Como muitos já sabem, estou em Indianapolis, para mais um colóquio patrocinado pelo Liberty Fund.
Já devo ter ido a uns 12 em minha vida. Toda essa experiência me leva a
pensar sobre como a esquerda desvirtua a essência do liberalismo. Ao
retratar os empreendedores como egoístas gananciosos e depositar no
estado a tábua da salvação altruísta, acaba por inverter tudo.
Esses colóquios ocorrem sempre em ótimos
hotéis, com uma lista de debatedores bem diferenciada. Empresários e
intelectuais interessados em um puro debate de ideias. Não é preciso
sair com nenhum tipo de conclusão, de panfleto oficial, de ata
convergente. É o debate pelo debate. E tudo isso bancado pelo Liberty
Fund, que ainda paga pela participação dos debatedores. Não é incrível?
Como pode isso? Eis algo que os
brasileiros em geral e a esquerda em especial têm dificuldade de
compreender. Pierre Goodrich foi um empreendedor de sucesso em
Indianapolis, e tinha grande interesse pelo lado intelectual da vida.
Era um liberal no melhor sentido do termo. Quando morreu, deixou quase
toda a sua fortuna para o Liberty Fund, que havia fundado em 1960. É com
esse endowment que vários eventos, entre eles esses colóquios, são organizados todo ano.
Há ainda a venda de livros clássicos
por preços subsidiados, não pelo governo, mas pela iniciativa privada.
Já comprei vários para a minha biblioteca. Os clássicos estão quase
todos lá. No Brasil, uma parceria com a TopBooks colocou vários desses
livros à venda também. Recomendo.
E por que tudo isso? Mr. Goodrich
acreditava que uma formação liberal, no velho e bom sentido do termo,
era crucial para criar e preservar uma sociedade livre e próspera. Ele
depositava muita fé na promoção da excelência, na educação das pessoas,
mas de forma voluntária, não por meio do governo.
Para o empresário, a sociedade civil
seria não apenas o produto da educação, mas ela mesma um reflexo do
próprio processo e da natureza da educação. E esse processo, ao
contrário do simples acúmulo de informação, requer uma atitude de
abertura às ideias abstratas e um foco nos princípios básicos. Criar um
corpo amplo de conhecimento, buscado por seu próprio valor, e não para
alguma outra finalidade qualquer imediata, essa era a meta da verdadeira
educação para Goodrich.
O estudo dos clássicos, a leitura de
grandes livros e, acima de tudo, os colóquios para um debate aberto,
cujo único objetivo seria o engrandecimento pessoal de cada um, tais
eram os instrumentos que Goodrich considerava relevantes para uma boa
educação, e que, por sua vez, ajudariam a criar ou manter uma sociedade
livre.
Sua visão do ser humano era a de um
animal limitado, ainda que racional, mas sempre fadado à ignorância, ao
conhecimento incompleto. Também desconfiava, como todo liberal, da
concentração de poder e dos riscos das paixões humanas sob certas
influências. Por tal crença em nossas limitações, Goodrich desenhou este
formato de conferências abertas, estruturadas não para chegar a alguma
conclusão definitiva, mas para estimular sempre mais debates e busca por
novos conhecimentos.
Em muitos aspectos essa postura se assemelha ao que Michael Oakeshott descreveu
como uma longa e infindável conversação, quando os homens tentam
filtrar da Torre de Babel algum sentido maior e universal, comum a todos
em todas as épocas. Esse seria o grande aprendizado humano proveniente
de uma educação liberal.
Nos colóquios do Liberty Fund não há
amigos e inimigos, aliados e rivais, e ninguém precisa “vencer” o
debate. O que existe é um ambiente propício a essa incrível experiência
comum, de trocas mutuamente benéficas, desinteressadas, para que cada
participante possa extrair o máximo possível de aprendizado para si.
Esse tipo de educação clama por
civilidade, por respeito ao outro, pelo foco nos argumentos. Isso tudo
estaria ligado ao próprio conceito de liberdade, de vida civilizada em
sociedade. Era essa a grande visão de Goodrich, na qual ele apostou sua
fortuna e deixou seu legado. Ideias têm consequências, e Goodrich
colocou em prática seu credo. Como não reconhecer o grande mérito deste
benfeitor?
Sendo um dos tantos que já tiveram a
sorte de participar desses eventos e viver esta enriquecedora
experiência, só posso agradecer e prestar aqui minha singela homenagem.
Se mais empreendedores tivessem a visão e a fé no livre debate de ideias
que tinha Mr. Goodrich, o mundo sem dúvida seria um lugar mais liberal
e, portanto, mais civilizado e melhor.
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