domingo, 11 de maio de 2014

Família de mulher linchada em Guarujá temia boatos sobre 'bruxa'



Uma família de Guarujá vivia angustiada nas últimas semanas com boatos sobre uma sequestradora de crianças à solta na periferia da cidade do litoral paulista.
O medo naquela casa do bairro de Morrinhos era que a criminosa se aproximasse de Fabiane Maria de Jesus, 33, casada e mãe de duas filhas.


"Se ela chegasse na minha irmã, tomava as crianças dela. Porque a Fabiane é assim: se alguém começa a conversar com ela no ônibus, ela já conta a vida inteira."


O desabafo, com os verbos no presente, é de Leidiane, 31, irmã mais nova de Fabiane, linchada na semana passada por moradores de Morrinhos após ser confundida com a tal sequestradora que nunca agiu no município.


O que se soube após a morte de Fabiane é que tudo não passava de um boato. Um retrato falado feito em 2012 pela polícia do Rio foi divulgado em uma página na internet voltada à população de Guarujá e a falsa informação levou pânico aos moradores.



Marcos Alves/Agência O Globo
O marido de Fabiane Maria de Jesus, Jaílton, com as duas filhas do casal, Yasmin e Esther
O marido de Fabiane Maria de Jesus, Jaílton, com as duas filhas do casal, Yasmin e Esther    


Na família de Fabiane, por exemplo, apenas ela não dava muita atenção à história da "bruxa" que levava crianças para rituais macabros.


A mãe, Raimunda Maria de Jesus, 50, conta que chegou a alertar a filha, mas Fabiane não acreditou na conversa.

"Ela me disse: 'Isso é coisa do satânico. Isso é mentira'."

A opinião de Fabiane, porém, era minoria em casa e também em Morrinhos.

Na tarde de sábado, dia 3, ela foi cercada e atacada por uma multidão.

Ao longo de pelo menos duas horas, nas ruas de terra e nas palafitas do bairro, foi arrastada, levou chutes e pauladas e foi jogada ao chão.

Internada em estado crítico após as agressões, morreu às 6h40 de segunda-feira.

O linchamento foi registrado em fotos e vídeos gravados com celulares, o que já permitiu à polícia prender suspeitos de agredir Fabiane -mãe das meninas Yasmin, 12, e Esther Nicolly, 1.



Bilhete da dona de casa, um dia antes do ataque
Bilhete da dona de casa, um dia antes do ataque   
 
DIA DAS MÃES
 
Na véspera do crime, Yasmin aproveitou o feriado prolongado para desenhar. Fez uma flor colorida, um dos temas preferidos de Fabiane, e um cartão de Dia das Mães.

Ao receber o presente com nove dias de antecedência, a dona de casa aproveitou um espaço em branco no pedaço de papel para responder.

"Eu sempre te amei e nunca deixarei você por nada, princesa. Te amo. Fabi, sua mãe", escreveu.
Há 12 anos, após o nascimento de Yasmin, Fabiane passou três meses internada com depressão pós-parto.

Diagnosticada em seguida com transtorno bipolar, tomava diariamente três medicamentos e, quando tinha crises, não reconhecia as pessoas e falava coisas desconexas, como dizer que tinha R$ 1 milhão guardado.

Durante os surtos, a família tentava evitar que ela saísse. No dia em que ganhou o cartão, escondeu as chaves da casa, devolveu-as mais tarde a uma sobrinha, mas guardou uma reserva para abrir o portão na manhã seguinte, dia em que foi atacada.

Yasmin estava dormindo e não viu a mãe sair. À tarde, soube que estavam compartilhando fotos no Facebook de uma mulher loira que havia apanhado em Morrinhos.

Viu a foto e achou que pudesse ser a mãe. Mas ficou em dúvida, já que Fabiane havia tingido os cabelos de ruivo.

Foi então que ela achou um frasco de descolorante vazio no armário. "Mostrei para todo mundo e aí caiu a ficha."

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