GLOBO
Temos uma tendência a preferir o fácil.
Abraçamos um lado e passamos a odiar o oposto, e isso parece proliferar nos nossos dias, particularmente nas redes sociais, com as suas verdades pré-prontas.
Condenamos com a mesma displicência com que exaltamos. Mas as coisas não são tão simples.
Vivo no Rio desde 1992, e a vinculação entre a polícia e a criminalidade sempre esteve presente, com policiais extorquindo cidadãos, e traficantes atuando como xerifes nas comunidades.
Quando Anthony Garotinho foi governador e, depois, secretário de Segurança, essa relação se ampliou.
Em sua sentença de condenação a dois anos e meio de prisão, o juiz Marcelo Leonardo Tavares afirma que Garotinho dividia com Álvaro Lins a liderança da quadrilha que corrompia delegados, lavava dinheiro do tráfico, financiava campanhas.
Vejam: faz muito pouco tempo, o Rio era um estado onde o ex-governador, então secretário de Segurança, chefiava uma quadrilha cujo segundo nome era o comandante da Polícia Civil, como consta em reportagem da revista “Época” de fevereiro.
Vieram as UPPs, com proposta clara, objetivos explícitos e uma consistente concepção estratégica.
Qualquer estudo sobre a criminalidade no Rio vai apontar para o problema do território.
O espaço físico da favela, com suas intrincadas vielas nascidas do abandono do poder publico, terminou submetido à criminalidade, favorecendo a formação de um poder paralelo.
O que me chamou a atenção no projeto das UPPs foi a concepção estratégica da polícia, que, em vez de sair invadindo morros e atingindo inocentes —e em vez de atirar a esmo, atacando o urgente e esquecendo o essencial —, pela primeira vez partiu de uma ação movida por um plano, um estudo das condições específicas da favela.
O principal objetivo das UPPS é tirar o tráfico dos morros, libertando as comunidades dos traficantes e oferecendo serviços públicos antes inexistentes. Servindo à população e angariando seu apoio, as UPPs poderiam manter o tráfico fora das favelas, e somente assim.
Mas essa expulsão não poderia acarretar o risco de uma guerra sangrenta e sem fim, como já vimos acontecer. A inteligência da polícia buscou, então, avisar sobre a invasão.
E previu que os traficantes que fugissem se abrigaram em outras favelas, que também seriam pacificadas, até que, sem território, o tráfico se dissolveria, ao menos em sua estrutura organizada.
Tudo aconteceu como esperado: em 22 favelas com UPPs, de 2000 a 2012, o número de homicídios caiu 65%. E no asfalto não foi diferente: os homicídios na capital diminuíram em 48%.
Mas, não podemos esquecer, mesmo com essa retomada a polícia do Rio é uma das mais corruptas do país, e a luta estava só começando. A cidade acreditou, se emocionou. E aplaudiu José Mariano Beltrame, recebido como um herói.
O primeiro grande desgaste da polícia nos últimos anos foi com as manifestações. Sem preparo, ela extrapolou, se perdeu, agrediu. Foi acusada de matar o servente de pedreiro Amarildo de Souza na Rocinha, invadiu comunidades, atirando e matando inocentes. Hoje sabemos que os manifestantes também foram violentos.
O que não justifica os erros da polícia. Aos poucos, a grande manifestação foi deixando as ruas, e ficou uma massa rala, difusa, que, sem direção, optou pelo imediato: não mais transporte, educação, mas a polícia e seus desmandos.
Curiosamente ressurge Anthony Garotinho, candidato ao governo e maior difamador das UPPs, com um forte arsenal de atuação nas redes, arrebanhando adeptos, especialmente entre os que não o conhecem, que não sabem de seu passado: os jovens.
O que me impressiona é ver uma juventude bem intencionada, mas pouco culta, repetindo palavras de Garotinho como se fossem de cidadania e liberdade.
Se alguma consciência política e social existisse, nos apressaríamos em fortalecer a transformação da nossa polícia, incentivando a vinda de jovens honestos, corajosos.
E expulsando as cobras criadas da criminalidade.
Mas nós não queremos a polícia, não nos importamos que o tráfico os mate, ainda jovens. Preferimos o crime, a violência, o medo.
A polícia é uma necessidade, especialmente no Rio, esta cidade sitiada por menores armados, prontos a morrer por uma dose de crack.
Desvalorizar a polícia e os resultados das UPPs é um retrocesso que poderá nos custar muito caro.
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