sexta-feira, 13 de junho de 2014

Dilma de Caracas - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 13/06

A presidente resolveu dar uma banana ao Congresso e, em vez de projeto de lei, mandou logo um decreto

Com alguma impaciência, noto que há certos analistas com muita opinião e nenhuma memória. É claro que se pode ter uma sem outra. E outra sem uma. 
 
Memória sem opinião é banco de dados. Opinião sem memória é tolice. Trato do decreto comuno-fascistoide de Dilma Rousseff, o 8.243, que institui a tal "Política Nacional de Participação Social" e entrega parte da administração federal aos "movimentos sociais", num processo de estatização da sociedade civil.

Sempre que alguém especula sobre a crise da democracia representativa, procuro ver onde o valente esconde o revólver. O assunto voltou a ser debatido nos últimos dias em razão do decreto, que chega a definir, Santo Deus!, o que é sociedade civil. E o faz com a ousadia do autoritarismo temperado pela estupidez. 
 
Lê-se lá: "Sociedade civil - o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações". Quando um governo decide especificar em lei que o "cidadão" é parte da sociedade civil, cabe-nos indagar se é por burrice ou má-fé. Faço a minha escolha.

O "indivíduo" só aparece no decreto para que possa ser rebaixado diante dos "coletivos" e dos "movimentos sociais institucionalizados" e "não institucionalizados", seja lá o que signifiquem uma coisa, a outra e o seu contrário. 
 
Poucos perceberam, como fez Oliveiros S. Ferreira, em artigo publicado em "O Estado de S. Paulo", que o Decreto 8.243 institui uma "justiça paralela" por intermédio da "mesa diálogo", assim definida: "mecanismo de debate e de negociação com a participação dos setores da sociedade civil e do governo diretamente envolvidos no intuito de prevenir, mediar e solucionar conflitos sociais".

Ai, ai, ai... Como a Soberana já definiu o que é sociedade civil, podemos esperar na composição dessa mesa o "indivíduo" e os movimentos "institucionalizados" e "não institucionalizados". 
 
Se a sua propriedade for invadida por um "coletivo", por exemplo, você poderá participar, apenas como uma das partes, de uma "mesa de negociação" com os invasores e com aqueles outros "entes". Antes que o juiz restabeleça o seu direito, garantido em lei, será preciso formar a tal "mesa"...

Isso tem história. No dia 19 de fevereiro (http://abr.ai/1lkunwF), o ministro Gilberto Carvalho participou de um seminário sobre mediação de conflitos. 
 
Com todas as letras, atacou a Justiça por conceder liminares de reintegração de posse e censurou o Estado brasileiro por cultivar o que chamou de "uma mentalidade que se posiciona claramente contra tudo aquilo que é insurgência". Ou por outra: a insurgência lhe é bem-vinda. Parece que ele tem a ambição de manipulá-la como insuflador e como autoridade.

Vocês se lembram do "Programa Nacional-Socialista" dos Direitos Humanos, de dezembro de 2009? É aquele que, entre outros mimos, propunha mecanismos de censura à imprensa. Qual era o "Objetivo Estratégico VI" (http://abr.ai/1lkLvSS)? Reproduzo trecho:

"a- Assegurar a criação de marco legal para a prevenção e mediação de conflitos fundiários urbanos, garantindo o devido processo legal e a função social da propriedade.

(...)

d- Propor projeto de lei para institucionalizar a utilização da mediação como ato inicial das demandas de conflitos agrários e urbanos, priorizando a realização de audiência coletiva com os envolvidos (...) como medida preliminar à avaliação da concessão de medidas liminares (...)"

Dilma resolveu dar uma banana para o Congresso e, em vez de projeto de lei, que pode ser emendado pelos parlamentares, mandou logo um decreto. As Polianas que fazem o jogo dos contentes acusam os críticos do decreto de exacerbação retórica e dizem que a trajetória do PT não revela tentações bolivarianas. 
 
Não? Fica para outra coluna. Nego-me a ignorar o que está escrito para ser árbitro de intenções. Pouco me interessa o que se passa na alma do PT. Eu me ocupo é dos fatos. Dilma tem de recuar. Brasília não é Caracas.
 
 

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