado pelo Congresso
Nacional.
–
A incorporação da temática de agricultura e alimentação, quando a
referência é o Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos
para a Alimentação e Agricultura/FAO, que também abrange o uso
sustentável e a conservação desses recursos, os direitos dos
agricultores ao livre uso de suas sementes.
–
A ausência de um processo de consulta ampla e da participação formal de
organizações representativas de Agricultores, Povos e Comunidades
Tradicionais, sem que suas preocupações e contribuições fossem
reconhecidas ou incorporadas, desrespeitando o exercício do direito de
participação e de resguardo de seus interesses.
–
Pela invisibilidade dos sujeitos de direito que representam a força
produtiva, a proteção da biodiversidade e da agrobiodiversidade nacional
e que detém conhecimentos que são objeto de expropriação territorial e
exploração econômica, que foram solenemente ignorados representando de
um lado a relação desigual de poderes e de outro o descompromisso do
Brasil com a própria legislação nacional quando conflitante com
interesses eminentemente econômicos.
–
O assédio praticado pela comunidade acadêmica (que se omite em discutir
os direitos dos povos e comunidades tradicionais neste processo, e
pauta a discussão unicamente para garantir a facilitação do acesso aos
recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados, atuando
na perspectiva da captura do conhecimento sem a divulgação dos
resultados) e pela indústria, interessada no desenvolvimento tecnológico
a qualquer preço e em altos rendimentos.
–
A exclusão do exercício do direito a negar o acesso aos recursos
genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados, quando o seu
próprio é sistematicamente dificultado.
–
A participação de organizações que surgem como se representantes dos
interesses dos povos e comunidades tradicionais, mas que estão
interessadas no lucro líquido obtido a partir da comercialização de
produtos originários do acesso a recurso genético ou conhecimento
tradicional associado.
–
Sem um processo de consulta e participação efetiva dos sujeitos de
direito, tem-se uma proposta de legalização unilateral da exploração dos
recursos e dos conhecimentos tradicionais associados, estando estes,
relegados a um “obstáculo” a ser superado mediante pagamento ou promessa
de pagamento.
Pelos
motivos destacados, não é possível aos Agricultores familiares e aos
Povos e Comunidades Tradicionais, referendar ou participar de forma
limitada e excludente das discussões deste Projeto de Lei que, a
pretexto de regulamentar e impe acaba por cercear direitos conquistados a
base de luta social.
O
Projeto de Lei, tal como apresentado, é o reconhecimento da falência do
Estado Brasileiro no combate à biopirataria e na garantia de direitos
coletivos, que subserviente a sistemas corporativos industriais e
financeiros, desconsidera o papel de povos e comunidades tradicionais,
únicos sujeitos que efetivamente desenvolvem estratégias para o uso
sustentável e a conservação da diversidade biológica brasileira.
Esta
denúncia vem reforçar as denúncias constantes da carta ‘De Onde Brotam
as Sementes’ com as recomendações da sociedade civil ao governo
brasileiro, bem como a Carta elaborada pela AS-PTA que marca o
posicionamento dos agricultores familiares brasileiros.
Assinam a presente carta:
ASA Brasil
ASA Paraíba
AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia
Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica
Associação de Agricultura Biodinâmica do Sul
Articulação Pacari de Plantas Medicinais do Cerrado;
Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses;
AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia;
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – Agapan;
Associação das Mulheres Organizadas do Vale do Jequitinhonha;
Associação dos Agricultores Guardiões da Agrobiodiversidade de Tenente Portela – AGABIO
Associação Nacional da Agricultura Camponesa;
Articulação Nacional de Agroecologia – ANA;
Associação para o Desenvolvimento da Agroecologia – AOPA;
Antonio Andrioli – UFFS;
Bionatur;
Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida;
Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas – CAA/NM;
Centro de Apoio a Projetos de Ação Comunitária – CEAPAC;
Centro Ecológico;
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG;
Cooperativa Coppabacs – AL;
FASE – Solidariedade e Educação;
Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Brasil – FETRAF;
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social;
Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos;
Fundação Mokiti Okada
Instituto Terra Viva do Brasil de Agroecologia;
Leonardo Melgarejo – ABA
Marcha Mundial de Mulheres – MMM;
Marciano Toledo da Silva – MPA Brasil
Marijane Lisboa – USP;
Morada da Floresta;
Movimento das Aprendizes da Sabedoria (Benzedores e Benzedeiras, Parteiras, e Costureiras de Rendidura);
Movimento das Mulheres Camponesas – MMC;
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB;
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA;
Movimento Urbano de Agroecologia _ MUDA;
Movimentos Sem Terra – MST;
Núcleo Amigos da Terra Brasil;
PACS – Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul;
Paulo Kageyama – USP;
Rede Brota Cerrado de Cultura e Agroecologia;
Rede de Sementes Livres Brasil
Rede Eco Vida de Agroecologia;
Rubens Onofre Nodari – UFSC;
Suzi Barletto Cavalli- UFSC;
Terra de Direitos;
Via Campesina Brasil;
Via Campesina Sudamerica;
Dep. Marcon-PT/RS;
Rede de Agrobiodiversidade do Semiárido Mineiro;
Rede Puxirão de Povos e Comunidades Tradicionais
Publicado no Portal EcoDebate, 14/11/2014
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