segunda-feira, 28 de abril de 2014

Fiscalização e concorrência desleal são desafios da nova lei de comida de rua

28/4/2014 às 00h10


Projeto sancionado em dezembro na capital ainda não tem prazo para ser regulamentado

 
 
A legislação em vigor hoje em SP só permite que vendedores de cachorro-quente tenham autorização para trabalhar nas ruas  
 
Alice Vergueiro/19.04.2014/Futura Press/ Estadão Conteúdo
 
A lei que autoriza a venda de comida de rua na capital paulista foi sancionada pelo prefeito Fernando Haddad no fim do ano passado e deveria ter sido regulamentada em 60 dias, o que não aconteceu. Empresários e associações do setor de bares e restaurantes acompanham com atenção o processo e temem, por um lado, o excesso de restrições e, por outro, a concorrência desleal e a falta de fiscalização. 

Na quarta-feira da semana passada, dia 16, o prefeito fez uma reunião para tratar do tema. Presente no encontro, a Associação Paulistana de Comida de Rua afirmou que a data da regulamentação ainda não foi definida.

A Abrasel-SP (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo) diz não se opor ao comércio de comida de rua, mas afirma estar preocupada com pontos polêmicos da lei. Um deles, segundo Joaquim Saraiva de Almeida, presidente da entidade, é a concorrência desleal.

— Se eu estiver em frente a um restaurante e não tiver infraestrutura neste local, os frequentadores vão usar, por exemplo, os banheiros do bar ou restaurante em frente [...] É um transtorno, pois vai afetar o movimento normal deste restaurante, causando prejuízo, pois vai usar água, papel e a própria manutenção e limpeza do local. 

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O pagamento de impostos deverá ser proporcional, de acordo com estrutura e faturamento, segundo a Abrasel, mas a fiscalização pode ser um problema. 

— Nós achamos que a fiscalização não vai ser eficiente, pois existem poucos fiscais hoje para o tamanho de São Paulo [...] Se não tiver limitações e regras estabelecidas, ninguém vai conseguir controlar isso, pois atrás vem os [vendedores] ilegais.

O advogado e professor da UNIP (Universidade Paulista), Mario Thadeu Leme de Barros Filho, afirma que a restrição de local de venda é uma questão que merece atenção. Em outras cidades, como Nova York, os caminhões e carrinhos não necessariamente se encontram no mesmo local todos os dias. Os comerciantes usam, inclusive, as redes sociais para anunciar o endereço em que pararão em determinado momento.

— A lei de São Paulo pede endereço fixo, não tem autorização para circular com a comida. 
Haddad vetou a venda de alimentos em barracas ou carrinhos montados dentro de garagens ou em qualquer tipo de imóvel particular — na periferia da capital e nos arredores de faculdades, por exemplo, é comum moradores transformarem a garagem em lanchonete, sorveteria ou bar, entre outros tipos de comércio improvisados nos chamados "puxadinhos". O veto do prefeito criou um limbo jurídico, segundo Barros Filho. 

— Tem uma insegurança nesta questão, uma vez que não foi manifestadamente proibido. 

O projeto, de autoria dos vereadores Andrea Matarazzo (PSDB), Arselino Tatto (PT), Floriano Pesaro (PSDB), Marco Aurélio Cunha (PSD) e Ricardo Nunes (PMDB), foi aprovado pela Câmara de São Paulo no fim de novembro, em segunda votação. Matarazzo disse que um dos objetivos da lei é reprimir o comércio ilegal, como o que acontece nos pontos de ônibus, no horário do café da manhã.

— As pessoas acham que é aquela senhorinha que está lá fez na casa dela o bolo e está lá vendendo. Isso é uma organização imensa que tem 300/400 pontos e eles exploram pessoas que colocam lá para vender. Você não sabe de onde vem a água, como é feito aquele pão, como é feito o bolo.

Regulamentação

Com a nova lei, o comércio de rua só poderá ser feito em furgões de até 6,30 m, os chamados "food trucks", ou em carrinhos e barracas desmontáveis ao fim do expediente. O vendedor com licença para trabalhar na calçada deverá manter 1,2 m de passagem livre para pedestres. A regulamentação vai definir que tipo de alimentos poderão ser vendidos na rua e o prazo de concessão da licença. 

A legislação em vigor hoje na capital paulista só permite que vendedores de cachorro-quente tenham autorização para trabalhar nas ruas. Mas, desde abril de 2007, nenhuma licença é emitida. Nas feiras livres, estão liberados apenas os vendedores de pastéis. A vigilância sanitária proibiu os sanduíches de calabresa nos estádios de futebol em  2010. A feira realizada na Liberdade, no centro da capital, aos domingos, é uma das únicas exceções, com barracas que vendem de guiozas a codornas assadas na brasa. 

A lei que regulamenta a comida de rua só permite uma licença por CNPJ, ou seja, cada pessoa terá direito a apenas um furgão ou espaço na rua, em horário e local pré-determinado.  Para o advogado Mario Thadeu Leme de Barros Filho, essa restrição não é viável economicamente. 

— Muitos proprietários e cozinheiros de comida de rua afirmam que ter um único equipamento não é suficiente, não é economicamente interessante, é insustentável. Para o negócio ser rentável, eles precisariam ter dois ou três eventualmente. 

Doação de comida

Uma das novidades da nova lei, segundo Barros Filho, é a regulamentação da doação de comida na rua por, por exemplo, entidades de caridade, religiosas e ONGs (Organizações Não-Governamentais). 

— Algo que era ilegal, o famoso sopão que tinha debaixo do Minhocão, fornecido pela irmã Ivete, há mais de 20 anos, doação de comida no centro de São Paulo, isso passou a ser regulamentado também por essa lei [...] Uma vez respeitados as condições sanitárias, de segurança alimentar, o produto pronto pode ser doado.  

É necessário pedir uma autorização para a prefeitura, explicando o local onde será feita esta doação, e ela deve ser não onerosa, ou seja, a administração municipal não pode cobrar por esse serviço.

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