Quarta-feira, 05 de Março de 2014
Por Luciano Martins Costa
Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 5/3/2014
O noticiário policial dos jornais paulistas tem registrado, nos últimos
dias, uma frequência preocupante de episódios de depredações e ataques
em cidades do interior. Os incidentes têm sido vinculados, ainda que
indiretamente, à decisão de colocar sob regime de isolamento os líderes
da facção criminosa chamada Primeiro Comando da Capital, que cumprem
penas em presídios de segurança máxima.
Nos quatro dias de carnaval, foram dezenas de ataques com coquetéis
molotov contra veículos, principalmente ônibus, e prédios públicos e
particulares em cinco cidades, com grande concentração no oeste e
noroeste do Estado. Em algumas das ocorrências, chama atenção a presença
de adolescentes, com idades entre 13 e 16 anos.
Com cautela, porta-vozes da Secretaria da Segurança Pública evitam
afirmar que se trata de uma retaliação por conta do cerco ao chamado
PCC. Somente em Campinas, catorze ônibus do sistema municipal de
transporte foram depredados na madrugada de terça-feira (4/4). Durante o
período de carnaval, chegou a 22 o total de veículos vandalizados.
No carnaval do ano passado, registraram-se apenas 6 ocorrências desse
tipo, mas em 2011 a cidade havia sofrido nada menos do que 66 ataques a
ônibus, o que complica a análise das causas.
Na cidade de Promissão, a 451 km de São Paulo, além de sete veículos
também foi atacada a casa de um policial rodoviário. As outras cidades
com ocorrências semelhantes foram Assis, Ourinhos e Santa Cruz do Rio
Pardo.
Policiais ouvidos pela imprensa acham que a ação foi uma resposta a uma
operação que resultou na apreensão de grande quantidade de drogas e na
prisão de 199 suspeitos na região.
Em outra reportagem, o Estado de S. Paulo
divulga relatório do Conselho Internacional de Controle de Narcóticos,
órgão da ONU, no qual se revela que o consumo de cocaína no Brasil mais
do que dobrou em dez anos.
Além de fundamental na rota da droga
produzida nos países andinos, nosso país se tornou um dos maiores
consumidores, com um volume quatro vezes superior à média mundial.
Quem financia?
Há uma relação direta entre os incidentes no interior paulista e
indicadores de consumo de drogas, embora não explicitada nas
reportagens: o lucro dos traficantes é tão elevado e seus negócios tão
consolidados que toda ação policial de grande escala produz um efeito
semelhante ao das crises que abalam as bolsas de valores.
Em alguns casos, a apreensão de grandes quantidades, como ocorreu na
véspera do carnaval, quando a polícia recolheu 300 quilos de drogas na
sede da Torcida Organizada do Palmeiras, em São Paulo, provoca um
rearranjo no sistema de distribuição e o imediato aumento de preços.
As reportagens sempre remetem a dificuldades do governo paulista com o
sistema do crime organizado, principalmente em relação ao chamado PCC.
Mas o noticiário fragmentado dissimula o principal eixo da questão:
falta uma política nacional capaz de controlar o fluxo de drogas através
do país, e não há como escapar à responsabilidade da aliança política
liderada pelo PT, que domina o poder Executivo desde 2003: os dados da
ONU sobre a expansão do mercado das drogas no Brasil, em índices
superiores aos do consumo mundial, nesse período, não deixam margem para
desculpas.
O desembargador aposentado Walter Maierovitch, certamente o brasileiro
mais familiarizado com a questão do crime organizado e ex-titular da
Secretaria Nacional Antidrogas, costuma dizer que as operações policiais
espetaculares são apenas isso: espetáculos. Na sua opinião, os anúncios
de grandes apreensões de substâncias ilícitas apenas sinalizam para o
mercado do crime que é hora de aumentar preços. O grande desafio,
observa, é atacar as finanças das quadrilhas.
De fato, o leitor nunca encontra respondida nos jornais, a pergunta: a
quem pertencem as drogas apreendidas? Por exemplo, quem era o dono dos
445 quilos de pasta-base de cocaína que foram apreendidos num
helicóptero que pertence ao deputado mineiro Gustavo Perrella, do
partido Solidariedade?
Mas há uma questão ainda mais importante: quem financia o narcotráfico?
Repórteres investigativos que foram atrás dessa pauta nos últimos
trinta anos esbarraram em delegados de polícia, políticos,
empreendedores imobiliários, oficiais da Polícia Militar, donos de casas
de prostituição, bicheiros e exploradores de jogos clandestinos –
chegaram perto até mesmo de um empresário do setor de educação.
Mas essa segue sendo a reportagem que nunca foi escrita.
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